Quem diria que a turbulência e a estabilidade trocariam de lado, ou de dístico, neste final de primeiro turno da Série B do Campeonato Brasileiro? Não é que o São Caetano de campanha mais que satisfatória ao longo da competição derrapou nas últimas rodadas, quando ganhou apenas um ponto em 12 disputados, e agora pena numa zona de turbulência que o excluiu do grupo dos quatro primeiros com direito a subir para a Série A? E que o Santo André, de desmanche em desmanche, depois do vice-campeonato paulista, parece ter encontrado um certo e providencial equilíbrio?
Vamos terminar o primeiro turno sem um representante entre os quatro primeiros e provavelmente com a manutenção do Santo André na zona de rebaixamento. Teremos 19 rodadas do segundo turno para consertar o que tem de ser consertado, mas há certo exagero de quem imagina que os números serão tão radicalmente alterados a ponto de promover milagres classificatórios.
O desnível entre os concorrentes do principal campeonato de acesso do País é tão pouco acentuado que não convém ilusionismos matemáticos como força motivadora do elenco de jogadores. Vale mais trabalhar, trabalhar, trabalhar — e falar menos.
O que mais preocupa no São Caetano que temos visto em campo com as dificuldades e as limitações que a televisão impõe, quando não os jogos sobrepostos com o Santo André, é um time que não só perdeu o rumo ofensivo como desmanchou-se defensivamente diante do Duque de Caxias.
Ganhar apenas seis pontos em 27 disputados fora de casa é muito mais que uma coincidência. Trata-se de deficiência que precisa ser corrigida porque até mesmo a quarta posição, aparentemente a salvo desse desequilíbrio, poderia ser comprometida. Como, aliás, já dá sinais nesse sentido.
A invenção do técnico Sérgio Guedes no primeiro tempo no Engenhão, quando escalou três zagueiros, talvez seja mais que um desastre tático. O Azulão treinou mal para aplicar aquela mudança ou se perdeu no próprio jogo. Os três zagueiros causaram desarranjo coletivo que retirou a força do contragolpe já debilitado fora de casa.
O pior dos dramas do Azulão foi a precária compactação entre os setores. Os zagueiros ficaram desgarrados do meio de campo e o meio de campo desgarrado dos dois atacantes. Por esses espaços ociosos o Duque de Caxias deitou e rolou. Não fosse Silvio Luiz e seus milagres, a elasticidade do placar poderia acrescentar mais fervura na inquietação das últimas rodadas. O São Caetano jamais se apresentou tão cheio de buracos. Compactação, compactação, compactação — eis a palavra de ordem que Sérgio Guedes deveria fazer os jogadores repetirem enquanto treinam. Neurocientistas dizem que esse tipo de mentalização ajuda muito na prática.
Já o Santo André demonstrou personalidade e empenho contra um Bahia excessivamente defensivo no primeiro tempo e mais solto no segundo. O time de Sérgio Soares ganhou um zagueiro (Victor Hugo) que corrige um antigo problema de postura defensiva. Agora já não é um convite ao contragolpe adversário porque Victor Hugo consegue estar no lugar certo na hora certa. O meio de campo ganhou força com dois volantes, algo que Sérgio Soares abominava, e o ataque conta com o suporte de um Makelelê discreto mas eficiente na construção de jogadas pelas laterais e de um Xuxa muito mais intenso. Nando e Richely só precisam calibrar melhor os chutes. Eles se movimentam o tempo todo.
Mantenho a projeção de que 60% de índice de rendimento serão suficientes para garantir pelo menos o quarto lugar na classificação final e que com 40% se foge do rebaixamento. Ao final deste primeiro turno, o Bahia é o quarto colocado com 55,5% e o Santo André o primeiro da linha de rebaixamento com 37%. Isso significa que o São Caetano (51,85%) e o Santo André vão ter mesmo que melhorar de rendimento. Nada que seja extraordinário para que as duas equipes alcancem objetivos mais compatíveis com o que já realizaram, de acesso do Azulão e de fuga do rebaixamento do Ramalhão.
O presidente Ronan Maria Pinto está no Diário do Grande ABC de hoje com sua dose sempre rudimentar de motivação. Depois da desastrosa intervenção de ameaçar jogadores e comissão técnica, agora aparece prometendo o sonho do acesso na temporada. Para isso, basta a equipe chegar a 80 pontos nos 20 jogos que restam. O dirigente não tem intimidade com os números porque, para chegar à Série A do Campeonato Brasileiro do ano que vem, o Ramalhão precisaria somar 69 pontos (60,52% de índice de rendimento). Com 80, seria campeão da temporada.
Trocando em miúdos, até para que Ronan Maria Pinto possa ilustrar palestras motivacionais aos jogadores com o suporte estatístico fundamentado no histórico da competição, o índice de rendimento do Ramalhão nos 20 jogos que restam, a partir do jogo deste sábado contra o Náutico, em Recife, precisa atingir 81,6%. Dessa forma, o quarto lugar estaria assegurado. Trata-se de performance descomunal, já que o líder Figueirense registra após 19 rodadas o índice de 64,8%.
O que isso significa? Significa que o Santo André, salvo uma arrancada típica do Fluminense no ano passado, quando, de morto, sobreviveu na competição, deve mesmo orientar os jogadores dentro de uma lógica exequível, para que falsas projeções não acumulem mais estresse e aumentem o risco de rebaixamento.
Já ao São Caetano de Sérgio Guedes e do presidente Nairo Ferreira o melhor mesmo é manter a tranquilidade e, também, evitar precipitações. A adoção de um terceiro zagueiro repercute na engenharia tática de forma decisiva e, quando introduzida no meio de uma competição, sem treinamentos exaustivos, provoca complicações. Circunstancialmente é possível mexer para fortalecimento defensivo do grupo, mas um jogo fora de casa em momento delicado na competição não parece a melhor alternativa.
Há circunstâncias que nos obrigam a mexer o mínimo possível no que eventualmente não esteja a contento, porque a emenda poderá ser pior que o soneto. O caso de Sérgio Soares, no Santo André, é exemplar: somente depois de abandonar experimentações e de definir um novo time titular apareceram sinais vitais que sugerem retomada na competição.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André