É inevitável a comparação entre as duas equipes do Grande ABC na Série B do Campeonato Brasileiro. Ao final da 12ª rodada de um total de 38, o São Caetano segue em evolução com equilíbrio na classificação, às portas do G-4, e o Santo André entrou em parafuso na zona de rebaixamento. Pior que o desempenho em campo, esperado para um time que perdeu mais que a espinha dorsal do vice-campeonato paulista, na memorável final contra o Santos, é o comportamento do presidente Ronan Maria Pinto.
O dirigente máximo da empresa que detém os direitos de representar o futebol de Santo André no Estado e no País faz uso do cargo de diretor de fato de redação do Diário do Grande ABC, de sua propriedade, para desfilar rosário de críticas e de pressões públicas contra jogadores e comissão técnica.
Provavelmente o novo assessor de Ronan Maria Pinto, o ex-voleibolista Antonio Carlos Moreno, esteja tão atônito com as últimas declarações do presidente quanto os dirigentes que antecederam o proprietário do Diário do Grande ABC.
Há muito não se lia tanto despreparo de alguém que comanda um dos 40 clubes mais importantes do País. O código de honra entre dirigentes, jogadores e comissão técnica foi para o espaço. Ronan Maria Pinto lavou roupa suja em público com o propósito de esquivar-se de responsabilidades diretivas. Quem amontoa um grupo de 39 jogadores e confessa que as receitas são ínfimas precisa urgentemente de assessoria financeira.
Endoidou de vez o homem que até outro dia, na euforia do Campeonato Paulista, dizia dominar os segredos do sucesso no futebol. Ronan Maria Pinto tenta passar a ideia de que está em perfeito juízo diretivo, mas quem é do ramo sabe que dá a impressão de que joga uma cartada final precipitadíssima, destemperada, com ameaças de todos os tipos, principalmente de novas dispensas de jogadores. Não é assim que se resolve um problema estrutural que decorre do esfacelamento do time vice-campeão. Um esfacelamento cujos valores monetários de negociação do que antigamente se chamava “passe” jamais foram levados a público.
O Santo André não é um clube-empresa qualquer, como tantos outros que podem sim dispensar publicidade de seus atos. Quem nasceu das costelas do Esporte Clube Santo André, ao qual ainda está umbilicalmente ligado, não pode sonegar informações. No mínimo, em nome da transparência. Ou até mesmo para que se possa avaliar até que ponto o presidente Ronan Maria Pinto é bom negociador ou apenas um noviciado que não teria sabido o que fazer diante do assédio dos clubes que levaram quase todas as pedras preciosas que fizeram sucesso no Campeonato Paulista.
O Santo André vive situação perfeitamente normal numa competição nacional muito acima das dificuldades expostas pelos participantes do Campeonato Paulista. O buraco na Série B do Brasileiro é mais embaixo. Há equipes que representam comunidades poderosíssimas. Equipes que se formaram durante as competições estaduais e que se reforçaram para disputar o acesso à Série A. Equipes que têm a força de torcidas volumosas a prestar institucionalidade que o Santo André não consegue reunir. Não são uns adversários quaisquer.
No Campeonato Paulista, metade dos competidores não tem calendário anual e por isso mesmo joga apenas quatro meses com certo grau de competitividade. As equipes se formam às vésperas ou pouco tempo antes da primeira rodada. A distância técnica entre grandes, médios e pequenos é enorme.
Anormal mesmo seria se o Santo André liderasse a competição, ou se estivesse próximo dos números do São Caetano, time de campanha discreta no Campeonato Paulista, time que perdeu poucos titulares para a Série B e, mais que isso, time que se reforçou com competência para frequentar as proximidades da zona de acesso, com amplas condições de retornar à Série A, embora a concorrência seja muito forte.
Duvideodó que a direção do São Caetano não esteja comemorando o crescimento da equipe após o intervalo da Copa do Mundo. Aos poucos o encaixe tático fica evidente. Ainda há excessos ofensivistas, que provocam descuidos desnecessários, mas o tempero certo é questão de tempo. O São Caetano joga futebol dinâmico, versátil, veloz. Os 3 a 1 diante do Guaratinguetá foram pouco. A equipe merecia muito mais. Mas mesmo assim se descuidou em alguns trechos da partida. Como no final, quando uma falta desnecessária na entrada da área poderia ter reduzido a diferença no placar. Nada que comprometesse a vitória, mas tudo no sentido de inquietar quem teme que bolas paradas façam estragos em jogos mais equilibrados. Como aconteceu contra o Bahia.
A dinâmica do São Caetano é mesmo de entusiasmar. Com Arthur, Everton Ribeiro e Fernandes em grande fase, o time de Sérgio Guedes merecia melhor posicionamento que o sexto lugar na classificação geral. Nada, entretanto, que evoque desespero. A diferença de apenas dois pontos da Portuguesa, na linha de corte do acesso, é a garantia de que mesmo em fase de arrumação a equipe não se descola dos principais adversários. O São Caetano é uma das equipes que mais prazer dão de ver na Série B. Há movimentação intensa, principalmente no campo ofensivo. As jogadas por aproximação são uma regra. A velocidade é uma obrigação ditada pela solidariedade entre os setores.
Já o Santo André de Sérgio Soares está oscilando demais. Perde o rumo quando sofre gol. É um time claramente pressionado pelos resultados adversos e pela contínua queda na classificação. E também ou principalmente por um presidente destemperado. O radicalismo doce das declarações ao Diário do Grande ABC de domingo é conversa mole para boi dormir. Jogadores e comissão técnica sabem que por trás da brandura das palavras editadas existe sangue nos olhos. Não é assim que se constrói relação de harmonia num momento de tamanhas complicações.
O Santo André viveu a ilusão de exclusividade na quarentena da Copa do Mundo. Esqueceu dos adversários, todos igualmente empenhados em não decepcionar e que, por isso mesmo, se dedicaram intensamente aos treinamentos. Do título de vice-campeão paulista à Série C do Brasileiro é apenas questão de alguns meses. Que Ronan Maria Pinto mude o discurso coercitivo. Alcaguetagem não fica bem nem para o roupeiro, quanto mais para o presidente.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André