Esportes

Um casamento frustrado que
não tem razão de continuar

DANIEL LIMA - 09/04/2010

Não esperem manifestações explícitas de dirigentes e de conselheiros do Esporte Clube Santo André e de acionistas do Saged (Santo André Gestão Empresarial e Desportiva) quanto à importância de separar esses corpos que já não dormem juntos há muito tempo.


Aliás, praticamente jamais dormiram juntos, embora o arranjo matrimonial tenha sido concebido com essa finalidade.


Talvez se tenha perdido apenas a virgindade, por conta de aproximação inicial em breve lua-de-mel.


Depois, o relacionamento foi marcado por trairagens solenes, para não escrever outra coisa menos educada.


Esperar que dirigentes, conselheiros e acionistas saiam a campo é acreditar que haja massa crítica disposta a expor-se publicamente. A maioria, ou quase totalidade, prefere comentários de bastidores, conversas em bares e restaurantes.


É para situações como essa que existem jornalistas. Nesse caso, mais que jornalista, um formulador de proposta com base na realidade dos fatos. Se fosse esperar que alguém se pronunciasse, este jornalista ficaria a ver navios. A idéia de dar nova denominação ao representante do futebol de Santo André saiu de um desses momentos de meditação a que me lanço quase diariamente, em corridas para manter o fôlego em dia e a mente azeitada.


O EC Santo André, representante do Parque Poliesportivo, e o Saged, que representa o futebol profissional, vão completar três anos de união tão fajuta quanto deformada. Está na hora, portanto, de colocar os pratos a limpo. Antes que seja tarde.


Da mesma forma que o Saged não quer ficar sob a tutela questionadora e fiscalizadora, quando não co-participante do Esporte Clube Santo André, o Esporte Clube Santo André não pode continuar dando retaguarda legal a um empreendimento gerenciado com completa autonomia por acionistas.


Quem apostou que EC Santo André e Saged construiriam exemplo espetacular de sucesso no futebol não pode, nestas alturas do campeonato, insistir num erro prático que se sobrepôs ao acerto teórico.


Quando o então presidente do EC Santo André, Jairo Livolis, formulou a proposta de repassar o futebol do EC Santo André para uma empresa, ninguém ousou contestar. Nada mais sensato. O EC Santo André já não encontrava horizonte de sustentação competitiva num ambiente em que empresários do futebol e mesmo de fora do futebol dão as cartas e jogam de mão. É assim no mundo inteiro.


Nem no mundo do circo se permitem mais devaneios. Está aí o aposentado Orlando Orfei que não me deixa mentir. E o Circo de Soleil também.


O contrato de repasse de obrigações e direitos envolvendo o Esporte Clube Santo André e o Saged foi, entretanto, leonino.


Primeiro, porque o Esporte Clube Santo André não recebeu absolutamente nada pelo naco das ações que constituíram o Saged, quando tornou-se detentor de apenas 20% dos 100% que lhe pertenciam.


Segundo, porque o Esporte Clube Santo André permitiu que, diante de mudanças diretivas no Saged, fosse excluído de qualquer poder de mando na agremiação.


Os acionistas do Saged, principalmente Ronan Maria Pinto, passaram a dar tom em todas as deliberações. Os 20% do Esporte Clube Santo André são apenas uma fachada mal-ajambrada de uma associação de interesses com cartas marcadas.


No artigo anterior postado neste site acredito que destrinchei de forma suficientemente didática a encruzilhada em que se meteram o clube poliesportivo presidido há dois anos por Celso Luiz de Almeida e o futebol comandado pelo empresário Ronan Maria Pinto, diretor-presidente do Diário do Grande ABC.


Portanto, não há mais o que acrescentar para maiores esclarecimentos básicos. Ou seja: o futebol do Saged que tanto sucesso faz na Série A do Campeonato Paulista é um estorvo para o EC Santo André. E a recíproca é verdadeira.


A democracia do Saged é a democracia que em geral domina os ambientes empresariais — a democracia do dono das ações ou do articulador de controle da maioria das ações.


Este é o caso de Ronan Maria Pinto, um empresário que não nasceu para ser comandado em qualquer sociedade. Mais que isso — um empresário para mandar em qualquer sociedade que considere importante.


Traduzindo ainda mais em miúdos: dirigentes e conselheiros que fizeram história no Esporte Clube Santo André, que até 2007 representava de fato e de direito o futebol da cidade, não mandam numa agulha sequer no Saged, a sociedade civil que foi constituída para privatizar o futebol. Nem os acionistas do Saged têm qualquer influência nos destinos do Esporte Clube Santo André.


O que se imaginava de confluência de valores materiais e culturais que dariam suporte básico à queima de etapas na condução do Saged foi para a cucuia desde que Ronan Maria Pinto assumiu a direção executiva do futebol, depois do afastamento de Celso Luiz de Almeida e de Jairo Livolis, responsáveis pelo comando do Saged.


O modelo de romantismo puro representado pelo Esporte Clube Santo André não tinha futuro, reconheciam os dirigentes de então.


O modelo pragmaticamente empresarial do Saged também não tem a garantia de que terá futuro, porque a matéria-prima com que lidam as equipes de futebol no Brasil é volúvel, instável e problemática sob ângulos estritamente econômicos. Principalmente quando o mercado de exportação se reduz por conta dos rescaldos da crise internacional.


Nada assegura, portanto, que o Saged seja um grande empreendimento em termos de rentabilidade.


Tudo indicava, portanto, que o EC Santo André no modelo convencional de clube esportivo também não iria longe, sobretudo numa região complicadíssima em contar com a retaguarda da sociedade e dos torcedores.


Sei que já há movimentação de bastidores para retirar o EC Santo André das garras do Saged, da mesma forma que há medidas preliminares para livrar o Saged dos tentáculos do EC Santo André.


Cá entre nós, tanto o presidente Celso Luiz de Almeida quanto os conselheiros deliberativos do Esporte Clube Santo André cometerão o crime de omissão se não efetivarem medidas que rompam definitivamente com o quadro atual. Pela simples razão de que, repetimos, o EC Santo André conta com 20% das ações do Saged, não toca instrumento algum e amanhã, se der zebra, sofrerá duros prejuízos financeiros. Provavelmente se tornará um Exército de Brancaleone.


Aqueles que eventualmente estejam imaginando que este colunista está pregando no deserto correm o risco de cair do cavalo. De algum modo haverá mobilização em torno de questionamentos dessa parceria de araque.


Se não bastasse essa possibilidade concreta de que dirigentes e conselheiros do Esporte Clube Santo André não permitirão que se estique ainda mais o prazo de validade de um produto que já deveria ter sido lançado ao lixo, ainda sobra algo de que não abro mão: o legado de advertência que estes textos carregam e que me tornam no mínimo imune a qualquer tipo de responsabilidade efetiva, de omissão ou de aprovação do modelo que está aí.


Não posso esquecer que publiquei ampla matéria sobre a expectativa intensamente favorável de o clube-empresa que ganhou o nome de Saged fortalecer a estrutura empresarial do Santo André. Um texto que reproduzirei neste espaço na próxima semana.


Da mesma forma que o Diário do Grande ABC não cessa a mesopotâmica guerra de guerrilhas contra as prefeituras dirigidas pelo PT na região, este site não cessará disposição para massificar entre milhares de leitores que comprovadamente lhe dão respaldo de audiência qualificada essa iniciativa de mudança da nomenclatura e da estrutura jurídica dessa associação de faz-de-conta.


São medidas apenas semelhantes, porque na empreitada em favor do futebol de Santo André pesa unicamente a responsabilidade social de um veículo digital de comunicação, enquanto no primeiro caso, do Diário contra o PT, a questão é outra.


O futebol do Santo André será responsavelmente mais forte e confiável quando as decisões do Saged tiverem ampla liberdade e contrapartidas de sucessos e fracassos.


A história do Santo André continuará pertencendo ao Grêmio Santo André, pelo menos até o dia em que, como o Grêmio Barueri, o eventual novo clube-empresa mudar de ares. Não seria de se estranhar.


Afinal, o Santo André outrora tão prestigiado pela torcida tornou-se um clube de futebol bizarro no País, porque consegue ter mais (embora de baixa densidade) torcidas organizadas nas arquibancadas do que torcedores avulsos.


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