Embora seja muito cedo para definir o perfil de cada uma das equipes após três rodadas da temporada, ouso dizer que o São Caetano e o Santo André que estão disputando a Série A do Campeonato Paulista oferecem a perspectiva de que adotarão ferramentais táticos e técnicos diferentes neste primeiro ano de nova década. Melhor seria se fosse possível fundir os predicados das duas equipes para se chegar ao Sansão, um time que representasse o Grande ABC nas competições.
O São Caetano que ganhou sete dos 10 pontos é um time mais sólido, porque pouco mexeu na estrutura tática do grupo titular que encerrou a temporada passada. O técnico Antonio Carlos Zago coerentemente está aperfeiçoando o estilo.
O Santo André, praticamente refeito depois do desmanche do final de ano, optou por mais habilidade e leveza. Ganhou metade dos pontos que disputou até agora. O técnico Sérgio Soares, também coerentemente, quer voltar ao passado tático de glória.
O ex-zagueiro Antonio Carlos quer um São Caetano mais forte no sistema defensivo.
O ex-meiocampista Sérgio Soares quer um Santo André mais envolvente no ataque.
Sei que é arriscado antecipar resultados classificatórios e nem vou fazê-lo, mas não custa especular um pouco sobre o que vi nas primeiras rodadas.
Para começar, não vi tudo. Acompanhei parte dos jogos das duas equipes pela televisão, com restrição de visão periférica que, de alguma forma, é compensada com focalização mais precisa.
Assistir a jogos pela TV e mesmo assim não integralmente não é a melhor maneira de construir teorias. Só o faço porque gosto de desafios. Já vi tanta bola a ponto de entender que, mesmo ao acompanhar fragmentos de jogos, é possível montar um mosaico de dados que acabam redundando em teorias. Serei comedido, é claro, porque a situação assim o exige. Talvez a ousadia destas linhas seja melhor que a omissão tácita de não-comprometimento.
Para mim, a maior graça do futebol, além de gols, é o apetrecho tático e estratégico por trás de cada equipe. Vitórias ou derrotas por acaso são exceções no futebol cada vez mais esquadrinhado fora das quatro linhas. Principalmente pela tecnologia manipulada por espiões especializados em antecipar movimentos individuais e coletivos.
O Santo André é um time mais agradável de ver jogar neste início de temporada, há mais virtuoses no campo ofensivo, mais diversidade de repertório de ataque, mas demonstra também vulnerabilidades. O Santo André despreza a marcação mais solidária, regateia a acumulação de valores na intermediária e reúne baixo comprometimento destrutivo dos jogadores de meio de campo e de ataque. Talvez a fase inicial de preparação explique tudo isso e o tempo corrija, mas a vocação ofensiva e liberal parece mais evidente ao se avaliar a característica individual de boa parte dos titulares.
O São Caetano apresenta-se menos brilhante individualmente, ainda é reticente nas estocadas de contragolpe, mas tem racionalidade tática que faz a diferença. Parece amadurecer no processo de solidez defensiva, especialidade do técnico Antonio Carlos Zago.
Se no ano passado, na Série B do Brasileiro, o São Caetano terminou em sétimo lugar na classificação final mas em terceiro entre as melhores defesas, a sensação que transmite para esta temporada é que aperfeiçoará de tal maneira esse veio que será muito difícil bombardear o gol de Luiz. O mesmo Luiz que entre as traves é um grande goleiro, mas tem dificuldade de cortar bolas alçadas próximas à pequena área, como nos dois gols que sofreu contra o Santo André.
Tanto o técnico Antonio Carlos Zago como Sérgio Soares seguem à risca um mantra do futebol, que é a obsessão pela posse de bola.
Propagandeada por Carlos Alberto Parreira, especialista em produzir equipes que fazem do girar da bola no gramado um intermeio para chegar com contundência ao gol adversário, a teoria da posse de bola encontra nos dois treinadores das equipes da região o evangelho básico da arrumação tática.
Sérgio Soares fez da aparente malemolência do Santo André arma fatal para chegar à Série A do Campeonato Brasileiro. Antonio Carlos, novato na profissão, pegou o São Caetano em situação emergencial no ano passado, entre os últimos colocados, e, sem ter podido escolher os jogadores com os quais pretendia contar e sem tempo para preparação do grupo com dois jogos por semana, imprimiu filosofia que jamais chegou próxima do controle da bola, mas suficiente para melhorar a equipe.
Não gosto de retirar o caráter coletivo de análises de futebol, embora algumas individualidades precisem ser ressaltadas porque fortalecem ou enfraquecem os valores globais das equipes.
No caso do São Caetano é flagrante que o atacante Vanderlei, que atuou pelo Santo André no ano passado, é o ponto de apoio de inventividade e inteligência e que o meio-campista Everton Ribeiro é um motorzinho que dá o toque de velocidade que os contragolpes exigem. A maioria dos titulares é formada sob as luzes de pragmatismo técnico e tático.
No caso do Santo André, desponta neste começo de temporada o mesmo Branquinho que no ano passado fez sucesso no Botafogo de Ribeirão Preto, embora a expectativa maior do técnico Sérgio Soares repouse no armador Bruno César, de semelhança física e estilo de Ricardinho, que tanto sucesso fez no Corinthians. Branquinho arrebentou a boca do balão ontem de manhã e Ricardinho repetiu os jogos anteriores de muita lentidão, pouca mobilidade e propensão a deixar o adversário jogar às suas costas. Talvez esteja fora de ritmo, além de precariedade física, mas se insinua como um meia de ligação qualificado.
Insisto em dizer que tudo isso não passa de mera especulação, mas uma especulação com alguma base. Base suficiente para dizer que o time ideal para um hipotético Sansão, que seria uma equipe só, formada por São Caetano e Santo André, seria conciliar a competitividade de Antonio Carlos Zago com a liberdade ofensiva do técnico Sérgio Soares. Aí teríamos um time mais equilibrado, mais contundente, mais alegre, menos previsível. Com esse Sansão imaginário que se apresenta inicialmente nesta temporada, teríamos um time para disputar os primeiros lugares.
A temporada vai responder à pergunta principal à qual quero chegar: quem fará melhor campanha no Campeonato Paulista e na Série B do Campeonato Brasileiro?
Muita água há de rolar sob essa ponte de exposições, mas não tenho dúvida em dizer que se não faltar equilíbrio diretivo a tendência é de que Santo André e São Caetano entrarão no Brasileiro com possibilidades de surpreender as demais equipes.
Quanto falo em equilíbrio quero dizer principalmente que não pode aflorar nos dirigentes a falta de foco no material de que dispõem, analisando cada executor de função tática com cuidado, ouvindo atentamente os profissionais que contrataram para comandar os elencos. Se cometerem o erro de inflarem os grupos com contratações a torto e a direito, pressionados que sempre serão por interesses de terceiros, vão acabar desmontando uma base estrutural que parece interessante.
Fazer boa campanha no Campeonato Paulista é a plataforma sobre a qual o São Caetano e o Santo André podem saltar para o sucesso na Série B do Brasileiro. Não há vestibular mais concorrido.
Um dia desses escreveremos especificamente sobre uma fusão de Santo André e São Caetano (e quem sabe com a inclusão do São Bernardo da Série B do Paulista também), algo que há mais de uma década José Carlos Brunoro ousou sugerir. No estágio em que chegou o futebol que se confunde com marketing que se confunde com negócios que se confunde com audiência, a sugestão deixou de ser uma aberração para se converter em algo que vale a pena ser estudado. Ou não?
Alguém por acaso já tem sugestão do nome, além de Sansão, que serve inclusive para a incorporação do São Bernardo?
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André