Esportes

Uma maratona que não pode ser
tratada como prova de velocidade

DANIEL LIMA - 06/09/2010

O Campeonato Brasileiro da Série B (e também da Série A) é uma maratona. Por isso não pode ser tratado como prova de 100 metros rasos. Encerrado o primeiro turno de 19 jogos e às vésperas da primeira rodada de novos 19 jogos, nesta noite de terça-feira, o melhor que as equipes do Grande ABC podem fazer é redefinir os planos de ação. A situação não é cronicamente inviável. O São Caetano começa o returno três pontos atrás da linha de corte à Série A, ocupada pelo Bahia, e o Santo André na área de rebaixamento, dois pontos abaixo do limite da salvação, ocupado pelo Bragantino.


O Azulão precisa mais que a repetição dos 28 pontos do primeiro turno para chegar entre os quatro primeiros, mas a situação não é dramática. Complicou-se, é verdade, após somar apenas um nos últimos 15 pontos que disputou. E o Ramalhão também precisa mais que novos 20 pontos que somou até agora para fugir da degola, mas nada que evoque o Sobrenatural de Almeida, que aliviou a barra do Fluminense no ano passado.


Se a cabeça estiver no devido lugar e o açodamento dos mais apressados e intolerantes for esterilizado do ambiente, deveremos encerrar a competição com saldo positivo. E o que é saldo positivo? Primeiro, mantendo-se as vagas do Grande ABC na competição. Segundo, quem sabe, comemorando pelo menos um acesso.


Soluções radicais que os leitores inteligentes sabem muito bem do que se trata não podem ser simplificadas ao sabor de tropeços seguidos, como é o caso do São Caetano, ou de reação intermitente, caso do Santo André. Exceto se repercussões internas fragmentarem irrecuperavelmente as relações de confiança.


É preciso chamar a atenção para algo que a maioria subestima, tanto no calor da análise de jogos individuais quanto na observação do conjunto da obra classificatória: tanto o Santo André quanto o São Caetano não estão sozinhos na competição. Nenhuma das duas equipes joga contra o vento, como sugerem um e outro reducionista.


Há sempre, a cada jogo, um adversário em campo, e, na competição, um mundaréu de concorrentes tradicionais ou mais ou menos tradicionais disputando os mesmos objetivos. Caímos sempre na baboseira de acreditar que não existe nenhuma equipe a contrapor-se às nossas. Desprezamos com arrogância os méritos dos adversários. Achamos que somente São Caetano e Santo André prepararam-se durante a parada técnica da Copa do Mundo.


Pura bobagem. Numa competição como essa em que não há bichos papões, papudos são todos aqueles que se julgam os melhores do pedaço.


O São Caetano precisa de uma vitória reconfortante para voltar a equilibrar-se emocionalmente, porque está claramente abalado. Nada melhor que sair de Florianópolis nesta terça-feira com três pontos ou mesmo com um empate. O líder Figueirense é um facilitador nesse sentido, entendo-se por facilitador um adversário que se apresenta com características compatíveis com o modelo de futebol do São Caetano. Joga e deixa jogar, daí ter acumulado 61 gols a favor e contra em 19 jogos, média de 3,21% por jogo. Só perde para o próprio São Caetano, com 62 gols, e empata com o Santo André, com 61 gols.


Trata-se de duas equipes que gostam de jogar o jogo com mais qualidade técnica e menos cuidados defensivos. O São Caetano andou se perdendo, é verdade. Confunde pressa com velocidade, precipitação com ofensividade. Caso não se reencontre com o que chamaria de tempo de jogo, processo em que o ritmo é ditado pela inteligência, dificilmente recuperará a paz em campo. Compactação e recomposição deveriam ser mantras da equipe, no ataque e na defesa.


A derrota em casa para um Vila Nova que se recupera na competição precisa ser o último estágio de uma derrocada inesperada. Quem imaginaria que o São Caetano, até pouco tempo num processo de ajustes, pudesse entrar em parafuso? O emocional está em frangalhos e por mais que ações internas sejam importantes, nada sustentará uma reação se os resultados não aparecerem.


A consolidação de time caseiro que nem caseiro tem conseguido ser mais é um imperativo. A hora é de reagir, sob a ameaça de, mesmo a três pontos da zona de classificação, começar a ser pressionado pela zona de rebaixamento. Oito pontos de distância da zona de risco em 57 pontos a serem disputados não são uma distância ao desarme desdenhoso.


Já o Santo André que perdeu para o Náutico na última rodada do primeiro turno foi muito melhor do que alguns se manifestaram na imprensa. O time de Sérgio Soares deu mais uma vez mostra de que começa a ganhar corpo coletivo. Esperar maior objetividade e precisão nas finalizações nessa fase de reestruturação é exigir demais. Embora a equipe tivesse o controle do jogo em Pernambuco, perdeu porque o Náutico foi mais objetivo. Posse de bola, como se sabe, nem sempre é prova de letalidade. O Santo André sofre consequências de ter atacantes ainda sem confiança na capacidade de converter oportunidades em gols.


O Santo André está à procura de novo arranjo técnico e tático, que, goste-se ou não, requer tempo para maturação, enquanto o Náutico, mesmo aquém de rendimento de quem está às portas do G-4, encurta a distância em relação ao gol adversário com jogadas ditadas pela automaticidade dos treinamentos e jogos nos quais sofreu menos mudanças na escalação.


Quando digo que a Série B é maratona não 100 metros rasos quero sugerir que não há como escapar de planejamento estratégico de classificação e de monitoramento do projeto. Os referenciais dos índices de rendimento para chegar em primeiro lugar, para ficar entre os quatro primeiros com direito a acesso à Série A e para fugir do rebaixamento não são invencionices. São indicadores consolidados pela prática numérica de edições anteriores.


Nesse ponto, o Santo André que tem 20 pontos precisará fazer uma campanha igual a do Duque de Caxias no primeiro turno (26 pontos ganhos) para garantidamente fugir do rebaixamento. Desta forma, somaria 46 pontos e atingiria 40,35% de índice de aproveitamento. Nada fora das possibilidades da equipe mais uma vez remontada por Sérgio Soares.


Já no caso do São Caetano, o acesso à Série A não é um milagre. Com 28 pontos ganhos, teria de somar 40 no segundo turno (ou 70%) para chegar sem o menor risco entre os quatro primeiros.


Tanto no caso do Santo André quanto do São Caetano, a contabilidade está indexada a uma zona de integral conforto classificatório, mas é possível que com menos de 60% de aproveitamento se chegue à Série A e com menos de 40% se livre da Série C. O primeiro turno terminou tendo como referência 54,38% de índice de aproveitamento para chegar à Série A (31 pontos do quatro colocado Bahia em 57 pontos disputados) e 38,59% do Bragantino para fugir do rebaixamento — 22 pontos em 57 disputados.


Entretanto, nada melhor que estabelecer os índices levando-se em conta o esticamento da produtividade das equipes. Dessa forma, apenas nas rodadas finais da competição será possível reajustar os números com provável redução das exigências ditadas pelos indicadores.


Trabalhar com gorduras é sempre muito mais interessante que atuar no fio da navalha. Não fosse assim o São Caetano estaria numa situação delicadíssima nestas alturas do campeonato. Já o Santo André, parece que já se deu ao luxo de cometer todos os pecados possíveis no primeiro turno. Regularidade passa a ser palavra de ordem. Por isso, não convém apressar o passo da recuperação coletiva que parece bem encaminhada. Ainda há tempo suficiente para o reequilíbrio do São Caetano e o acerto estrutural do Santo André.


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