Política

PESQUISAS ELEITORAIS
ALÉM DOS NÚMEROS (20)

DANIEL LIMA - 01/11/2024

O voto útil nos dias que se aproximava a disputa presidencial de 2022 foi o tema que este jornalista procurou dissecar com base nas pesquisas do Instituto Datafolha que a Folha de S. Paulo sempre explora. Outras mídias tradicionais poderosas também o fazem em forma de caixa de ressonância de interesses cruzados. O ambiente que se vivia no País era de indefinição. Os resultados das urnas que estavam para ser colocadas à disposição dos eleitores eram um grande ponto de interrogação. Haveria ou não segundo turno. A análise que se segue é de 26 de setembro de 2022. 

 

Folha/Datafolha forçam a

barra em defesa de voto útil

 DANIEL LIMA -- 26/09/2022 

A Folha de S. Paulo força demais a barra com vieses sustentados por números do Datafolha. O jornal paulistano com menos de 70 mil exemplares físicos induz eleitores, em conjunto com o Consórcio de Imprensa, ou seja, a Velha Imprensa, ao encurtamento da disputa presidencial. Pretende-se a todo custo, principalmente de credibilidade, evitar eventual surpresa no mata-mata final.  

O Consórcio de Imprensa quer que o jogo termine no primeiro turno com a vitória de Lula da Silva. Talvez os efeitos ainda reticentes do Renda Mínima possam se fazer mais fortes em 30 de outubro. Cautela e caldo de galinha eleitoral não fazem mal aos interesses entrelaçados em nome de suposta salvação da democracia.  

DADOS DESPREZADOS  

Por conta da preocupação em derrotar o presidente da República de imediato, foi patética a edição de sábado da Folha de S. Paulo. Tudo começou com a manchetíssima (manchete das manchetes de primeira página) e terminou na página interna. Uma trilha de horrores jornalísticos que ferem o bom-senso.  

Os enunciados expostos não conferem com os dados, mas mesmo com um abuso à inteligência dos leitores, a edição poderia ter sido salva, embora o mais recomendável fosse mesmo a lata do lixo. 

O Datafolha faz mágicas com pesquisas eleitorais, mas não faz tudo, como se sabe. É preciso que os dados sejam interpretados com vícios interesseiros de sempre – e isso vem de longe, de outros carnavais menos extremados. Cada instituto de pesquisa tem um bioma ético de comprometimento. A memória curta dos consumidores de dados e, principalmente, um desconhecimento profundo, evitam uma catástrofe de credibilidade, que já é bastante comprometida.   

ESQUECENDO DO RABO   

A Folha de S. Paulo passou a vasculhar o comportamento de publicações e veículos eletrônicos que dão espaço ao presidente da República de forma diferente do Consórcio de Imprensa. No mercado de audiência o vale-tudo se intensifica. A Folha de S. Paulo comete pecados mais graves e acredita que os esconde dos leitores mais atentos.  

Enquanto, por exemplo, uma Jovem Pan tem alguns colaboradores que fazem contraponto à maioria que defende o governo Bolsonaro, a Folha de S. Paulo conta com exército homogêneo de ataque ao titular do Palácio do Planalto.  

A embarcação rigorosamente unilateral da Folha de S. Paulo comporta jornalistas e colunistas de várias áreas de conhecimento, todos bem definidos ideologicamente. Não é por acaso que um Sete de Setembro vira atos antidemocráticos, embora não se registrasse nada que merecesse sequer um boletim de ocorrência.  

Na verdade, os manifestantes populares quase que causaram inveja aos zelosos japoneses, que, numa prova de civilidade, deixam intactos os chãos em que pisam em qualquer tipo de mobilização coletiva.  

APÊNDICE DO MANUAL  

Um exemplo de mudança de rota da Folha de S. Paulo que alguém como eu que coleciona textos em papel constata com facilidade: o Supremo Tribunal Federal tão duramente criticado no passado por alguns dos colunistas tornou-se fortaleza democrática.  

Parece haver na Folha de S. Paulo um apêndice do Manual de Redação que obrigaria todos os colaboradores a acrescentarem determinadas expressões, palavras e chavões ao noticiário e opiniões, inclusive nas até outro dia virginais páginas de esportes. Ali pontificam duas lanças contra o Palácio do Planalto,  Juca Kfouri e Walter Casagrande. Onde deveria haver esporte, a política se tornou porta-estandarte.  

Não é exagero afirmar que o apêndice passou à condição de essencialidade, senão obrigatoriedade nestes tempos em que o ambiente político nacional é efervescente, mas nem de longe flerta com um estado de guerra.  

ATMOSFERA PESADA  

Talvez a Folha e o Consórcio de Imprensa estejam deliberadamente criando atmosfera preocupante. 

Nada é por acaso na Velha Imprensa. Inclusive os tempos em que as empreiteiras e governos decidiam as regras dos jogos eleitorais sem serem incomodados. Até que veio a Operação Lava Jato seguida da seca publicitária de Jair Bolsonaro.  

Agora, vamos direto ao ponto da manchetíssima de sábado da Folha de S. Paulo.  

Adotamos o critério de reproduzir o material publicado pela Folha seguido de contraponto. Uma espécie de pingue-pongue que torna mais fácil a compreensão e a avaliação dos leitores.  Ou seja: temos um debate virtual. Acho que vale a pena acompanhar.  

O jornalismo da Folha de S. Paulo tem-se notabilizado por uma modalidade que nas redes sociais é escancaradamente rotulada de fake news. A Folha produz fake news com mais arte, porque o jornalismo profissional é assim mesmo.  

ARTE DA ESTUPIDEZ  

A Folha de S. Paul sofistica a malandragem de interpretações caolhas, quando não intelectualmente desonestas.  

No caso em questão, que analisamos em seguida, não se trata de uma coisa nem outra. É estupidez em estado da arte.  

Veja a manchete e  a linha auxiliar da primeira página da edição de sábado: “11% dos eleitores admitem voto útil no primeiro turno”. “Entre quem apoia Ciro e Tebet, 20% consideram optar por Lula, diz Datafolha.”. Agora o texto da primeira página: 

Com a campanha eleitoral prestes a entrar na semana que antecede o primeiro turno, 11% dos eleitores admitem mudar de candidato em favor do “voto útil” (escolher quem tem chance de vencer já), mostra pesquisa feita pelo Datafolha do dia 20 a 22. A propensão sobe entre quem apoia Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), respectivamente com 7% e 5% das intenções de voto. Nesses casos, 21% e 22% cogitam migrar para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tem 47% das preferências totais. O levantamento tem margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou menos. Entre os 4% que dizem votar em branco ou anular, 10% contemplam o voto útil. Para selar a vitória em 2 de outubro, é necessário obter 50% dos votos válidos mais um. Lula, mostra a pesquisa, está com 50% dos válidos, seguido do presidente Jair Bolsonaro (PL) com 35%. O petista tem cortejado eleitores com a ideia de encerrar a disputa no dia 2 e tentado frear a abstenção – 3% dizem não pretender votar”.  

CAPITALSOCIAL  

Como os leitores vão poder acompanhar em seguida, quando analiso o texto completo da página interna da Folha de S. Paulo, a manchetíssima, a linha auxiliar e o breve texto da primeira página são um acumulado de imprecisões.  

Se outro destino não fosse dado à reportagem, num esforço profundo para não se desperdiçar um trabalho ineficiente na origem, ou seja, na ação do Datafolha, a manchetíssima seguiria mais ou menos o seguinte enunciado: “Voto útil pretendido pelo Consorcio de Imprensa mais prejudica que ajuda Lula”.  

Agora vamos ao que interessa: o texto da página interna, com réplica deste jornalista. 

FOLHA DE S. PAULO   

Manchete da página interna: “1 em cada 5 eleitores de Ciro e Tebet admite voto útil em petista”. A linha auxiliar: “Segundo Datafolha, 11% dos eleitores afirmam que podem mudar de candidato para encerrar disputa no 1º turno”.  

Seguem os primeiros trechos da reportagem da Folha de S. Paulo: 

Um em cada cinco eleitores de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) admitem mudar de voto para apoiar quem estiver à frente na corrida presidencial no próximo dia 2 de outubro – ou seja, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). É o que aferiu o Datafolha em nova pesquisa do humor do eleitorado, feita de terça (20) a quinta (22). O líder na pesquisa, Lula, somou 47% das intenções de voto totais, ante 33% do principal oponente, o presidente Jair Bolsonaro (PL) – com margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos.  

O petista voltou a bater em 50% das intenções de votos válidos, métrica que exclui brancos e nulos usada para a contagem oficial do resultado. Se tiver isso mais um único voto, vence sem a necessidade de rodada final no dia 30 de outubro. Assim Lula tem focado a campanha justamente no voto útil dos candidatos empatados no terceiro lugar, a senadora sul-mato-grossenses e o pedetista. Virando uma quantidade razoável desses votos, pode finalizar a campanha no dia 2. Segundo o Datafolha, são os eleitores desses dois candidatos que mais admitem o voto útil – no total são 11% os que dizer fazer isso. Entre os eleitores de Ciro, são 21%, entre os de Tebet, 22%. Já 6% dos eleitores de Bolsonaro admitem mudar, e 11% dos lulistas, também. A margem de erro nesses casos é de 5 pontos para os eleitores de Ciro e Tebet e de 2 pontos para os de Lula e Bolsonaro. 

CAPITALSOCIAL 

O questionamento sobre voto útil imposto pelo Datafolha aos entrevistados e retratado com uma aberração interpretativa mostra a combinação do improcedente com o estapafúrdio.  

A formulação da questão tem enunciado dúbio e torna todo o restante complexo. Afinal, por que perguntar aos eleitores de Lula da Silva, que o próprio jornal diz que é o líder da pesquisa (e seus eleitores têm elevado nível de convicção) sobre a possibilidade de mudar o endereço do próprio voto, em direção ao voto útil? 

Admitindo-se que eleitores ouvidos pela Folha não tenham conhecimento sobre a marcha da contagem informal de votos, mais que conhecida e reconhecida pelo próprio Datafolha, a indagação sobre voto útil teria algum sentido? Não,  porque os entrevistados seriam em número bastante reduzido em relação à margem de erro de segurança. 

Aliás, sobre esse ponto também, o que temos com o enunciado que pretende vasculhar a consciência de voto útil é que a margem de erro é elevadíssima, muito mais que o apontado pelo Datafolha aos quatro concorrentes principais.  

Afinal, se dois pontos percentuais para cima e para baixo valem para o conjunto de mais de seis mil formulários levados a campo, a margem de erro extrapolaria em muito esse teto na medida em que se rebaixam os questionários que apontam apenas os recortes de voto de cada concorrente.  

O que se verifica nesse caso, como em outros em que o Datafolha desdobra questões a partir de um formulário central, é que se alarga a fragilidade estatística.  

Só para se ter uma ideia, considerando-se que Lula da Silva contou com 47% dos votos do total de mais de seis mil formulários, com dois pontos percentuais de margem de erro, o universo exclusivo do petista reduziria a aplicação de iguais 47% dos questionários, o que daria elasticidade e insegurança à margem de erro.  

Talvez o que não esteja retratado no texto da Folha seja um enunciado mais objetivo e que explicaria o questionamento. A banda de mudança de voto significaria, no fundo, que se trata de votos vulneráveis do total de votos de cada concorrente.  

Tanto é possível que seja mesmo essa a equação que o gráfico mostra claramente e em cores o percentual de possibilidade de mudança de voto de cada candidato, bem como de voto consolidado (não mudaria) e voto indeciso (não sabe) quanto à troca.  

Sob esse ponto de vista, que parece o mais ajuizado e compreensível, embora frágil como perspectiva eleitoral porque também debilitado na margem de erro, quem mais perderia eleitores seria Lula da Silva. Repetindo: se for dada conotação de vulnerabilidade ao total de votos preferenciais a cada candidato, Lula da Silva é quem mais perderia. 

A conta é simples: os 11% dos eleitores de Lula da Silva que admitem o voto útil significam 5,17% do total de votos declarados pelos eleitores pesquisados – ou seja, 47% vezes 11%. Lula passaria a contar, portanto, com 41,83% dos votos.  

No caso de Bolsonaro seriam 1,98% a menos, já que conta com 33% dos votos e perderia 6%. Restariam ao presidente 31,20% dos votos.  

Obedecendo a essa mesma dinâmica, Ciro Gomes que tem 8% dos votos perderia 21% desse total(1,68%)  e passaria a contar com 6,32%. Já Simone Tebet, que conta com 5% dos votos, perderia 22% (1,10%) e passaria a contar com 3,90% dos votos. 

Resumo da ópera: quando se somam as supostas perdas de eleitores de Bolsonaro, Ciro e Tebet para o voto útil defendido pelo Consorcio de Imprensa e pelos petistas, alcançam-se 4,75% dos votos originais que os contemplaram na pesquisa Datafolha. Menos que os 5,17% perdidos por Lula da Silva.  Como se vê, além de inexplicavelmente montada, a equação não se sustenta.   

FOLHA DE S. PAULO 

Não parece estar simples para o petista: questionados sobre quem apoiarão num eventual segundo turno, ciristas parecem ter reprovado o assédio. Em uma semana, a fatia deles que diz votar em Lula contra Bolsonaro nesse cenário foi de 51% a 43%. Entre os de Tebet, o voto petista na segunda rodada oscilou para 42%.  

Ciro tem demonstrado contrariedade com o movimento e Lula respondeu dizendo que seu ex-ministro estava “surtando”. Tebet também se queixa, mas de forma mais comedida. Lula, na semana passada, tentou condensar a ideia de que lidera uma frente ampla contra o bolsonarismo ao juntar oito ex-presidenciáveis em um evento de apoio, e tem como vice o ex-rival Geraldo Alckmin (tucano que migrou para o PSB), diz que vai insistir em matar a fatura.  

CAPITALSOCIAL  

Esse é o ponto principal da pesquisa do Datafolha que a Folha desprezou porque foge aos interesses calibradíssimos do Consorcio de Imprensa – ou seja, construir uma atmosfera de voto útil e de liquidação do jogo no primeiro turno.  

A tática tem duas vertentes que se retroalimentam nos gabinetes estratégicos dos petistas: primeiro, consolidar a sensação socio-político-institucional de que Bolsonaro não tem futuro como presidente da República. Segundo, induzir o eleitorado indeciso ou vulnerável a lançar-se nas urnas eletrônicas como desejo resoluto de apertar o 13.  

O problema todo é que a iniciativa transformou tanto Ciro Gomes como Simone Tebet em escadas involuntárias. Mais que isso: os dois candidatos e parte de seus eleitores reagiram como se sofressem invasão de intimidade do voto secreto. A emenda da gulodice eleitoral ficou pior que o soneto de uma intensificação de campanha pelo voto de ocasião.



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