A nada satisfatória rodada de ontem à noite da Série B do Campeonato Brasileiro para as equipes do Grande ABC mostrou um filme já em cartaz há bom tempo e uma alternativa de dramalhão que pode dar o que falar. O filme conhecido poderia ser chamado de “Dispersividade do Azulão”. O drama não fugiria de “Ramalhão em rota de desespero”. Vou explicar os dois casos, sempre ressaltando que me dividi na TV para acompanhar os dois jogos disputados no mesmo horário.
Mais que no mesmo horário: como Santo André e São Caetano jogaram inteiramente de azul e seus adversários, Ipatinga e Paraná, de branco, de vez em quando me confundia com as imagens ao trocar de canal. Achava que estava vendo um jogo e de fato assistia a outro.
Ainda mais que, também coincidentemente, os times de azul e os times de branco atacaram e se defenderam no mesmo posicionamento em campo. Santo André e São Caetano buscaram o gol à esquerda da tela no primeiro tempo e, evidentemente, à direita no segundo tempo. Um embaralhamento geral que exigia mais atenção para não confundir literalmente as bolas.
O empate com o Paraná foi péssimo para o São Caetano. Só não se tornou péssimo dos péssimos porque ainda foi possível sustentar posição no G-4, por conta de resultados de outros jogos. Mas houve uma queda no índice de produtividade para 58,8%, abaixo portanto dos 60% da zona de conforto. A oscilação pode pesar nas próximas rodadas e comprometer a produtividade no quarto pacote de jogos em que se divide a competição para efeitos de projeção classificatória.
O que determinou mais uma vez um resultado não compatível com a estrutura dinâmica do Azulão foi a incidência no processo crônico de dispersividade. É impressionante como o São Caetano é fluvial em desperdiçar oportunidades que, igualmente, cria com facilidade. Particularmente ontem, deu-se a impressão de negligência diante de um adversário que, aos 35 minutos do primeiro tempo, viu-se reduzido a 10 jogadores. O São Caetano sugeria que venceria o jogo quando bem quisesse, mesmo que sofresse um gol, como sofreu o gol de empate de 1 a 1 no começo do segundo tempo e, imediatamente, recompôs o placar favorável. Deu-se mal no final porque o tempo exíguo contaminou a reação de fatores emocionais que, como se sabe, alteram o comportamento técnico.
Já o Santo André de Sérgio Soares, cultor do ofensivismo desbragado que levou a equipe à decisão do Campeonato Paulista, quem diria caiu na maior retranca do mundo em Ipatinga. Todo mundo ou praticamente todo mundo se lançou ao campo de defesa. O Ipatinga não esperava por tamanha aglomeração defensiva e pareceu aparvalhado durante quase todo o tempo, jogando em câmara lenta, sem criatividade.
Até a expulsão de Cicinho aos 35 minutos do segundo tempo, o jogo morno convinha ao Santo André que merecia amplamente a vantagem mínima, obtida num contra-ataque preparado por um Xuxa desta vez muito mais ativo. Cicinho saiu e o Ipatinga ganhou coragem de atacar, premido pelas circunstâncias de afundar-se ainda mais na zona de rebaixamento. O time mineiro fez o gol de empate num lance de impecável ação coletiva e, em seguida, por duas vezes, quase derrubou de vez a retranca adversária, agora completamente atônita.
O que mais impressiona no São Caetano é a persistência em construir jogadas de ataque e destruir a lógica de que o gol escancarado é um convite ao balançar da rede.
O time de Sérgio Guedes teima em enfeitar o pavão além da conta. Procura sempre e sempre o caminho mais complexo para chegar à festa suprema do futebol. A esse tipo de comportamento técnico não se deve creditar insegurança emocional apenas. Também há recheios de preciosismos, de certa negligência, de tudo que implique estudo mais detalhado. Por isso escrevi ainda outro dia que a solução dos problemas do São Caetano está na psicanálise, não na quimioterapia. É claro que pretendi transmitir a idéia de que o técnico pode amenizar as questões com treinamento, treinamento e treinamento. Não é preciso recorrer a mudanças radicais na equipe principal.
Já a febre defensivista do Ramalhão tem lado positivo, apesar da face negativa de que o desespero já ronda o grupo. Nem seria diferente, diante da pressão do presidente Ronan Maria Pinto, comandante motivacional somente em período de bons resultados e mal conselheiro quando a vaca torce o rabo. Pelo menos já caiu a ficha de que se trata de uma equipe limitada como conjunto e ainda incerta como individualidades. Não há espaço à arrogância e ao romantismo. O Santo André decidiu acreditar que será possível arranjar alguns resultados salvadores fora de casa se amassar para valer a grama no seu campo de defesa e, em contragolpes, surpreender os adversários. Não fossem os últimos 10 minutos de ontem à noite, mereceria ter voltado com os três pontos de Minas Gerais. O empate mantém o Ramalhão na zona de rebaixamento e agrava a possibilidade de distanciar-se de equipes que escapam provisoriamente ou não da degola.
A conclusão que se pode tirar fosse simples analisar as repercussões de uma rodada de um campeonato em que o acesso e o descenso são fatores motivacionais inquestionáveis é que da mesma forma que o G-4 inebria seus frequentadores, dando-lhes certo ar de desdém aos adversários que estão mal na classificação, a zona de rebaixamento é espécie de piloto automático à destruição implacável de conceitos. Ver o Santo André de Sérgio Soares todo atrás é algo semelhante a acreditar que, de repente, José Serra amenizará o discurso eleitoral depois de fazer tudo nos últimos dias para aplacar a debandada do eleitorado em direção a Dilma Rousseff.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André