Marcelinho Carioca concedeu entrevista à chegada da delegação do Santo André em São Paulo após a derrota para o Internacional de Porto Alegre com a costumeira fidelidade e coerência que os contemporâneos de treinamentos e vestiários lhe conferem. Marcelinho disse, em resposta às razões do rebaixamento do Ramalhão, que faltou planejamento para disputar a Série A e que também houve precipitações ou algo semelhante com a negociação de meia dúzia de jogadores da equipe base que disputou o Campeonato Paulista.
Provavelmente o que mais dói no presidente Ronan Maria Pinto nestes dias pós-rebaixamento são as frases de Marcelinho Carioca. Exceto se não esperava outra coisa de um Marcelinho que também tem parcela de responsabilidade nesse latifúndio de decepções.
Até recentemente Marcelinho Carioca parecia um boneco animado com dispositivo de gravação pronto a reproduzir aos repórteres de campo sempre a mesma resposta depois de um bom resultado do Santo André na Série A. Enchia a bola de Ronan Maria Pinto no começo, no meio e no fim de cada frase. Embalava-o o sonho da Taça Libertadores e, com isso, potencializar ainda mais o eleitorado que pretende amealhar para chegar à Câmara Federal e, mais tarde, à Prefeitura de Santo André.
O que quero dizer é que se tem alguém sem credibilidade para analisar a queda do Santo André é justamente Marcelinho Carioca. Não só ele, mas todos que cercaram Ronan Maria Pinto de elogios, de frases feitas, de engomação verbal, de tudo que deva ser interpretado como mensagens de devoção — e nada de advertência.
O embevecido Ronan Maria Pinto não foge da raia, diz que errou mas que aprendeu. Provavelmente será mais receptivo às críticas nas próximas temporadas.
Ronan Maria Pinto acreditou em todos o tempo todo e o tempo que é o senhor da razão tratou de colocar a situação em ordem. O Santo André caiu por causa de uma montanha de motivos fora e dentro de campo, como todo time que cai, mas o que mais pesou mesmo foi a troca de treinadores.
Vá lá que não ficasse com Sérgio Soares, que comandou a equipe no acesso à Série A no ano passado, mas a chegada de Alexandre Galo nada acrescentou, exceto um acentuado divisionismo no elenco sempre sob a influência de Marcelinho Carioca. Sérgio Soares chegou tarde e não pode imprimir na equipe a personalidade tática que a levou ao sucesso no ano anterior e que também, por recall, manteve em bom nível o rendimento no Campeonato Paulista.
A substituição de técnico, como a troca de executivo numa empresa e de gestor público na atividade governamental, não pode ser encarada como rotina. É certo que não há verdade absoluta sobre a influência de um treinador competente num grupo de jogadores na medida em que prolonga permanência, mas as probabilidades de somar resultados positivos são comprovadamente bem maiores que os solavancos de troca intermitente de comandante.
Há momentos de choques com a chegada de nova chefia que valem a pena, principalmente em situações que cobram impactos para eliminar zonas de conforto exagerado ou de idiossincrasias exacerbadas, mas nem sempre o tiro é certeiro. Na maioria dos casos sai pela culatra.
Mais importante agora do que debater as razões da queda do Santo André é redesenhar o figurino do clube-empresa para a próxima temporada.
Os acontecimentos de 2009 precisam ser avaliados, esmiuçados até, para que não se repitam no ano que vem. Entretanto, cair na real de que se está de volta à Série B do Brasileiro e que a Séria A do Campeonato Paulista não é galinha morta, embora parte dos concorrentes seja estruturada em cima da hora, é questão de sobrevivência. O trauma da queda não pode estender-se indefinidamente mas fingir que não ficaram marcas indeléveis de complicações seria o cúmulo do exagero. Modular o passado recente de fracasso e o futuro necessário de sucesso é, portanto, a grande tacada.
O Santo André começará 2010 com o peso dos desajustes de 2009, mas não pode deixar-se aprisionar pelo afundamento na principal competição do País.
A recomposição do elenco e principalmente do time base para o primeiro semestre do ano que vem é o novo desafio. E nesse ponto a direção acertou primeiro por recontratar Sérgio Soares já com olhos postos em 2010 e também ao trazer um profissional de administração esportiva, Carlito, como facilitador na captura de reforços.
O modelo gerencial do Santo André e da maioria dos clubes puramente esportivos ou igualmente empresariais não me agrada porque, no fundo, no fundo, é a eternização de presidencialismo absolutista disfarçado tanto por colaboradores voluntários como por acionistas submissos. Esse, na verdade, é o preço que se paga porque se entrega a apenas um dirigente praticamente todas as peças de um quebra-cabeças de responsabilidades e decisões.
No mundo futebolístico os resultados não são cientificamente garantidos com base no passado de sucesso nem irremediavelmente sacramentados por causa de fracasso anterior. Aliás, o Santo André é prova viva disso.
Entretanto, com organização, metodologia e definição de metas é possível amansar o burro bravo do imponderável com razoável eficiência, evitando-se catástrofes como o rebaixamento.
Futebol é algo tão sujeito a chuvas e trovoadas que o melhor que os dirigentes podem fazer é reduzir o grau de instabilidade de resultados, porque erros são quase compulsórios. Não fosse assim, os times, todos os times, não passariam o final e o começo do ano negociando jogadores que deram com os burros nágua, mesmo que, quando contratados, tenham sido cuidadosamente submetidos a avaliações e invariavelmente festejados como soluções.
Marcelinho Carioca tem razão quando fala na falta de planejamento e no excessivo contingente de jogadores negociados, mas não tem o direito de fazer comentários porque passou o tempo todo repetindo a toada bajulativa a quem o idealizou candidato.
Total de 985 matérias | Página 1
05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André