O empate do Santo André ontem à noite em Florianópolis diante do então vice-líder Figueirense pela Série B do Campeonato Brasileiro foi mais uma torrente de emoções. O resultado de dois a dois alcançado pela equipe de Sérgio Soares confirma uma característica particularíssima desse ex-meio-campista que mais defendia do que atacava: com ele no comando do Ramalhão nesta temporada não há espaço para monotonia no gramado. É adrenalina pura.
Depois de 10 rodadas na competição, o Santo André registra a marca de quatro gols em média por jogo. Gols marcados e gols sofridos. Uma contabilidade alucinante. Quase o dobro da recém-encerrada Copa do Mundo de balançar de redes oscilante entre alguns jogos de muitos gols e muitos jogos de poucos gols. Com Sérgio Soares no Santo André não há espaço para placar em branco.
Sérgio Soares é radical: é tudo ou nada, ou vai ou racha, essas coisas de extremos. Nada diferente do que aplicou no Campeonato Paulista, quando a equipe foi vice-campeã em memorável final contra o Santos, o único time brasileiro nesta temporada que consegue superar o Santo André na média de gols por jogo, gols marcados e gols sofridos.
Sei lá até quando Sérgio Soares vai seguir com essa saga de desprezar a cautela, de subestimar deficiências defensivas do Ramalhão, de superestimar a força de ataque, de encarar adversários dentro e fora do Estádio Bruno Daniel como se ambiente favorável ou hostil não fizesse a menor diferença.
Sérgio Soares é o técnico que todo torcedor louco por gols gostaria de ter. Os números que coleciona nesta temporada num Santo André que se desfez após o sucesso no Campeonato Paulista e que se está refazendo na Série B do Brasileiro são muito mais significativos em emoção do que os de Dorival Júnior à frente do Santos. Afinal, Dorival Júnior maneja orçamento várias vezes superior para montar o time que bem desejar. Sem contar que a Vila Belmiro costuma ser invejável incubadora de talentos insofismáveis, como Neymar e Ganso agora, enquanto o Santo André corre atrás do que sobra no mercado econômico da bola.
É muito bonito que o Santo André desta Série B colecione média de quatro gols por jogo disputado, disparadamente a maior entre todos os concorrentes. Uma média de gols marcados e sofridos apenas um pouco inferior à registrada no Campeonato Paulista, quando, em 23 jogos, balançou as redes inimigas e viu as próprias redes balançarem nada menos que 88 vezes em 23 jogos. Ou seja: 3,82 gols por partida.
O problema é saber se o Santo André vai alcançar no Brasileiro sucesso semelhante ao do Paulista, quando foi finalista e por pouco (e conforme a choradeira, não fosse a bandeirinha se equivocar num impedimento mal marcado) não comemorou o título.
Será que a vocação ofensivista do Santo André numa competição de pontos corridos e diante de adversários em média mais qualificados e equilibrados não representará a frustração de permanecer na Série B? O jogo de ontem contra o Figueirense foi um dos mais estranhos que já vi porque o Santo André tanto poderia ter vencido por placar escasso quanto ter sido goleado. O empate acabou lhe ficando bem.
O novo Santo André montado por Sérgio Soares durante providencial parada técnica da Copa do Mundo não é um time que se deva botar fé, pelo menos por enquanto, com vistas a uma das quatro primeiras vagas na competição. Mas também deixou claro ontem à noite que só está próximo da zona de rebaixamento por conta das primeiras sete rodadas, nas quais ainda se deparava com a troca de motores em pleno voo. Devagar, devagar, o técnico Sérgio Soares dá estrutura tática ao grupo. Sempre movido pelo combustível do ataque a qualquer custo, a todo custo.
Uma rápida análise defensiva do Santo André me deixa de cabelo em pé quanto às possibilidades de alçar voos mais elevados. O sistema de marcação é bastante deficiente. Os laterais de fato são alas. Isso representa um corredor de facilidades aos atacantes adversários. O Figueirense transformou as extremas em passarelas de tormentas.
Para complicar ainda mais, os zagueiros internos são tão altos quanto lentos, como no Campeonato Paulista. Cobrem mal e porcamente os avanços dos laterais. A ausência de Alê, volante versátil, de mobilidade, agrava o quadro, porque ele é disciplinado e costuma preencher espaços como terceiro zagueiro em situações de risco. A volta de Gil ao meio de campo dá mais velocidade e precisão à saída de bola, mas não é especialista em tomar a bola do adversário com a frequência dos pegadores. É o preço da técnica mais apurada.
O meio de campo do Santo André completa-se com dois jogadores indolentes, Xuxa e Sandro Hiroshi. Eles mal sabem cercar os adversários. Anderson Costa e Anderson Gomes são apenas atacantes. Têm dificuldades para combater a saída de bola do adversário e acompanhar os laterais. Os laterais do Figueirense fizeram a festa ontem à noite.
Esse é o resumo resumido do Santo André defensivo. O ofensivo tem alas de velocidade que começam a se entender com os meias Sandro Hiroshi e Xuxa em combinações laterais ou triangulares que também contam com o suporte dos dois atacantes. Gil é um meio-campista de habilidade, ocupa bem setores mais ofensivos, mas seu valor no mercado é baixo porque simplesmente não sabe chutar. A volta de Alê dará mais consistência ao meio de campo e aos contragolpes, porque sai razoavelmente bem melhor para ataque do que Wendel. Os atacantes Anderson Costa e Anderson Gomes são contundentes. O titular da camisa nove leva vantagem sobre o ex-titular Nunes, agora no Vasco: é muito mais disciplinado, confiável e executa com mais humildade e habilidade a função de pivô, do jogador que dá as costas para os zagueiros, protege a bola e serve um companheiro que vem de frente para o gol. Compensa em parte os danos da falta de velocidade para contragolpes. As bolas paradas começam a provocar danos aos adversários. A recíproca é verdadeira.
O Santo André pós-Copa do Mundo, ainda em fase de acerto tático, dificilmente terá o mesmo rendimento do grupo desfeito e que disputou com brilho o Campeonato Paulista. Os valores individuais de reposição não parecem ter o mesmo peso técnico e versatilidade tática, embora deem claros sinais de que podem deixar boas marcas.
Além disso, o grau de dificuldade da Série B do Campeonato Brasileiro também é maior que o do Campeonato Paulista. Há pelo menos 12 concorrentes a quatro vagas, contra no máximo oito do Estadual. Isso ajuda a fazer a diferença quando se analisa o rendimento do grupo anterior e do grupo atual. A maioria das equipes do Campeonato Paulista não disputa outra competição de importância na temporada. Os integrantes da Série B do Brasileiro têm calendário anual de disputas fortes e por isso mesmo contam com melhor estrutura de gestão.
Certo mesmo é que Sérgio Soares, tanto com aquele time do primeiro semestre quanto com este do segundo semestre, é o treinador mais corajoso e decidido do futebol brasileiro. Com ele não tem tempo ruim, não tem cautela, não tem outra coisa no horizonte de um gramado senão o gol. A favor ou contra. O Santo André é um time para ser visto por quem não tem compromisso com a equipe. Aqueles que tem passam por teste cardíaco a cada rodada.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André