Esportes

Adivinhe o que sobrou no
Ramalhão e faltou ao Azulão

DANIEL LIMA - 03/05/2010

Desafio o leitor a encontrar o verbete mais apropriado para resumir o futebol que o Santo André exibiu ontem no Pacaembu e que o retirou do papel de simples coadjuvante da decisão contra o Santos, e o futebol que o São Caetano mostrou no dia anterior em Ribeirão Preto, quando perdeu de 1 a 0 o título do Interior para o Botafogo. Vamos, tente encontrar a palavra-chave. Vou expor algumas sugestões para despertar maior interesse e desafio ao leitor. Vamos lá, então? a) Determinação; b) Disciplina; c) Equilíbrio; d) Ousadia; e) Organização.

Acredito que seja dispensável qualquer outro verbete, porque os cinco apresentados, cujos territórios conceituais são complementares, tornam-se suficientes para chamar a atenção de quem viu os dois jogos. Decidiram? Escolheram?

Agora, minha resposta. Trata-se de uma pegadinha. Nenhuma das cinco alternativas nem mesmo o imbricamento de valores subjetivos que as envolve resume melhor o que foram os dois jogos e o comportamento do Santo André e do São Caetano, do que algo que ajuda a fazer a diferença em tudo na vida, tanto no coletivo quanto no individual.

A resposta é a seguinte:

 O Santo André teve personalidade além da conta e o São Caetano personalidade muito aquém do esperado.

Está certo que determinação, disciplina, equilíbrio, ousadia e organização, tudo isso faz parte do show, mas acredito que nada diz mais que personalidade coletiva, que, no caso, vem a ser a multiplicação de todos os valores apontados com o acréscimo daquela força interior que só um grupo em êxtase coletivo é capaz de apresentar. Uma comunhão de propósitos que tem o dom de ignorar as barreiras psicológicas de uma decisão, os preconceitos e o próprio ambiente de um Pacaembu inteiramente vestido de branco e preto, ornamentado para ver o show dos Meninos da Vila.

O Santo André jogou como time grande e superou todas as expectativas. Já o São Caetano chegou ao cúmulo de, satisfeito em defender-se, retirou um centroavante e enxertou o sistema defensivo com um terceiro zagueiro, somando-se aos três volantes. Só poderia dar no que deu.

De qualquer forma, o sentimento de perda que o São Caetano revelou, quando o árbitro apitou pela última vez, transmitiu mensagem positiva: a lamentação dolorida, quase desolação, mostra que o grupo está unido e sente a camisa. O que, convenhamos, não é pouco quando se está às vésperas da primeira rodada da Série B do Campeonato Brasileiro.

Relendo o texto dos compromissos das duas equipes do Grande ABC no final de semana que passou, encontro no caso do Santo André frases que valem a pena ser relidas. Quem pretender acompanhar todo o artigo (Distância entre Santo André e São Caetano vai se estreitar na Série B) basta recorrer ao acervo. Por questão de espaço, pinço os seguintes trechos que provavelmente dispensem complementaridades sobre o que tivemos domingo no Pacaembu:

 O Santo André não pode abdicar de sistema defensivo forte. Fixar-se na exploração dos erros do Santos não pode ser visto como contra-senso porque quem precisa da vitória é o Santo André. Essa é a terapêutica recomendada. O adversário não vai se limitar a explorar a vantagem do regulamento. O Santos é um grupo vocacionado ao ataque e ao ataque irá desde o primeiro apito.

 Se o Santo André não se conscientizar de que não pode seguir com a Síndrome de Zoológico, dará com os burros nágua além da conta do natural favoritismo do Santos. O que significa Síndrome de Zoológico? É o Santo André satisfazer-se com o fato de que é grande atração coadjuvante do Pacaembu. Uma espécie de macaco fuzarqueiro, sobre o qual todos mantêm atenção complementar, porque estão mesmo com as atenções voltadas para espécimes de branco.

 O Santo André precisa se esforçar para roubar a cena, não simplesmente dispor-se a aceitar migalhas de uma decisão histórica. Para isso, quanto menos jogar para agradar a platéia e mais para estragar a festa programada pelo Santos, melhor.

 Do ponto de vista prático seria muito melhor cerrar os dentes e jogar de forma mais cautelosa mesmo que menos espetacular.

 Trocando em miúdos: o Santo André do jogo bonito, de jogadas de aproximação, das triangulações móveis, dos deslocamentos contínuos, tem tudo para sair do Pacaembu como vice-campeão discreto, mas se adotar postura mais pragmática, mais inteligente, menos emocional, mais contundente, pode acrescentar ao currículo um resultado surpreendente que possivelmente só não o levaria ao título por conta dos erros do primeiro jogo, obrigando-o à vantagem de dois gols.

Retomando este artigo após a incursão pelo texto de sexta-feira, não tenho dúvida de que o momento mais importante e emblemático da vitória do Santo André, reprovado apenas por cronistas paulistanos que pretendiam ver o Santos desfilar exuberância técnica e consagrar-se sem atropelos, foi a blitz contra Neymar após nova tentativa do santista em cavar falta, agora na entrada da área. A confusão culminou com as expulsões de Nunes e Léo.

Ali, naqueles momentos, as armas da finalíssima foram expostas claramente, embora lances anteriores tivessem dado sinais do que seria a pauta emocional do encontro: o Santo André deixara definitivamente de lado o bom-mocismo de figurante do espetáculo para dividir o protagonismo. Os santistas pareciam não entender o que se passava. Afinal, foram a um desfile de modas e encontraram rajadas de metralhadoras.

A confusão, com trocas de ofensas entre vários jogadores, liquidou com os ares de espetáculo artístico da decisão. Ali estava declarada guerra. E o Santos não se preparou para a guerra psicológica. Foi ao Pacaembu para festejar a conquista mais que encaminhada no jogo anterior. O Santo André era apenas um detalhe regulamentar. Não título previamente comemorado sem adversário para validá-lo.

Repito o que escrevi na sexta-feira: “Do ponto de vista prático seria muito melhor cerrar os dentes e jogar de forma mais competitiva, mesmo que menos espetacular”.

Foi assim que o Santo André reconhecidamente inferior individualmente, se comportou durante os 90 minutos. Os meninos da Vila expuseram uma face que, de maneira geral, todos fazem vistas grossas: vão sofrer um bocado até entenderem que a fase de deslumbramento da mídia e da platéia tem prazo de validade. Esperem para ver nos próximos jogos da Copa do Brasil.

Tivesse o Santo André do primeiro jogo da decisão atuado da mesma forma, como a mesma personalidade contestatória à ordem estabelecida pelo retrospecto e pela história, a sorte da competição poderia ter sido outra.

Final de campeonato tem ingredientes que superam os limites naturais de técnica e tática. O emocionalismo santista estava em frangalhos diante da responsabilidade de vencer um jogo contra um clube médio. Entretanto, como escrevi, o Santo André do primeiro jogo cometeu o pecado de subestimar a força ofensiva do Santos ao improvisar um pobre Rômulo na lateral-esquerda — por onde os adversários passearam e construíram a vitória.

Não há dúvida de que o time de Sérgio Soares se superou nos dois jogos. Apôs marcação que não se viu em toda a fase classificatória, apoiando-se nos contragolpes. Inclusive durante os 30 minutos do segundo tempo de ontem, mesmo contando com um jogador a mais em campo. Quando ficou com dois de vantagem, a obrigação de atacar e atacar foi compulsória.

Já o São Caetano do técnico Roberto Fonseca exagerou na dose de desafiar a zona de risco de jogar pelo empate que o levaria ao titulo. A estratégia do contragolpe era perfeita para a ocasião. Entretanto, depois de um primeiro tempo de razoável controle do jogo, apesar de o Botafogo tomar a iniciativa de ataque, o São Caetano caiu na besteira tática de acrescentar mais defensores e de reduzir ainda mais o número de atacantes. A troca de um centroavante por um terceiro zagueiro foi fatal, porque acelerou ainda mais os erros de passe, já preocupantes no primeiro tempo, e convidou de vez o Botafogo a residir no campo ofensivo. Até que uma bola cruzada por Andrezinho acabou cabeceada às redes. Daí, a tentativa de reconstruir o ataque, com novas substituições, teve o desespero como companhia preferencial à imprecisão.

Estranhamente, muito estranhamente, o São Caetano lançou mão de uma apresentação obsessivamente calculista, como se não houvesse outra saída para voltar campeão senão defender, defender e defender. Por mais que o Botafogo tenha se esmerado na marcação, inclusive com supressão de espaço ao avançar a defesa, o São Caetano foi impotente no ataque. Bem diferente do Santo André que, sem se expor, soube equilibrar marcação e ataque.

Independente das circunstâncias diversas que cercaram os dois jogos, com o Santo André precisando da vitória e o São Caetano de empate, o peso do fator personalidade não pode ser minimizado. O adversário do Santo André era muito mais qualificado e o título do Interior, por mais importante que eventualmente possa ser interpretado, não merecia tamanha preocupação. Será que, ao contrário de Sérgio Soares, o técnico Roberto Fonseca colocou em campo algum sentimento particular por ter vindo exatamente do Botafogo? Não bastaria o fato de ter as duas equipes que dirigiu até agora na temporada chegado à decisão? Querem sucesso maior?



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