A diferença entre um time organizado que só joga bem durante apenas 15 minutos e um time em fase de arrumação que joga bem durante pelo menos 30 minutos é que o primeiro pode conseguir um resultado dado como perdido e o segundo pode deixar escapar uma vitória que parecia bem desenhada. Foi exatamente isso que se deu na noite de sexta-feira, quando acompanhei no mesmo horário os jogos das equipes do Grande ABC na Série B do Campeonato Brasileiro. Acreditem os leitores que me dei ao luxo de observar também vários dos principais momentos de Passione.
Se já não é fácil chegar a conclusões sem risco ao desdobrar-se na TV por dois jogos iniciados e encerrados no mesmo horário como, mais uma vez, foi o caso do São Caetano (contra o Icasa, no Estádio Anacleto Campanella) e do Santo André (em Arapiraca, Alagoas, contra o ASA) imaginem acrescentar pedaços da telenovela das nove?
Não sou de ferro para suportar o dia-a-dia sem o tempero de uma obra de ficção, que, convenhamos, está muito próxima da realidade nossa de cada dia. Passione não tem nada de ficção de fato. Ainda me sobressalto vez ou outra com personagens reais análogos.
Até parece que Silvio de Abreu frequenta ambientes de degeneração ética no Grande ABC. A personagem Clara não é exclusividade da telenovela. Conheço pelo menos dois exemplares de carne e osso que, com alguns retoques, encaixam-se naquele estereotipo. Principalmente na arte de meter a mão no dinheiro alheio. Mariana Ximenes teria muito a aprender com elas. Pena que elas não teriam jamais a beleza e o charme de Mariana Ximenes.
De qualquer modo, como já escrevi, sempre dou um jeito de somar o que vejo nos jogos simultâneos na TV com comentários diversos. Por mais que possa parecer arriscado emitir juízo de valor dos jogos das equipes da região em situações iguais às de sexta-feira à noite, não acredito que possa ser desmoralizado pelos fatos.
Cerquei tudo o que era possível de informação para chegar aos primeiros parágrafos deste texto: o Santo André só jogou relativamente bem e poderia ter assegurado vantagem tática importante se transformasse aqueles primeiros 30 minutos em Arapiraca em algo mais que oportunidades desperdiçadas.
O São Caetano escapou de uma sova em pleno Anacleto Campanella graças ao goleiro Luiz, à fluvial capacidade do ASA em concluir a gol com a precisão de quem tenta acertar um tiro no centro do alvo enquanto afunda em areia movediça e, principalmente, porque colocou gente no ataque quando a vaca estava indo para o brejo. Foi assim que, nos 15 minutos finais, recorreu a duas bolas alçadas na área e virou um jogo que parecia completamente perdido.
O São Caetano de Sérgio Guedes ganhou um jogo em que jamais poderia deixar escapar os três pontos porque está suficientemente organizado para corrigir seus próprios erros, principalmente se o adversário não for de ponta na Série B.
O Santo André de Sérgio Soares perdeu um jogo que as circunstâncias indicavam que poderia mesmo perder porque parece ter reservado gás e pernas para apenas um terço dos 90 minutos, período no qual criou algumas ótimas oportunidades, anulou as principais jogadas do adversário e deu a impressão de que repetiria o entusiasmo da vitória de 3 a 0 diante do América Mineiro, três dias antes.
Como o intervalo de menos de 72 horas e viagem não repuseram energias, e o gol do ASA aos 33 minutos foi uma ducha fria, o Santo André caiu na esparella de derrotas anteriores. Só não está na zona de rebaixamento porque o Bragantino apenas empatou em casa com o Sport Recife, mas saiu de Alagoas sob gritos de “olé” da massa torcedora adversária, fator a ser sempre levado em conta quando de especulações sobre os favoritos ao rebaixamento à Série C. Nesse ponto, o Santo André perde de goleada que merecia ter perdido em campo.
Próximo de completar-se o terceiro dos seis pacotes de 38 jogos da Série B (são quatro pacotes de cinco jogos cada e dois pacotes de quatro jogos cada) o São Caetano precisará possivelmente de mais de 60% de índice de aproveitamento para encerrar o primeiro turno entre os quatro primeiros que estariam na Série A do ano que vem.
Sim, a marca de 60% de índice de aproveitamento que sempre assegurou uma vaga no G-4 está sendo rompida nesta temporada. A Portuguesa é a quinta colocada e soma 62%. Mas a tendência é de redução do índice. Já para chegar ao título o planejamento de pontos deve fixar-se em 75% de aproveitamento, enquanto a fuga do rebaixamento é de 40%. Há margem de segurança em todos esses indicadores, menos, por enquanto, no circunstancial 64% do São Caetano e também do Náutico, o quarto colocado. O Santo André registra apenas 36% de índice de aproveitamento e flerta perigosamente com a zona de rebaixamento. O Bragantino está na linha de corte com 33%.
Duas explicações parecem ajustadíssimas para o sufoco do São Caetano diante do Icasa. Primeiro, a ausência do motorzinho Everton Ribeiro, capaz como poucos de arrumar a passagem do meio de campo para o ataque em alta velocidade. O segundo seria o fastio emocional provocado pela vitória contra o líder da competição, o Coritiba, três dias antes, fora de casa, e um certo descaso com o Icasa. A indolência de posicionamento e de empenho sugeria que o São Caetano venceria quando quisesse. Foi surpreendido por um adversário rápido, valente, asfixiador na marcação e, para sorte do time de Sérgio Guedes, dispersivo como os africanos na Copa do Mundo. Ou seja: com um talento incrível para arrematar mal.
Já a derrota do Santo André não tem complexidade alguma para ser compreendida. O técnico Sérgio Soares, pressionado pelas circunstâncias, promoveu na vitória contra o América Mineiro o terceiro desmanche da temporada.
O primeiro foi a venda dos principais jogadores após o título de vice-campeão paulista.
O segundo foi do time titular treinado durante a parada técnica da Copa do Mundo e que, reiniciada a competição, não conseguiu alcançar resultados desejados.
O time do terceiro desmanche — o da vitória contra o América Mineiro — não suportou o peso da responsabilidade, das pernas e das mesmas pressões de antes em Arapiraca. Tanto que algumas peças foram substituídas durante o jogo exatamente por peças dos titulares vitimados com o segundo desmanche.
O Santo André está em parafuso mesmo e, ao contrário do Campeonato Paulista, não encontra adversários que possam permitir sequência de jogos convidativos à arrumação da fuselagem em pleno voo. A situação está mais que preocupante.
A 15ª rodada do primeiro turno, que começa nesta terça-feira e se encerra no sábado, coloca o São Caetano de saia justa. Vai jogar exatamente nesta terça-feira fora de casa contra um Sport louco para recuperar o rumo. Uma vitória improvável colocaria o time de Sérgio Guedes em situação confortável, de esperar de camarote os jogos de sexta-feira e sábado envolvendo Náutico, Portuguesa e América de Minas. Um empate seria de bom tamanho também, porque garantiria ao menos o quarto lugar ao final da rodada. Uma derrota ameaçaria o time de Sérgio Guedes de deslocamento da zona de acesso por dois dos três adversários citados.
Já o Santo André não tem escapatória: enfrenta no sábado justamente o Bragantino, adversário do qual se distancia apenas um ponto na classificação. Um ponto também da marca de corte da zona da degola. O Estádio Bruno Daniel mereceria um público de seis pontos.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André