Se as páginas esportivas da maioria dos jornais e do mundo digital não fossem o que são na maioria dos jornais e do mundo digital o que são tantas outras páginas, de economia à política, de entretenimento a serviços, ou seja, uma superposição de informações rasas, o perfil de novo técnico do São Caetano, Sérgio Guedes, saltaria de imediato.
Quem é, afinal, o novo profissional que vai conduzir o Azulão?
Mais que repisar sua carreira de treinador e de ex-jogador, o que o leitor gostaria de saber, como gostaria de saber quem são também na essência os novos reforços do São Caetano e do Santo André, refere-se às características de trabalho.
E é isso que invariavelmente falta nas matérias esportivas, nas matérias econômicas, em todos os tipos de matéria. Apenas as boas revistas semanais, apesar dos vieses políticos e ideológicos que carregam, mergulham nesse mar de curiosidade. Vão fundo nas informações.
Sérgio Guedes impressiona pela verbalização nas entrevistas. Está muito acima da maioria dos treinadores brasileiros na capacidade de exteriorizar pensamento. Fala com substância. É educado no sentido lato do termo, situação que o coloca em córner distante de Muricy Ramalho. Essa observação não pode carregar juízo de valor implícito. Competência não tem apenas uma cara, qualquer que seja a cara. Há treinadores desagradáveis no trato pessoal com a mídia, mas extremamente capazes. Outros são agradabilíssimos, mas pouco iluminados.
É claro que é mais satisfatório ouvir treinador que tenha substância e saiba assimilar golpes de radialistas e jornalistas, principalmente de radialistas que vivem o dia-a-dia dos clubes e que por isso mesmo carregam doses de idiossincrasias para as quais é preciso estar preparado.
Dos treinadores de futebol que ouço sempre pós-jogo nos canais fechados de televisão, programação da qual não abro mão porque não resisto a escarafunchar os meandros técnicos e táticos de cada jogo, desses treinadores Sérgio Guedes é um dos melhores. Só perde, em princípio, para Vanderlei Luxemburgo e, principalmente, Mano Menezes, esse um mestre de conteúdo, de leitura tática e de preparo psicológico para lidar com um vespeiro permanente chamado Corinthians. Renê Simões também tem muita sincronia entre conhecimento e exposição de informações. Tite é interessante também, embora, como Celso Roth, carregue demais no regionalismo gaúcho do qual Mano Menezes nem dá sinais de origem.
Leonardo, ex-craque da Seleção Brasileira e técnico do Milan nesta temporada, é a síntese do perfil que balizaria a classe dos profissionais de futebol. Um sonho distante da quase totalidade dos gramados, dos bancos de reservas e das tribunas de autoridades.
Mas quem será Sérgio Guedes além dos microfones? Se dependesse única e exclusivamente do noticiário esportivo, estaria perdido. O pouco que sei deriva de uma viagem a Belo Horizonte, ano passado, para ver o Santo André diante do Atlético Mineiro, convidado que fui pelo presidente Ronan Maria Pinto. Discretamente conversei com gente muito próxima de Sérgio Guedes, além de, durante o café da manhã, compartilhar da mesa com esse ex-goleiro.
De terceiros, longe dos olhares e dos ouvidos de Sérgio Guedes, ouvi maravilhas sobre a intensidade com que se dedica à preparação das equipes que comanda. É um viciado em trabalho. Meticuloso, detalhista, perseguidor de erros e inconformidades. Discorre sobre sistemas táticos com encanto. É maleável no trato com subordinados. Talvez até demais, segundo alguns. Nada que uma retaguarda diretiva não resolva.
Provavelmente uma das maiores bobagens que a direção do Santo André produziu no ano passado, na derrocada à Série B do Campeonato Brasileiro, foi ter trocado Sérgio Guedes por Alexandre Gallo. Depois veio Sérgio Soares que, ao pegar o bonde andando, e Sérgio Soares não sabe subir no bonde andando, não conseguiu evitar o rebaixamento de uma equipe recheada de prima-donas.
A chegada de Sérgio Guedes no São Caetano é, em princípio, uma ótima notícia para quem quer ver o futebol do Grande ABC disputando para valer duas das quatro vagas à Série A da próxima temporada.
A direção do Azulão teve tempo de sobra para rastrear o mercado e capturar um profissional com muitas qualidades. Aliás, qualidades que contribuíram para levar a Ponte Preta à decisão do título paulista de 2008 diante do Palmeiras.
Sérgio Guedes parecia pronto para explodir no mercado de treinadores brasileiros, integrando a nova safra que emerge e que gradualmente ocupa espaços que os mais experientes mas também nem sempre vitoriosos acabam por ceder.
Quem sabe, quem sabe, o São Caetano revelador ou consolidador de treinadores, o mesmo São Caetano de Muricy Ramalho campeão paulista de 2004 que, em seguida, consagrou-se no Internacional de Porto Alegre, e de Dorival Júnior, contratado pelo Cruzeiro, iniciando a escalada de sucesso, quem sabe o São Caetano não coloque Sérgio Guedes no lugar que parece ter tudo para integrar-se.
Quem sabe, quem sabe, Sérgio Guedes não recoloque o São Caetano no lugar do qual não deveria ter sido apeado?
Quem sabe São Caetano e Sérgio Guedes não tenham um encontro com o próprio destino, num duplo acerto de contas?
Entre as medidas que Sérgio Guedes deve adotar está a busca de equilíbrio de um time montado sob prisma defensivo e que se reforçou ofensivamente para não passar sufoco quando está à frente no placar, ou desesperar-se caso o resultado seja adverso.
Nenhum time é vitorioso sem que assimile as variáveis de 90 minutos com a confiança de que ao se expor em busca de gols não cometerá haraquiri defensivo nem ao se encapsular defensivamente perderá completamente a possibilidade de chegar à rede adversária.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André