Com a presente edição, estamos encerrando esta série especial de devassa às entranhas técnicas de fartos enviesamentos de pesquisas eleitorais. As análises reproduzidas nesta série foram selecionadas entre mais de duas centenas que CapitalSocial publicou especialmente nos últimos 10 anos. Pesquisa eleitoral – e pesquisas de maneira geral, inclusive no campo da Medicina que, mesmo com o rótulo de Ciência se convertem em munição a incrédulos –é uma de minhas paixões. De muitas paixões que o jornalismo impõe a quem entende que informação é alimento para a alma e, portanto, requer todo cuidado. A experiência que esta série proporcionou não tem preço. Afinal, como não tenho memória de elefante e também não conto com um chip que torne minhas cognições um emaranho natural reforçado por cientistas destes tempos malucos de Inteligência Artificial, nada substitui a prática da leitura do passado já passado e muitas vezes escondido.
PESQUISA: ERRO FEIO
E ACERTO EM CHEIO
DANIEL LIMA -- 09/10/2024
Dois resultados antagônicos resumem o desempenho do Instituto Paraná na produção de pesquisas eleitorais do primeiro turno em Santo André e São Bernardo no último domingo. Em Santo André, a possibilidade estatisticamente anunciada de a disputa ir para o segundo turno foi resolvida no primeiro turno com o vencedor registrando 20 pontos percentuais à frente dos demais competidores. Um erro feio. Em São Bernardo, o jogo embolado entre quatro concorrentes foi enroscado também nas urnas. Um acerto em cheio.
Esse é o resumo da ópera da atuação do Instituto Paraná Pesquisas, contratado pelo Diário do Grande ABC. Os demais resultados divulgados não têm valor científico. Afinal, foram produzidos quase 30 dias antes da abertura das urnas, não foram renovados e, portanto, se tornaram tecnicamente imprestáveis.
Por mais que aquelas sondagens refratárias ao tempo técnico se aproximassem dos resultados das urnas, não há validação cientifica que se sustente. Nada garantiria que, paradoxalmente, ao serem atualizados, os dados discordassem dos resultados das urnas. Foi assim, aliás, no caso da barbeiragem em Santo André. Uma senhora barbeiragem que não tem como esconder ou negar. Os números são eternos. Como fake news que os negam. Mais que isso: que os glorificam com artimanhas.
ESPECULAÇÃO
Por conta disso, ou seja, de que se deve seguir rigorosamente o que manda o figurino cientifico brandido entusiasticamente por quem trata as pesquisas eleitorais como suprassumo da divindade, sem intervenção de qualquer espécie, principalmente de espécies humanas sempre espertas, restringimos a análise do desempenho do Instituto Paraná Pesquisas a Santo André e a São Bernardo.
Os demais municípios, com muita boa vontade, ofereceram apenas tendências. Até porque, dada a defasagem temporal, a média superior a 60% de eleitores que até então não se haviam decidido por qualquer candidatura comprometeria qualquer vertente que não fosse especulativa.
Especular com pesquisas eleitorais não é crime. Tanto que faço isso com alguma frequência, quando não disponho de dados. Mas aviso o distinto público que se trata de especulação. Nada de comprovação cientifica.
Nenhum cientista político que se lance a destrinchar as rodadas de sondagens eleitorais do Instituto Paraná asseguraria que dados coletados restando ainda três ou mais semanas possibilitariam respaldo científico nas urnas. Se houvesse essa garantia, os institutos de pesquisa não correriam para acompanhar a marcha tendencial de votos até poucas horas de as urnas se abrirem à votação real.
SOMENTE DUAS
Desta forma, o mínimo que se espera a bem do público que supostamente acredita em pesquisas eleitorais é dizer o que tem de ser dito. As únicas pesquisas eleitorais que seguem o padrão histórico de análise de CapitalSocial se restringiram a Santo André e São Bernardo.
Mesmo assim –e aí vem um novo porém – os resultados de Santo André e São Bernardo podem e devem merecer restrições também. Afinal, as entrevistas foram realizadas no final de setembro, a pelo menos 10 dias da disputa nas urnas. Havia quase 50% de entrevistados sem definir em quem votar no critério de voto espontâneo.
Mas, forçando a barra para não deixar os leitores e eleitores que consumiram os dados do Instituto Paraná na seca informativa, deve-se considerar os resultados dos dois únicos municípios que tecnicamente poderiam ser arguidos como palcos iluminados de dados. Longe, portanto, de trevas ou penumbras.
No caso de Santo André, a pesquisa de dois de outubro, a quatro dias da disputa, com entrevistas nos últimos dias de setembro, Gilvan Júnior liderava com 46,3% dos votos válidos, contra 41,9% de todos os adversários. A margem de erro era de 3,8 pontos percentuais.
UMA ABERRAÇÃO
Escreveu o Diário do Grande ABC: “A margem de erro, porém, não permite cravar a vitória do tucano na primeira etapa do pleito”. Mais que isso, veja o título da página interna: “Gilvan sobe 5,9 pontos, chega a 46,3% e aumenta possibilidade de vitória no 1º turno em Santo André”. Quando as urnas se abriram quatro dias depois, Gilvan Júnior registrou 60,98% dos votos válidos, contra 11,88% de Bete Siraque, 11,35% de Luiz Zacarias, 9,70% de Eduardo Leite, 1,96% do Coronel Sardano e 0,12% de Clenilza. Na pesquisa de quatro dias antes, Bete Siraque tinha 13,4%, Eduardo Leite 13%, Luiz Zacarias 12,1% , Coronel Sardano 2,8% e Clenilza 0,6%. Total: 41,9%. Dentro da margem de erro de 3,8 pontos percentuais, para baixo ou para cima. Poderia ser 50,1% a 38,1% como também 42,5% a 45,7%.
QUARTETO MALUCO
Em São Bernardo, em primeiro de outubro, a pesquisa do Instituto Paraná apontava Marcelo Lima na dianteira com 25% dos votos, Alex Manente em segundo com 22,8%, Luiz Fernando Teixeira em terceiro com 21,5% e Flávia Morando em quarto com 19%. Cinco dias depois as urnas registraram Marcelo Lima com 28,64%, Alex Manente com 26,53%, Luiz Fernando com 23,09% e Flavia Morando com 21,38%. Sem forçar a barra, tudo praticamente dentro da margem de erro de 3,7 pontos percentuais. O Instituto Paraná acertou na mosca.
Em duas analises entre dezenas que preparei ao longo dos anos, os leitores vão encontrar logo abaixo as digitais do Instituto Paraná, considerado um dos mais respeitados endereços da indústria de pesquisas do Brasil. E o que se encontrará não se trata apenas de um instituto de pesquisa, mas também algo que poderia ser relacionado à assessoria estratégica de campanhas eleitorais. Ou um departamento informal de marketing da empresa. Uma leitura cuidadosa torna desnecessário maiores explicações.
Pesquisa malcheirosa como
fralda geriátrica ou infantil
DANIEL LIMA -- 01/03/2023
A pesquisa que o Instituto Paraná publicou com destaque de manchetíssima de primeira página na edição de hoje do Diário do Grande ABC tem parentesco olfativo com o produto líquido e bruto que encharca fralda geriátrica. Fralda infantil também serve.
Aliás, tanto faz. O cheiro é mesmo forte. Tão forte que o melhor é atirar a pesquisa onde você jogaria a fralda geriátrica ou a fralda infantil.
O leitor vai entender mais adiante que não estou desrespeitando nem ofendendo o Instituto Paraná. Só estou expondo um ponto de vista consolidado com linguagem de fácil compreensão e, também, similaridade.
Quem construiu as provas que remetem à peça de descarte orgânico é o próprio Instituto Paraná.
PONTE AO FUTURO
Há determinadas situações que, por parecerem tão ofensivas à sociedade, não merecem outro tratamento senão reação metafórica mais aguda. Os mais radicais partiriam para outro tipo de desclassificação, sem levar em conta qualquer metáfora.
A pesquisa, mais que apressada, se refere à disputa pela Prefeitura de São Bernardo em outubro do ano que vem.
Esse apressamento inexplicável, exceto por eventual interesse em se construírem pontes a um determinado candidato, não tem consistência elucidativa, por assim dizer, sobre o que esperar daqui a 19 meses. Ainda mais que mal saímos de disputas eleitorais de águas ainda em decantação. Mas isso é de menos. Pode até ser contestado, embora se duvide que qualquer argumento convença.
ESQUECERAM MARINHO
O que é incontestável, porque se trata de atestado de negligência, burrice, estupidez ou algo que o valha, é o potencialmente favorito candidato à sucessão do prefeito Orlando Morando não constar da lista prévia preparada e levada aos entrevistados.
Estou me referindo ao ministro do Trabalho Luiz Marinho. O petista não é um candidato qualquer à Prefeitura de São Bernardo. Só o fato de ser ministro já seria relevante, claro.
Mas Marinho é muito mais que isso: foi prefeito de São Bernardo durante oito anos. Reelegeu-se em primeiro turno. É naturalmente destinatário de memória eleitoral que deve ser respeitada.
Até porque, como candidato a governador do Estado em 2018 e a deputado federal recentemente, foi muito bem votado no mais emblemático reduto eleitoral nacional do PT.
Luiz Marinho é tão poderoso em São Bernardo que consegue boas votações mesmo num período em que o prefeito tucano Orlando Morando dá de braçadas. Aliás, sobre Morando, escreveremos mais abaixo.
PALMEIRAS FORA
Excluir Luiz Marinho de pesquisa eleitoral ao comando da Prefeitura de São Bernardo tem significado semelhante a eliminar o Palmeiras de pesquisa sobre os maiores favoritos ao título do Campeonato Brasileiro deste ano.
Só isso (ou tudo isso) já descredencia metodologicamente a pesquisa do Instituto Paraná.
É nesse ponto que entra em campo a fralda geriátrica e a fralda infantil, um ou outra ou as duas para aumentar ainda mais o cheiro malcheiroso que poucos gostam de sentir.
Sem Luiz Marinho e sem que a movimentação das supostas peças de candidatos esteja realmente desenhada com certa viabilidade, quem chegou em primeiro lugar na pesquisa do Instituto Paraná foi o eterno deputado (estadual e federal) Alex Manente.
Vou explicar como é pouco confiável o destaque dado a Alex Manente (mesmo considerando antecipadamente que a pesquisa é um descarte sem a presença de Luiz Marinho) como principal concorrente ao Paço Municipal.
SALTO QUÂNTICO
Segundo o Instituto Paraná, Manente tem 33,1% dos votos estimulados. É seguido de longe pelo recém-eleito também deputado federal Marcelo Lima. Seguem na classificação geral dos nomeados pelo Instituto Paraná: vereador Julinho Fuzari (9,8%), deputado estadual petista Luiz Fernando Teixeira (8,2%), o ex-vereador Rafael Demarchi (4,8%) e o secretário de Saúde Geraldo Reple Sobrinho (1,9%).
Não saberiam em quem votar 8,5% dos eleitores entrevistados, enquanto outros 16,9% não votariam em nenhum dos relacionados.
Como o material jornalístico do Diário do Grande ABC não reproduz a metodologia aplicada ao voto estimulado, fico na dúvida se não tivemos o caso de vício de Alex Manente constar da primeira fila na ordem alfabética, em substituição à convencional cartela esférica salomônica.
Mas isso é de menos. O que interessa mesmo é que tanto no caso de Alex Manente como dos demais (a comprovar que a pesquisa é intempestiva), o grau de vulnerabilidade é elevadíssimo.
MUITO RISCO
Grau de vulnerabilidade elevadíssimo significa dizer que as escolhas de agora poderão ser descartáveis mais adiante.
Como isso pode ocorrer? Simples: a transposição do voto espontâneo (quando o entrevistado diz em quem vai votar sem consultar lista alguma, seja esférica, alfabética ou não) para o voto estimulado é uma corrida de barreiras. Tudo pode acontecer.
E o que pode acontecer no caso da pesquisa do Instituto Paraná? Basta comparar a sondagem resultante da pesquisa espontânea e os números da pesquisa estimulada.
Quanto maior o percentual de votos espontâneos, mais se configura a certeza de peso relativo do voto estimulado como caminho aberto à confirmação nas urnas. Quanto menor o percentual de votos espontâneos, menos probabilidade de sedimentação do voto estimulado.
No caso da pesquisa do Instituto Paraná, essas premissas cientificamente comprovadas vão para o beleleu.
O grau de vulnerabilidade dos votos contabilizados em favor de Alex Manente é enorme, tanto quanto dos demais supostos candidatos.
SUBINDO DEMAIS
Alex Manente contou nos votos espontâneos com apenas 2,7% de apontamentos dos eleitores. Saltou para incríveis 33,1% quando os entrevistados receberam a cartela indexadora de voto estimulado.
Agora, se preparem para uma bomba que confirma o odor da pesquisa do Instituto Paraná ao excluir Luiz Marinho da pesquisa: o petista contou com 2,2% dos votos espontâneos (contra os 2,7% de manente, portanto). Uma diferença mínima, que, semelhantemente sob efeitos estimulados, alcançaria números próximo de Alex Manente.
Tirar Luiz Marinho da pesquisa é tirar o Palmeiras do Campeonato Brasileiro. Uma barbaridade que poderia ser resumida também como a entrega da rapadura de uma fraude metodológica imperdoável.
ENCHENDO A BOLA
Os demais concorrentes também tiveram relativamente grandes saltos numéricos quando saíram do estágio de voto espontâneo para voto estimulado. Ou seja: quanto maior o salto, maior o tombo de expectativas frustradas.
Voltando um pouco à prematuridade temporal implícita da pesquisa do Instituto Paraná, os dados dos votos espontâneos provam vulnerabilidade ainda maior que a insustentabilidade dos números preliminares dos concorrentes.
Os registros de votos espontâneos a todos os concorrentes são tão pífios, tão marginais relativamente ao conjunto dos eleitores, que só existe mesmo uma explicação lógica: a pesquisa está completamente fora do tempo da ciência propriamente dita.
Por quê, afinal, se dá tanta inquietação? Desconfia-se fortemente de oportunismo político com mensagem longe de ser cifrada: pretende-se encher a bola do deputado federal Alex Manente, colocando-o como concorrente forte ou como concorrente a ser considerado pelos favoritos, no caso o provável indicado por Orlando Morando, Marcelo Lima, e Luiz Marinho, caso confirme candidatura.
DOIS RECADOS
Por fim, a pesquisa do Instituto Paraná deixou dois recados que, agora sim, parecem consistentes.
Primeiro, o prestígio do prefeito Orlando Morando é extraordinário, com 72% de aprovação dos eleitores de uma cidade dividida entre conservadores e regressistas, ou direita versus esquerda, e conhecida como berço do Partido dos Trabalhadores.
Não há na região território mais combativo no campo político-eleitoral do que São Bernardo. Esteja o PT em alta ou em baixa, o PT é PT sempre. Diadema é mais avermelhada, mas não conta com oposição à altura de São Bernardo.
Segundo, tudo indica que o apoio de Orlando Morando no ano que vem pode fazer a diferença eleitoral em favor do candidato do Paço, mesmo com Luiz Marinho numa eventual disputa.
APOIO SUBLIMINAR?
A única explicação que poderia dar algum respaldo ao crescimento de votos direcionados a Alex Manente entre os apontamentos espontâneos e os apontamentos estimulados é uma eventual interpretação de parte do eleitorado de que o candidato do Cidadania eternamente concorrente-auxiliar à Prefeitura de São Bernardo teria o apoio do prefeito Orlando Morando.
Como isso é praticamente impossível, eventual fortalecimento da candidatura de Alex Manente virará pó na medida em que o eleitorado descobrir a verdade do cenário plausível no horizonte eleitoral: será Marcelo Lima ou outro candidato do Paço o concorrente que tentará fazer frente a Luiz Marinho.
O mesmo Luiz Marinho que só não seria candidato em São Bernardo se o PT estiver em maus lençóis no plano federal. Aí o reserva Luiz Fernando Teixeira seria lançado apenas para marcar presença petista.
Para completar, não custa lembrar os números eleitorais do ano passado em São Bernardo, quando Marinho, Manente e Marcelo concorreram aos cargos de deputados federais. Manente obteve 64.870 votos, Luiz Marinho 63.751 e Marcelo Lima 55.119 votos. Os dados não servem como referência para o futuro, porque são disputas diferentes. E principalmente porque Orlando Morando, prefeito, não concorreu.
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