Política

Sugestão à reinvasão de
terreno em São Bernardo?

DANIEL LIMA - 29/01/2024

É perfeitamente admissível, para não dizer lúcido, se não for evidente, quando não compulsório, supor que o Diário do Grande ABC tenha sugerido na edição de hoje que o MTST, de invasores urbanos, retome o terreno de 70 mil metros quadrados em São Bernardo. O mesmo terreno invadido em 2017. Está certo isso?

Nada melhor à eliminação de eventuais dúvidas do que reproduzir a reportagem de hoje do Diário do Grande ABC, inserindo contrapontos de ombudsman não-autorizado que me avoco porque sou do ramo. 

Mais que isso: como sou o único ombudsman oficial da história do Diário do Grande ABC (em duas diferentes etapas), e como tenho, mais que tudo, liberdade para escrever o que bem entender, e faço uso disso com a consciência de exercer essa atividade durante 75% do percurso já cumprido de minha vida biológica, passo adiante.

Espero que os leitores que acompanharem a exumação analítica de uma morte ética ganhem musculatura crítica também para entender que aberrações, deslizes, seja o que for, não são propriedades exclusivas da redes sociais, como assim imaginam com vezo autoritário os ditos profissionais de jornalismo. Vamos, portanto, à reportagem do Diário do Grande ABC com os respectivos contrapontos.

DIÁRIO DO GRANDE ABC 

Sete anos se passaram e nada foi feito no terreno invadido em S. Bernardo.

Terreno de 70 mil m² alvo de invasão em 2017 no bairro Planalto, em Bernardo, segue sem função social e devendo R$ 1,8 milhão em imposto. 

CAPITALSOCIAL

A reportagem comete o primeiro de muitos pecados capitais a partir da manchete da página interna, que não é exatamente a que se encontra na Internet. O título no Diário do Grande ABC de papel é o princípio do princípio da subjetividade invasora. Repare no enunciado: “Sete anos depois.... nada mudou”. Ora, bolas. É claro que mudou. E as duas fotos publicadas mostram isso. Na primeira, o terreno é tomado por barracas dos invasores. A segunda revela a área verde, sem os invasores. Se isso não é mudança, o que seria mudança? 

DIÁRIO DO GRANDE ABC 

Solo que fertilizou a maior crise habitacional do governo do prefeito de São Bernardo, Orlando Morando (PSDB), o terreno de 70 mil metros quadrados localizado na Rua João Augusto de Souza, no bairro Planalto, segue sem nenhuma função social, vazio e desocupado, seis anos e meio após a ação do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto).

CAPITALSOCIAL

A politização do caso da invasão é o que moveu o Diário do Grande ABC a publicar a matéria. A criminalização do prefeito Orlando Morando é implícita. Não se trata de outra coisa. O Diário do Grande ABC está decidido a tudo como aliado do PT em São Bernardo. A candidatura do deputado estadual Luiz Fernando Teixeira como uma das alternativas à derrubada do poder do grupo de Orlando Morando é uma de duas alternativas. A outra, preferencial, é ter Alex Manente na Prefeitura. O Diário do Grande ABC já transformou fatalidade de queda de árvore com morte em condenação do prefeito, ignora o desastre do governo de Dilma Rousseff como agente maior da hecatombe econômica de São Bernardo, já atribuiu ao prefeito atual o desastre da desindustrialização, entre tantos outros pontos. O Diário do Grande ABC é implacável nas ações opositoras ao atual prefeito e por isso não se percebe portador de radicalismo autofágico. Repare que no enunciado inicial do Diário do Grande ABC não se pratica a denominação correta do movimento de invasores. Prefere-se “ação”. Para um jornal que chama os invasores dos Três Poderes, em Oito de Janeiro, de “terroristas”, parece claro que não existe uma lógica simétrica. Mais ainda: em situação nenhuma da reportagem o Diário do Grande ABC se refere aos invasores como invasores. O verbete parece proibido ao uso adequado. 

DIÁRIO DO GRANDE ABC

A equipe do Diário esteve no local na última semana e constatou que não existe nenhum movimento dentro do terreno que fica entre as avenidas José Odorizzi e Dom Jaime de Barros Câmara. A área fica em um dos espaços mais disputados de São Bernardo, rodeado pelo tradicional Clube Mesc, pelo Cenforpe (Centro de Formação de Professores), pelo campus São Bernardo da Uninove, de condomínios residenciais, além de estar perto da montadora Scania.

CAPITALSOCIAL

A preciosidade comercial do terreno, é disso que o Diário do Grande ASBC poderia ter tratado numa pauta republicana, inclusive ouvindo gente do mercado imobiliário tendo como pano de fundo, agora sim, a invasão de 2017. A grande pauta em questão é saber por quais razões um terreno tão nobre, para moradia, serviços ou mesmo logística, está exibindo desocupação continuada.  Afinal e resumidamente, quais são os pontos legais e econômicos que se antepõem à utilização do terreno em questão. Até que ponto a invasão de 2017 prejudicou os interesses da proprietária do terreno? E, evidentemente, a empresa proprietário do terreno deveria ter sido ouvido.

DIARIO DO GRANDE ABC

Em 2017, época da invasão, a estimativa era de um déficit habitacional na ordem de 92 mil moradias em São Bernardo. Em seus dois mandatos, Morando intensificou a regularização fundiária, mas entregou poucas unidades habitacionais. Três anos antes da ocupação, o então prefeito Luiz Marinho (PT, hoje ministro do Trabalho), notificou a MZM Incorporadora, proprietária do terreno, a dar destinação social para o terreno. O assunto não avançou burocraticamente, porém, ganhou notoriedade após a ação do MTST.

CAPITALSOCIAL

Está mais que evidente que o terreno da MZM pode ser tudo, mas a empresa não pode ser prejudicada por causa de medidas populistas de quem quer que seja o prefeito, o antecessor Luiz Marinho e o atual Orlando Morando. O trecho da reportagem do Diário do Grande ABC enseja a especulação que pode ser equivocada mas também tem lastro de probabilidade: a gestão de Luiz Marinho, então prefeito, poderia ter preparado a invasão do MSTS mesmo que involuntariamente, já que há afinidade ideológica entre o PT e o movimento social de invasores urbanos.

DIÁRIO DO GRANDE ABC

Depois de oito meses, o MTST deixou o terreno e, à ocasião, várias especulações ganharam corpo sobre o destino da área. À época, comentou-se que a MZM construiria um galpão e alugaria as unidades. Morando também chegou a declarar que analisava a situação fiscal do terreno em meio a processo de tentar assumir áreas privadas que tinham mais de cinco anos de inadimplência de impostos municipais. “A ideia é construir equipamentos para que a população de São Bernardo possa aproveitar, como creches, unidades de Saúde, centros de lazer, de esporte, ou até departamentos administrativos. Daremos utilidade a áreas sem função social”, declarou Morando, em reportagem do Diário publicada em 2018. A ideia do tucano, porém, nunca avançou.

CAPITALSOCIAL

O prefeito Orlando Morando, a se acreditar nas aspas mencionadas pela reportagem do Diário do Grande ABC, aventurou-se numa resposta que exigiria mais cautela e menos projeção assistencialista ou mesmo de cunho de serviços sociais.  Possivelmente, Orlando Morando agiu sob pressão, mas isso não o coloca distante do grau de responsabilidade por alimentar demagogias múltiplas. O destino do terreno não pode fugir da lógica do mercado imobiliário a partir de concertos da empresa junto à Administração Pública. Qualquer interferência de terceiros significaria deformação constitucional.  

DIÁRIO DO GRANDE ABC

A movimentação fiscal mais recente feita pela Prefeitura de São Bernardo sobre a área data de 2021, executando dívida de R$ 1,8 milhão da MZM pelo não pagamento de tributos municipais. A maior parte do passivo é referente a IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) atrasado. Em 2017, a administração tucana também havia ingressado na Justiça contra a MZM, mas a ação não prosperou depois que a incorporadora aceitou parcelar a dívida – de cerca de R$ 453,7 mil.

CAPITALSOCIAL

Nada mais elementar à compreensão de que o caso está restrito à propriedade do terreno e as ações fiscais da Prefeitura de São Bernardo. Há centenas de casos semelhantes no território regional que seguem naturalmente a ordem constitucional, mas nem por isso se avoca o cometimento de novo crime sobre o crime anterior, ou seja, a invasão nova de uma área invadida antes.  Ou alguém tem dúvida de que sob o manto de “função social”, o que mais se apresenta como alternativa é mesmo a invasão de áreas privadas?

DIÁRIO DO GRANDE ABC

“A situação lá é a mesma de quando entramos em setembro de 2017”, diz Anderson Dalécio, um dos coordenadores da Ocupação Povo Sem Medo, integrante do MTST e presidente do Psol municipal. “Disseram que seria um galpão logístico e até agora nada”, emendou ele. Dalécio, porém, nega que o movimento pense em fazer ação semelhante no terreno. “Não há essa perspectiva.”

CAPITALSOCIAL

A resposta do representa do MTST, um dos coordenadores da Ocupação Povo Sem Medo, é escandalosamente ressonante à indagação, uma quase proposta, da reportagem do Diário do Grande ABC. Quando afirma, no trecho imediatamente acima, que “não há perspectiva”, referindo-se a “porém, nega que o movimento pense em fazer ação semelhante no terreno”, explicita-se esse vínculo ao passado.

DIÁRIO DO GRANDE ABC

A invasão teve início no dia 2 de setembro de 2017, quando 500 famílias montaram suas barracas no terreno. A primeira reação da Prefeitura foi acionar a Justiça para remoção das instalações. À época, o juiz Fernando de Oliveira, da 7ª Vara Cível, autorizou a reintegração de posse, mas a ação não se efetivou diante do número de famílias que haviam chegado ao terreno. Dia após dia, mais famílias tomaram cada centímetro do terreno do bairro Planalto. A estimativa da Ocupação Povo Sem Medo à ocasião foi a de que 12 mil famílias chegaram a montar barracas simultaneamente. A resistência fez com que grandes líderes políticos dessem apoio formal ao movimento, entre eles o hoje presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Vários momentos foram emblemáticos ao longo dos oito meses de invasão. O MTST chegou a convocar show do cantor Caetano Veloso, apresentação barrada pela juíza Ida Inês Del Cid, da 2ª Vara da Fazenda de São Bernardo. As atrizes Letícia Sabatella, Alinne Moraes e Sônia Braga foram até a sede do Paço tentar falar com Morando – foram recebidas pelo assessor do prefeito, em transmissão ao vivo pelas redes sociais.

Politicamente, dois fatos causaram constrangimento a Morando. Um deles foi um protesto de parte das famílias em frente a uma unidade da rede de supermercado da família do chefe do Executivo. Outra foi quando o ex-governador Rodrigo Garcia (PSDB), à época secretário estadual de Habitação do Estado, subiu no caminhão de som ao lado do líder do MTST, o hoje deputado federal Guilherme Boulos (Psol). Morando chegou a reclamar com o governador da época, João Doria (ex-PSDB).

A Prefeitura não responde a questionamentos feitos pela equipe do Diário. 

CAPITALSOCIAL

Há quase que a convocação de uma bateria de escola de samba para comemorar cada parágrafo da reportagem. O tom festivo, revolucionário, torna tanto a ordem como o respeito à Constituição Federal letra morte. O jornal assumiu já naquela oportunidade uma linha editorial de apoio à invasão, agora sugerida nas entrelinhas e também na entrevista com um dos líderes do movimento. Faltou na reportagem do Diário do Grande ABC a menção de reportagem do mesmo Diário do Grande ABC, em outubro de 2017, sob o título “MTST sugere que área invadida em S. Bernardo seja de interesse social”. Trata-se, como se observa, de um alinhamento extra tempo entre o que o jornal publica hoje e o que publicou há sete anos. O Diário do Grande ABC só mudou o tratamento. Lá atras, “invasão” existia. Agora, é “ação”.  A politização em temporada eleitoral conduz a barbaridades editoriais. O MTST não voltará a invadir o terreno da MZM porque o impacto junto à opinião pública, apesar da proteção de parte da mídia, seria um tiro no pé na candidatura do petista Luiz Fernando Teixeira.



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