As funções são diferentes, tanto que um vai ter que decidir dentro de campo e o outro, ajeitar a casa fora dos gramados, mas cabe uma pergunta: quem será mais útil ao São Caetano e ao Santo André neste segundo semestre, o experiente e obreiro centroavante Christian, que já vestiu camisas gloriosas de clubes brasileiros, ou o ex-atleta Antonio Carlos Moreno, símbolo da geração que assentou as bases para a chegada dos craques de prata da Seleção Brasileira de Voleibol, empossado novo diretor-executivo do Santo André?
Estou preocupado com a possibilidade de que tanto o Azulão quanto o Ramalhão tenham mirado no passado sem levar em conta as armadilhas do presente. Tomara que esteja enganado, mas não há quem me convença do contrário: são reforços de risco e como tal devem ser avaliados para que não se fabriquem falsas expectativas.
Tomara que Christian já não tenha dobrado o cabo da boa esperança. Aos 35 anos é mais que provável que as pernas já não sejam as mesmas, que os reflexos demorem a aquecer, que a mobilidade em câmara-lenta facilite a vida de zagueiros mais jovens e impetuosos. Menos mal que mesmo desgastado Christian é do ramo de fazer gols, mesmo sem a profusão que a lista de clubes a que serviu sugeriria.
Quanto a Antonio Carlos Moreno, a ultrapassagem dos 60 anos não é empecilho à função gerencial. Muito pelo contrário, porque a maturidade é caminho longo, persistente, que pode acalmar os impulsos, suavizar a intolerância, temperar o molejo relacional. O problema de Moreno é que se consagrou com outro tipo de bola e não conseguiu com a bola de futebol nem um esboço do brilho das quadras.
No caso do centroavante do São Caetano, o melhor aliado é o fato de a equipe precisar mesmo de um matador sem firulas, que não trema na grande área, que não exagere em preciosismos.
Os jovens atacantes do técnico Sérgio Guedes ainda não desabrocharam na Série B do Campeonato Brasileiro. O São Caetano vem melhorando o conjunto a cada rodada, tem volume de jogo sempre superior ao do adversário, mas parece hipnotizado porque desperdiça oportunidades com imprecisões nas finalizações. Sempre há um toque a mais ou um toque a menos na arte da finalização que exige o tempo certo, aquela acuidade que a experiência de Christian pode sim acrescentar como opção, apesar da passagem do tempo supostamente comprometedora.
No caso do administrador de futebol do Santo André, o que vai decidir se construirá uma carreira fora de campo que se aproxime das quadras é a arrumação do quarto de solteiro gerencial do clube. Para isso terá de enfrentar, principalmente, o centralismo asfixiante do presidente Ronan Maria Pinto, dirigente encapsulado em atávicos padrões de emocionalismo dos voluntaristas com agravante de incorporar doses cavalares de imediatismo empresarial.
Como se vê, trata-se de combinação explosiva, principalmente porque não encontra entre os acionistas do Saged (a sociedade negocial que administra o futebol da cidade) quem oponha qualquer resistência ou ponderação. Muito pelo contrário: Ronan Maria Pinto é um todo-poderoso sem limites, senhor do céu e da terra.
Entre o centroavante Christian e o ex-voleibolista Antonio Carlos Moreno há um paradoxal fosso de reconhecimento do torcedor que frequenta arquibancadas e os sofás como consumidores de futebol. Nem se compara o não mais que discreto currículo do atacante com o do antigo capitão da Seleção Brasileira de Voleibol, detentor de mais de 300 jogos e muitos títulos nacionais e internacionais.
Entretanto, Christian é mais reconhecido como membro da confraria futebolística do que Moreno. O ex-centroavante de Corinthians, Portuguesa, São Paulo, Internacional, Grêmio e tantas outras equipes vem imediatamente à mente do torcedor sem que seja preciso apresentar uma de suas imagens de calção e chuteiras. Moreno virou passado de uma geração que preparou a consolidação da glória internacional do voleibol. A maioria que acompanha futebol não o reconhece como expoente esportivo. Naqueles tempos o voleibol não tinha a exposição midiática atual. Moreno é apenas uma lembrança de esportista de talento num País que esquece seus ídolos. A imagem de sucesso que acrescentaria ao Santo André não se sustentará sem resultados.
Por isso e por tantas outras coisas a contratação de Antonio Carlos Moreno pelo Santo André não guarda qualquer semelhança com a chegada de Zico ao Flamengo, como poderia ser interpretada a decisão presidencial do Santo André. O choque de cidadania esportiva que transparece do noticiário do Santo André é um tiro nágua.
Antonio Carlos Moreno veio para assumir um cargo importante, de diretor executivo, mas o noticiário parece que lhe atribui missão impossível: além de cuidar das equipes de base em substituição a outro ex-atleta de voleibol, muito menos famoso, Ricardo Navajas, também foi escalado para realizar ação de abrangência institucional.
Moreno sairia à cata de representatividade corporativa que o Santo André não tem. Moreno seria espécie de relações públicas. Buscaria parceiros para o clube-empresa presidido por Ronan Maria Pinto. Daria, deduzindo-se do insuficiente noticiário, um lastro de mobilização social ao futebol. Até que Ronan Maria Pinto lhe corte a cabeça. Como o fez com Ricardo Navajas, também festejadíssimo ao chegar ao Ramalhão.
É impossível Antonio Carlos Moreno ou qualquer outro contratado multiplicar-se na direção de cuidados que as equipes de base recomendam e na interlocução com agentes esportivos, sociais e empresariais que o Santo André praticamente desdenhou ao longo da história. Até porque, a segunda tarefa não é obra de um único profissional. É missão para um grupo de dirigentes e acionistas, até que se contrate uma empresa especializada.
Se tivesse, mesmo com certo ceticismo, de apostar no sucesso do descongelamento ofensivo do São Caetano com Christian de centroavante e na dupla função de Antonio Carlos Moreno no Santo André, ficaria com o Azulão. Simplesmente porque é uma tarefa terrena, palpável, que dependerá exclusivamente do desempenho do atacante e do sistema ofensivo do Azulão. Moreno será refém de um milagre se o formato funcional que o entregaram não for alterado.
Christian é um passado de balançar de redes que o São Caetano espera resgatar tendo o cuidado de não se desfazer dos mais jovens centroavantes que ainda não deram as respostas desejadas, mas que, inspirados no veterano artilheiro, podem, quem sabe, ganhar autoconfiança e se converterem, eles mesmos, em novas opções para o técnico Sérgio Guedes.
Moreno é um passado de ultrapassagens de redes com saques poderosíssimos que possivelmente terá de se definir entre a retaguarda administrativa da fábrica de novos talentos do Santo André e a improvável sensibilização de uma sociedade que não está nem aí com as cores do clube, como ficou mais que provado nas finais do Campeonato Paulista desta temporada.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André