O Corinthians de Adilson Batista não é o Corinthians de Mano Menezes. Não foi preciso mais que um jogo, o clássico de domingo contra o Palmeiras, para a transformação chegar aos torcedores de sofá e de arquibancada. A metamorfose deverá se confirmar ao longo da jornada do ex-treinador do Cruzeiro à frente de uma equipe que durante quase três anos aprendeu a atuar com frieza e precisão de neurocirurgião.
No Corinthians de Mano Menezes era proibido errar. No Corinthians de Adilson Batista é proibido deixar de tentar.
O Corinthians de Mano Menezes era um time com rigorosidade e pontualidade da maquinaria de relógio suíço. O treinador mantinha sob rédeas curtas toda a carga emocional das arquibancadas e da crônica esportiva.
O Corinthians de Adilson Batista, a julgar pela amostra de domingo e, principalmente, pelos quase três anos de Cruzeiro, deixa nos vestiários o esquadrinhamento teórico das planilhas, entregando-se ao ambiente do gramado, influenciado pelos gritos da torcida e pelo desempenho do adversário.
O Corinthians bom de cabeça e dos nervos dá lugar a um time mais abrasivo e menos reflexivo. Os torcedores que se preparem para grandes emoções.
Resta saber se Adilson Batista complementará a obra de Mano Menezes com um toque de humanismo à brasileira, em forma de liberdade para criar, ou, então, se descarrilará na ruptura da harmonia tática por não abrir mão da transpiração combinada com a impetuosidade ofensiva e certo desleixo defensivo.
Uma pena que tenha faltado no clássico de domingo o aparato tecnológico da Copa do Mundo da África de Sul, que registrava os quilômetros rodados pelas equipes.
O Corinthians de Adilson Batista percorreu seguramente acima de 20% da média dos jogos sob o controle de Mano Menezes. Tanto correu que excedeu na vontade, oscilou técnica e taticamente e, como nunca, cometeu faltas e mais faltas. Principalmente na entrada da área, terreno blindado no período do ex-treinador por conta de medições de um auxiliar especialista em estatísticas. A bem da verdade o Corinthians também incomodou o adversário, imprimindo ritmo mais forte em velocidade e deslocamentos. Aquele gol em contragolpe era uma raridade nos tempos de Mano Menezes.
O clássico entra para um passivo parcial de Adilson Batista. Não que o resultado tenha deixado de ser interessante, porque clássico é sempre clássico e, sobretudo entre esses rivais, diz a história que quem está mal na competição sempre arruma uma maneira de dar a volta por cima.
O que pesa contra Adilson Batista é o descontrole organizacional derivado de virada da biruta de aplicação física e de experimentos táticos que o conservadorismo e a cautela de Mano Menezes refutavam. Houve um desencaixe natural na transposição do estado de congelamento para o de aquecimento.
No duelo de treinadores, Felipe Scolari saiu-se melhor porque induziu o adversário a abdicar das vantagens de que dispunha — a melhor condição tática forjada pela formação do grupo há muito mais tempo e também uma superioridade técnica que, no mínimo, decorre do arranjo coletivo mais apurado — e o colocou no córner da guerra por cada metro do gramado. Uma guerra feita de muito suor, catimba, entrega quase suicida em cada lance. Um jeito Felipão de jogar que fisgou o Corinthians de Adilson Batista. O forró de Felipão prevaleceu sobre o tango deixado por Mano Menezes e metabolizado em forma de um mal-ajambrado frevo de Adilson Batista.
Com Mano Menezes, o Corinthians não teria caído na armadilha preparada por Felipe Scolari. O resultado do jogo poderia ser o mesmo, ou semelhante, mas não prevaleceria a desconfiança de que o Corinthians pode caminhar ao sabor dos gritos da Fiel ou das cobranças da mídia por espetáculos menos repetitivos.
Mano Menezes sacramenta a ideia de que futebol não é uma caixinha de surpresa, mas uma combinação de fatores que têm no comportamento emocional dos jogadores um peso relativamente importantíssimo, mas jamais superior aos demais. Adilson Batista resume o espírito da torcida, do jogo mais espetaculoso e do resultado no fio da navalha quando o adversário tem porte semelhante.
O Corinthians de Mano Menezes conseguiu títulos com a segurança de que não deixaria o jogo escapar ao controle, mesmo que sacrificasse o arrebatamento dos grandes espetáculos.
O Corinthians de Adilson Batista tanto pode associar títulos e grandes comemorações com um futebol eletrizante como, também, perder-se em pequenos e fatais detalhes. Como o Cruzeiro na final da Taça Libertadores no Mineirão, quando vencia o Estudiantes por 1 a 0, entusiasmou-se, seguiu no ataque e foi surpreendido com dois contragolpes. Ou mais recentemente no mesmo Mineirão, agora contra o São Paulo, quando, de novo, deu o contra-ataque ao adversário e inviabilizou reação no Morumbi.
A torcida do Corinthians que se prepare, porque a cozinha de resultados perdeu a geladeira em favor do fogão.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André