Duas, apenas duas rodadas depois, faltando, portanto, 36 para o fim da linha na Série B do Campeonato Brasileiro, não tenho dúvida: o São Caetano absorveu parte importantíssima da lição do Santo André na Série A do Campeonato Paulista. Só tenho dúvida, muita dúvida, se o Santo André assimilou parte importantíssima da lição do São Caetano naquela competição.
Será que o aprendizado do São Caetano com o Santo André tem a contra-face do Santo André em relação ao São Caetano?
Fiz toda essa enrolação para dizer exatamente o seguinte: o São Caetano que vi jogar e empatar com o América em Natal sob o comando de um técnico interino vai pegar para valer o caminho frutuoso do ofensivismo que lhe faltou no Campeonato Paulista, enquanto o Santo André que vi empatar com o Brasiliense, no Parque Antártica, ainda não tem a cara de quem vai temperar ataque em massa e defesa com maior grau de segurança.
Apenas para lembrar os leitores retardatários que não acompanharam os conceitos que emiti neste espaço durante todo o Campeonato Paulista: cansei de escrever que o Santo André era um time arrumadíssimo na armação ofensiva, mas deixava os torcedores de cabelo em pé no sistema defensivo; enquanto o São Caetano era um bom exemplar de defensivismo, mas cometia a barbaridade tática de renunciar ao ataque.
Deu-se melhor o Santo André porque o Campeonato Paulista de desníveis técnicos latentes favorecia largamente as equipes mais audaciosas e organizadas no ataque.
Isso não quer dizer que o resultado final poderá ser outro na Série B do Brasileiro.
Isso significa apenas que as dificuldades serão bem maiores. O nível médio dos concorrentes é muito mais elevado que o nível médio dos adversários paulistas. Estão ali, entre os 20 concorrentes, pelo menos uns 12 que teoricamente podem chegar às quatro vagas com direito à Série A no ano que vem. No Campeonato Paulista, não mais que meia dúzia, no máximo oito, disputam de fato as quatro vagas às semifinais.
O que vi do São Caetano, sempre pela televisão, em Natal, não deixou margem a contestação: o técnico interino (e assim o será com o técnico que chegar) recebeu ordens superiores, da direção do clube, para seguir o enredo do vizinho Ramalhão que não tem medo de atacar, embora não duvide este jornalista que uma ponderação se fez ouvir: “também não precisa exagerar e abandonar a defesa”.
Esqueçam o Santo André dos dois jogos finais contra o Santos no Pacaembu, quando cada equipe marcou cinco gols e a definição do título só se deu no regulamento, embora a choradeira por conta da anulação do gol pela bandeirinha ainda continue.
Aliás, nada surpreendente que a choradeira continue, porque o erro da bandeirinha foi de lascar, mas o Santo André não pode reclamar de arbitragem no apanhado geral do campeonato. Por mais que pareça que a equipe seja exclusivamente leve, solta e técnica, o técnico Sérgio Soares explorou cada detalhe de versatilidade ofensiva.
Tanto que o centroavante Nunes (e também os meias Rodriguinho e Branquinho) ou quem ocupasse a função de centroavante foi uma isca permanente de deslocamentos no espaço que separa laterais e zagueiros adversários e ali cansou de cavar infrações que Bruno César traduziu em cruzamentos mortais, em jogadas mais que treinadas exaustivamente.
Repetiu Sérgio Soares uma fórmula que Muricy Ramalho explorou ao máximo no São Paulo dos grandes resultados, sempre em bolas paradas.
Mas, voltando ao assunto, pedi para esquecerem aquele Santo André dos dois jogos decisivos porque, mesmo sofrendo cinco gols, a equipe se superou no empenho coletivo diante de um Santos que, enfrentasse o Santo André malemolente na marcação da maioria dos jogos anteriores, teria enfiado uma sacolada nos dois jogos.
É mais que natural que as equipes se superem no empenho individual e coletivo em disputas decisivas. Não foi diferente com o Santo André. O contraponto é que ao longo da Série B do Campeonato Brasileiro dificilmente o Ramalhão imprimirá o mesmo diapasão dos dois jogos finais do Paulista. Por isso fica a dúvida se vai atuar continuamente no ataque, sempre no ataque, ou vai temperar o sistema defensivo com um ou outro reforço, diante de adversários, repito, mais qualificados que a média do Campeonato Paulista.
Quanto ao São Caetano, não tenho dúvida alguma: com os reforços contratados e também com a base que se consolidou no Campeonato Paulista, a equipe será mais forte do que na competição regional. Já a produtividade de pontos é outra história.
Os confrontos no âmbito nacional são muito mais complicados. O jogo com o América em Natal mostrou exatamente isso. A equipe potiguar está se reforçando e muito para a competição e não deu trégua ao Azulão durante todo o tempo. Mesmo com o Azulão, desde o primeiro apito, tomando a iniciativa de atacar. Se o São Caetano recuou em diversas quadras do jogo foi por força do adversário, geralmente no período de resultado parcial indesejado, de empate ou derrota.
Se me perguntarem agora qual das duas equipes da região fará melhor campanha no Brasileiro da Série B, juro por todos os juros que não saberei responder. De fato, seria irresponsável se o fizesse. Estamos apenas no começo da competição, vai haver uma parada técnica de 30 dias e o que virá depois só Deus sabe. Nem mesmo ao final do primeiro turno será possível dar a resposta. Ao que tudo indica, e há certa unanimidade em relação a essa projeção, possivelmente teremos a Série B mais equilibrada da história. Até porque não há nenhum bicho-papão na disputa.
Certo mesmo é que o Santo André terá o desafio de reacertar as bases, especialidade de Sérgio Soares quando lhe dão liberdade de formar o grupo. Será que o treinador está decidindo mais uma vez, de fato, os reforços que o Santo André está anunciando, ou houve recaída diretiva pós-sucesso do Paulista e, eufóricos, alguns cartolas se acham em condições de impor nomes?
O São Caetano parte de uma base titular pouco alterada e que conta com maiores perspectivas de arrumação estrutural desde que um novo treinador, ou o técnico interino eventualmente efetivado no cargo, trabalhe com tempo.
O São Caetano trouxe reforços com os quais potencializa um grupo de resultados discretos que resistiu à pós-campanha no Campeonato Paulista.
O Santo André foi ao mercado para a reposição de jogadores titulares que bateram asas após o sucesso no Campeonato Paulista.
Essa diferença é fundamental para traçar os caminhos das duas equipes neste início de temporada na competição nacional.
O São Caetano parte de uma formação mais consolidada, enquanto o Santo André pretende pelo menos igualar em valores individuais as deserções que ajudaram a construir um dos melhores times de sua história.
Um time que só não foi campeão porque os deuses não quiseram, a bandeirinha atrapalhou mas, principalmente, porque, no primeiro jogo, o jogo que decidiu de fato a competição, a improvisação de Rômulo na lateral-esquerda e a teimosia em sonegar a escalação de um terceiro zagueiro, dando-se mais liberdade a Bruno César, desembocaram na vitória santista.
O que faltou então a Sérgio Soares, treinador que mais uma vez prova que é capaz de fazer milagres se não lhe encherem a paciência? Faltaram humildade e senso de competitividade. Exatamente o que sobrou a Ricardo Gomes no primeiro jogo contra o Cruzeiro, no Mineirão.
E o que fez Ricardo Gomes? Escalou Richarlyson de terceiro-zagueiro, segurou os laterais o quanto pôde, reforçou a marcação do meio-de-campo e deu ampla liberdade a Fernandão, cirúrgico nos passes que decidiram a partida.
É claro que é mais fácil e cômodo xingar a bandeirinha num lance que, gol confirmado, provavelmente desencadearia situação completamente diferente no restante da partida que mal chegava aos 20 minutos do primeiro tempo. E aí, convenhamos, só Deus sabe o que poderia ocorrer.
Total de 985 matérias | Página 1
05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André