A operação que culminou com a privatização do futebol do Santo André não permite descuidos avaliativos e interpretativos, sob pena de oferecer-se munição a contra-informações que procurariam desclassificar uma imensidão de verdades e de conclusões. Por isso, vou caminhar com o cuidado de quem sabe que, além de pedras no caminho, não faltariam também armadilhas à desmoralização de argumentos e fatos. A transferência do Ramalhão para a empresa chamada Saged virou esculhambação ética, financeira e econômica.
Seria muita sem-vergonhice ou covardia a indiferença a uma situação que tende agravar-se. Essa constatação recomenda consequente reestruturação do contrato que sustente o Ramalhão em plataforma bem diferente. Quem se opuser a mudança do contrato, originalmente alinhado sem levar em conta o fator Ronan Maria Pinto, que tenha a coragem de se identificar.
Será que a comunidade esportiva de Santo André vai caminhar em silêncio ao tomar conhecimento de detalhes das medidas que culminaram com a privatização do Ramalhão?
Resumidamente, portanto, o fato é que o empresário Ronan Maria Pinto, presidente do Diário do Grande ABC e detentor da maior parte das linhas de transporte público em Santo André, se apossou do Ramalhão sob as bênçãos silenciosas ou amedrontadas de muita gente que não ousa enfrentá-lo por conta da fama de poderoso chefão. Há um desgaste latente entre Ronan Maria Pinto e dirigentes do Esporte Clube Santo André. A insatisfação estende-se a vários acionistas do Saged. Mas a unanimidade mesmo gira em torno de ensaios de bastidores que jamais emergem em forma de ressurreição contra o homem que manda e desmanda no futebol de Santo André.
O Esporte Clube Santo André, que, durante 40 anos, administrou o futebol da cidade, repassou a uma empresa privada, o Saged (Santo André Gestão Empresarial e Desportiva) a responsabilidade de manter e valorizar a tradição do Ramalhão. Ninguém praticamente se opôs à iniciativa. Nem deveria, porque tudo se apresentava como interessante medida estratégica. Basicamente, o Esporte Clube Santo André transferiria a administração do Ramalhão para uma empresa privada, mas manteria o controle da situação.
Tudo bem, não fossem alguns pontos viscerais que o tempo tratou de aclarar: entregou-se de badeja um patrimônio cultural e material, ficou-se com dívidas de então e potencialmente também do futuro, permitiu-se a arrecadação de recursos financeiros de novos acionistas sem qualquer participação compensatória ao clube associativo e, para completar, o mesmo clube associativo, no caso o Esporte Clube Santo André, foi excluído da gestão do Ramalhão. As consequências mais danosas desse chega-pra-lá é questão de tempo. Mais dia, menos dia, teremos os resultados mais que inquietantes desse distanciamento ditado pela autocracia do Saged de Ronan Maria Pinto.
Como fiz ainda outro dia para dissecar o estado vegetativo do Ramalhão como organização supostamente respaldada pelo empresa chamada Saged, vou destrinchar de forma didática esse Negócio da China que está virando mico. Vejam os tópicos sobre os quais me debruçarei.
1. Repasse privilegiado de capitalização.
2. Estoque valioso de atletas.
3. Comprometimento jurídico.
4. Escanteamento gestor.
Acredito que esses quatro pontos são nucleares às explicações e interpretações necessárias para comprovar que o Ramalhão privatizado é — até revolução em contrário — um atestado de óbito aos anseios da sociedade que esperava o fortalecimento de uma marca entre as 40 principais do País.
1. Repasse privilegiado de capitalização. Dono de 100% do controle do Ramalhão, ou seja, do futebol de Santo André, o Esporte Clube Santo André ficou com apenas 20% das ações do Saged no acordo firmado em maio de 2007, quando se efetivou a privatização. Os demais 80% foram capitalizados pelo Saged em forma de ações. O potencial de receita só com essa operação atingia a soma de R$ 9,6 milhões. A maioria das ações negociadas passou de forma direta ou indireta ao controle do empresário Ronan Maria Pinto, de fato presidente do Saged praticamente desde o lançamento da empresa. Isso tudo significa que, em troca da potencialização do Ramalhão, o Esporte Clube Santo André cedeu uma marca valiosíssima construída havia quatro décadas, período no passou por várias crises, todas debeladas de alguma maneira com o suporte de dirigentes, conselheiros e torcedores. É verdade que o Esporte Clube Santo André vivia momentos de tensão e desesperança naquele maio de 2007 e que a formulação da sociedade empresarial configurava-se salvação da lavoura para o enfrentamento de um quadro nacional cada vez mais mercantilizado no futebol profissional. Entretanto, a emenda tem-se mostrado pior que o soneto, conforme expus no artigo indicado abaixo.
2. Estoque valioso de atletas. Além da marca e do legado cultural, o Ramalhão privatizado pelo Saged reunia estoque de jogadores formados durante o período do chamado Santo André Jovem. Esse programa de revelação de atletas foi lançado pelo então presidente Jairo Livolis para desafiar e superar as dificuldades de formação e reposição de jogadores num mercado cada vez mais concorrencial. Todos os atletas do Esporte Clube Santo André, profissionais e das equipes de base, foram repassados ao Saged. Vários deles acabaram negociados antes mesmo de amadurecerem e se valorizarem. Williams foi para o Flamengo, Maicon Leite e Pará para o Santos, entre muitas transferências. O Saged, como o Esporte Clube Santo André anteriormente, não consegue reter jogadores para valorizá-los em negociações. O cronograma de despesas contrata a emergência.
3. Comprometimento jurídico. O Saged não é um clube-empresa na acepção jurídica do termo. É apenas uma administradora privada do Ramalhão, como se tornou conhecido o ramal representativo do futebol do Esporte Clube Santo André. Entre outros pontos inquietantes isso significa que, em última instância, eventuais inadimplências com fornecedores e atletas e também com órgãos governamentais, como a Previdência Social e a Justiça do Trabalho, poderiam ser estendidas ao Esporte Clube Santo André. Desde a privatização, o Esporte Clube Santo André já quitou perto de R$ 2 milhões de dívidas trabalhistas e previdenciárias. As pendências referiam-se à data anterior à assinatura do contrato de gestão do futebol pelo Saged. Isso significa que o Saged herdou toda a riqueza de estoque esportivo sobre chuteiras e vagas importantes no Campeonato Paulista e no Campeonato Brasileiro, enquanto ao Esporte Clube Santo André sobraram dívidas originárias das decisões que ajudaram a manter o Ramalhão entre os principais clubes do Estado de São Paulo e uma vaga na Série B do Campeonato Brasileiro. Outros passivos trabalhistas e previdenciários estão em curso. É potencialmente elevada a possibilidade de, no futuro, por conta de contratos firmados pelo Saged, ter-se avolumada a lista de despesas não orçamentárias do Esporte Clube Santo André. Os contratos firmados com jogadores e membros da comissão técnica do Ramalhão só são reconhecidos na esfera esportiva se assinados pela direção do Esporte Clube Santo André. Ou seja: o Saged é de fato e de direito apenas a empresa administradora do Ramalhão, enquanto o Esporte Clube Santo André é o agente esportivo reconhecido oficialmente nas instâncias esportivas — com os rescaldos jurídicos compatíveis na esfera judicial.
4. Escanteamento gestor. Por conta de implicações econômicas e financeiras que poderão atingir o Esporte Clube Santo André não tem sentido a exclusão prática da agremiação associativa das instâncias decisórias do Saged. O Esporte Clube Santo André deveria ter representatividade legal equitativa à soma dos representantes da vertente empresarial do Saged. Essa é uma condição cautelar à preservação de equivalência de compromissos e responsabilidades dos integrantes da sociedade empresarial, independente de quem ocupe a presidência do Saged. A gestão do Saged está completamente desvinculada dos cuidados que o Esporte Clube Santo André deveria ter para que a privatização do Ramalhão não ofereça desdobramentos desclassificatórios à saúde financeira e econômica do clube associativo. Nada indica que o Esporte Clube Santo André deixe de contabilizar desagradáveis surpresas com o acúmulo de dívidas que, para efeitos hierárquico-legais, fugiriam da esfera do clube empresarial denominado Saged. O recolhimento de impostos, algo que se tem efetivado com atrasos, poderá descontrolar-se mediante avanço de crise financeira do Saged. É sempre bom lembrar que o Saged deve acumular passivo próximo de R$ 12 milhões em então 3,5 anos de atividades. Um estouro da boiada, porque esse valor é equivalente às receitas desta temporada. Longe de apresentar essa sintomatologia de debilitamento econômico-financeiro, o Esporte Clube Santo André abriu mão da gestão exclusiva do Ramalhão, quando o sonho de clube-empresa era cultuado como salvação da lavoura. A dívida do Saged passaria de R$ 25 milhões no final do ano caso não tivesse recebido do Esporte Clube Santo André o estoque de atletas e também valores relativos à capitalização com a venda de ações.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André