Sei lá o que se registrou nos outros estádios dos jogos da oitava rodada da Série B do Campeonato Brasileiro, reiniciado após 38 dias. Em São Caetano, no Anacleto Campanella, uma vuvuzela monocórdia e solitária de um torcedor local era acionada vez ou outra. Provavelmente se pretendia destilar no Azulão os valores técnicos e táticos dos espanhóis, campeões do mundo. Os vencedores costumam ditar moda nos gramados como Gisele Bündchen nas passarelas. Possivelmente ele tenha ficado frustrado. O que se viu em campo, e era natural que se visse exatamente aquilo, foram um São Caetano e um Santo André em busca de um espetáculo que se desgarrou da lógica quando a competição ganhou folga no calendário.
Independentemente do tempo de restauração das forças individuais e coletivas das equipes brasileiras, duvideodó que o Campeonato Brasileiro, na Série A ou na Série B, tenha réplica dos campeões do mundo. Jogar com aquela fluência não é obra do acaso. É preciso técnica refinada, vocação ao ataque e apenas dissimular desprezo à defesa porque, no fundo, no fundo, aquela mobilização coletiva que reduz espaços aos adversários e prepara o contragolpe é a melhor maneira de se proteger.
Por isso, torcedores que forem aos estádios de vuvuzela em punho e armados de imagens da Copa do Mundo precisam compreender que nossa realidade esportiva é outra. Não temos tantos craques assim num mesmo time para fazer a bola circular com destreza, ciência e um certo ar de desdém ofensivo, como os espanhóis majoritariamente do Barcelona. Tivéssemos a estrutura do futebol espanhol, seriamos mais que a Espanha de gols econômicos. Seriamos o Brasil dos tempos em que o futebol não era mercadoria disfarçada de esporte. Como, aliás, tem de ser mesmo numa atividade muito mais econômica que hedônica, embora uma coisa não necessariamente exclua a outra.
Quem projetar a equipe do coração como repetição da Seleção da Espanha correrá risco de decepcionar-se. Guardadas as devidas proporções, foram o Santo André e o Santos que mais se aproximaram da filosofia dos espanhóis, no Campeonato Paulista. Mas só fizeram a tarefa, sempre guardando as devidas proporções, na parte ofensiva, porque as defesas sempre foram um convite aos ataques adversários.
Pelas declarações de Sérgio Guedes após a partida ao Sportv e deduzindo que Sérgio Soares saiu de cabeça inchada com a derrota no clássico, o que se viu no Estádio Anacleto Campanella não agradou a nenhum dos dois treinadores. A Sérgio Guedes porque o Azulão deixou de liquidar o jogo nos primeiros 30 minutos e quando fez 3 a 1 no segundo tempo demonstrou certo enfado, a ponto de proporcionar a reação do adversário que, entusiasmado, teve tempo de assustar com a possibilidade de um empate, placar mais frequente desse clássico. Quanto a Sérgio Soares, que deve conviver com pesadelos depois dos sonhos do Campeonato Paulista, talvez a imagem mais presente seja de completo embaralhamento quanto ao futuro no campeonato. A zona de enforcamento pode asfixiar a equipe nesta sexta-feira contra o Duque de Caxias.
A parada técnica da Copa do Mundo deverá fazer estragos durante algumas rodadas do Campeonato Brasileiro. Sei lá se provocará reviravoltas na tabela de classificação até o final do primeiro turno. Certo mesmo é que São Caetano e Santo André expuseram o fenômeno natural da distensão motivacional. Treinamentos e jogos amistosos durante tanto tempo retiram sim a porção de competitividade das equipes. Somente o retorno à disputa de três pontos e a ansiedade a cada olhada na classificação reparam o dano.
Um jogo pode ser muito pouco para conclusões, mas não custa arriscar: o Azulão voltou abaixo da condição com que encerrou a primeira fase de sete jogos da competição, mas muito acima do Santo André. Mesmo com oscilações e descuidos, o São Caetano mostrou dinâmica de velocidade, troca de passes, ultrapassagens e finalizações que o Santo André jamais conseguiu engatar. O peso do coletivo de um time reforçado para a Série B do Campeonato Brasileiro fez a diferença contra um time quase que totalmente desmontado após o sucesso no Campeonato Paulista.
São muitas as faces do sucesso no futebol, complementares e contraditórias, mas uma condição a alcançar bons resultados, independentemente de outros fatores, é a coletivização tática. Quanto mais tempo um mesmo grupo veste o mesmo uniforme e vai a campo, mais possibilidades de surpreender reúne. O São Caetano é melhor que o Santo André porque qualquer torcedor que acompanha a equipe sabe de cor e salteado a escalação titular. Já o Santo André é um festival de dúvidas e de trocas. A fase de transição de um time remontado pode ganhar tonalidades sombrias se maus resultados prevalecerem. Da mesma forma que as vitórias apressam cicatrizações, as derrotas abrem buracos insondáveis. A zona do rebaixamento acelera as dissensões internas e o desencanto externo.
Replicar o futebol encantador dos espanhóis é praticamente impossível nos gramados brasileiros, por conta das diferenças econômicas que modulam o comportamento das equipes nestes tempos de globalização. Por isso, que os torcedores não alimentem planos exagerados demais.
Já o banimento das vuvuzelas seria uma questão a ser estudada. Esses instrumentos de som irritante conseguiram botar para fora dos estádios sul-africanos um dos pontos altos da história da Copa do Mundo: a multiplicidade de manifestações culturais das torcidas. Nada mais lamentável para quem se emociona com a maior festa multicultural do planeta. Cada hino nacional executado é uma benção aos ouvidos e um conforto ao coração.
Sim, me emociono muito com cada hino que ouço minutos antes de o jogo começar. Sou um cidadão do mundo. Viajo nos acordes musicais como forma de compensação por viver sempre longe de avião, essa coisa estranha de asas que inventaram para me levar ao pânico total como usuário circunstancial.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André