O técnico Sérgio Guedes não tem alternativa caso pretenda conduzir o São Caetano com menos turbulência à Série A do Campeonato Brasileiro: para elevar o índice de rendimento é preciso ajustar a equipe nos jogos fora de casa, como conseguiu nos jogos em seus domínios. Se tapar os buracos que o São Caetano exibe quando a torcida adversária é maior e o time mandante se sente mais à vontade para atacar, alcançará a plenitude com que todos os técnicos sonham. A solução está mais próxima da psicanálise do que da quimioterapia. Ou seja: que o técnico Sérgio Guedes requisite literatura de Sigmund Freud, não do persa Muhammad Zakariya Razi.
Mesmo acumulando baixo rendimento fora de casa, o São Caetano conseguiu em 15 rodadas do campeonato uma marca historicamente compatível com o sonho do acesso: 60% de pontos ganhos. Nenhuma equipe deixou de subir para a Série A ao atingir essa marca na última rodada. Isto quer dizer que mesmo que os campos adversários continuem a atazanar a equipe, o acesso será possível se o Anacleto Campanella seguir inexpugnável. Mas é melhor não persistir nessa prática porque o desgaste emocional poderá ser insuportável.
É possível que ao final desta rodada que se desmembra até este sábado o índice de aproveitamento de 60% seja insuficiente à manutenção do São Caetano entre os quatro primeiros colocados que teriam direito de chegar à Série A na próxima temporada. Mas tudo não passará mesmo de provisório. Será apenas questão de tempo o rebaixamento do leito de produtividade.
Os times que estão mais abaixo na classificação tendem a melhorar de produção e, compulsoriamente, o nível de produtividade dos primeiros colocados baixará aos números médios das temporadas passadas. O Sport que goleou o São Caetano no meio da semana em Recife é um desses exemplares. A equipe pernambucana tem cacife para dar a volta por cima e até lutar pelo acesso. Não é qualquer equipe que se reforça com um Marcelinho Paraíba.
Enquanto o São Caetano ocupa a quarta posição na Série B com 60% de índice de aproveitamento (ganhou 27 pontos em 45 disputados) na Série A o Botafogo do Rio não precisou de mais que 50% de aproveitamento (21 pontos em 42 disputados) para chegar à margem de corte do G-4. Ou seja, o time dirigido por Joel Santana estaria assegurado na Taça Libertadores da América com aqueles números. O problema do São Caetano é, como já jogou nesta rodada, cair para o quinto lugar se Portuguesa e Náutico pontuarem neste final de semana.
O caso do São Caetano é típico de equilíbrio assimétrico. Utilizo uma expressão mais econômica que esportiva, mas todos vão entender. Equilíbrio assimétrico é o fenômeno do São Caetano manter um elevado índice de rendimento de pontos nos jogos no Estádio Anacleto Campanella e de cometer pecados capitais fora de casa.
Tirem da lista do São Caetano dois dos jogos que a equipe atuou como mandante no papel, mas disputados no Estádio do Canindé porque o Anacleto Campanella estava em reformas. A derrota para o Figueirense e a vitória contra o Ipatinga não entram na contabilidade que vou expor. Dos sete jogos que a equipe realizou como visitante de fato, com torcida adversária, só ganhou um, empatou três e perdeu os outros três. Somou portanto apenas seis pontos em 21 disputados. Média de 27,57%, que lhe daria um lugar entre os rebaixáveis. Nos jogos em que atuou no Anacleto Campanella, seis no total, o São Caetano ganhou 18 pontos. Rendimento máximo de campeão absoluto. Os outros três pontos foram alcançados como mandante, contra o Ipatinga, no Canindé.
O desempenho em casa, mesmo considerando os jogos do Canindé, é de sólido frequentador da zona de acesso, porque marcou 20 gols e sofreu apenas seis, o que dá a média por jogo de 2,5 a 0,75. Nada melhor, convenhamos. Mas fora de casa o São Caetano marcou apenas nove gols e sofreu 23, o que dá a média de 1,28 gol a favor e 2,42 contra. É claro que o técnico Sérgio Guedes não credita essa numeralha ao acaso. Há fundamentos táticos e técnicos que precisam ser analisados para arrumar a casa como visitante.
Ouso, com as limitações que os jogos transmitidos pela TV impõem, apontar algumas causas dessa estabilidade negativa.
Primeiro, a equipe atira-se ao campo adversário com a mesma face tática que utiliza em casa. O São Caetano encanta a platéia adversária fora de seus domínios porque transforma os mandantes vitoriosos em heróis. Talvez seja hora de o São Caetano dar menos espetáculo e interromper esse circuito de contragolpes adversários. Quem joga em casa tem sempre mais coragem, mais ânimo e mais motivação para atacar. E conta também com a condescendência da arbitragem senão em lances capitais, pelo menos em jogadas que se somam e podem ajudar a fazer a diferença. Na derrota de 4 a 1 para o Sport, o São Caetano dominou os primeiros 10 minutos, pressionou o adversário, o lateral Arthur sofreu um pênalti claro não marcado e, em dois minutos, em bolas paradas, viu ruir a perspectiva de sucesso.
Segundo, e como desdobramento do primeiro quesito, o São Caetano não pode dispensar o jogo mais competitivo feito de infrações providenciais. Contra o Sport excedeu-se em diplomacia. Talvez a ordem do técnico não venha sendo bem entendida: evitar infrações nas proximidades da grande área é uma coisa, esquecer de truncar o jogo em zonas mortas é outra, completamente diferente. O Internacional adotou essa medida com maestria na decisão da Taça Libertadores.
Terceiro, a equipe não pode se envergonhar ao substituir um jogo mais agressivo, mais criativo e mais liberal que impõe em casa por algo menos frugal fora de casa, tratando de reduzir os espaços aos adversários até mesmo com alguns jogadores mais combatentes que criativos. Essa história de afirmar que em time que vence não se mexe é bobagem pura. Um sistema de jogo vencedor em casa não significa que necessariamente será vencedor fora. Cada jogo é uma história e o plano de jogo pode ter mais que uma face. Por exemplo: é impraticável abdicar de marcação mais rígida sobre Marcelinho Paraíba, reforço do Sport junto ao São Paulo e que levou o São Caetano à loucura na Ilha do Retiro. Alguém deveria vigiar o meia-atacante mais de perto. Deixá-lo livre para tabelar o tempo todo com Ciro, centroavante espertíssimo, é pedir para sofrer gols.
O que quero dizer com essas observações (outras poderiam ser feitas, mas isso fica para depois) é que o São Caetano não é um caso para quimioterapia radical por conta da goleada em Recife e de outros vazamentos fora do Estádio Anacleto Campanella. Trata-se de algo mais próximo da psicanálise de Freud. O técnico Sérgio Guedes e os jogadores precisam entender que identidade não é uma moeda de face única. Identidade é saber conduzir as situações de acordo com as necessidades. Jogar dentro de casa e jogar fora de casa não são a mesma coisa. Os números, que não costumam mentir mesmo sob tortura, estão aí para provar.
Talvez a condição de time caseiro seja mesmo suficiente para o acesso à Série A, mas o melhor é prevenir.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André