Esportes

Pragmatismo explica queda de
Sérgio Guedes e Sérgio Soares

DANIEL LIMA - 22/09/2010

Sérgio Guedes foi demitido do comando técnico do São Caetano após a goleada diante do Ipatinga sexta-feira passada em Minas Gerais e Sérgio Soares foi demitido hoje pelo Santo André após a derrota de ontem à noite para a Portuguesa no Canindé. Há um fio desencapado que liga as duas decisões. Faltou pragmatismo tático a ambos os treinadores. Sobrou curto-circuito na relação com os dirigentes.


Quem imaginou, ao ler o título acima, que pragmatismo se refere ao comportamento de diretores dos dois representantes da região na Série B do Campeonato Brasileiro, não tomou o caminho integralmente equivocado. Também esse poderia ser o resumo da ópera quando vista pelo viés dirigente de anunciar a demissão dos dois treinadores num intervalo vizinho de tempo. Afinal, não há mais tempo a perder e a substituição de treinador é o caminho mais curto na tentativa de alterar o rumo dos resultados. Faz parte da cultura esportiva nacional.


Não havia mais o que fazer para estender o contrato dos dois treinadores. A então 16 rodadas do encerramento da competição, o São Caetano não poderia deixar escapar o cavalo arreado da tentativa de ainda chegar entre os quatro primeiros. E a 15 rodadas do final, o Ramalhão não poderia insistir num modelo de treinador que também não encaixou os resultados esperados para retirar a equipe da zona de rebaixamento ou traçar uma expectativa consistentemente positiva.


A diferença entre o São Caetano e o Santo André na substituição de treinador é que o Azulão se comportou de forma mais madura e respeitosa. Sérgio Guedes foi exonerado do cargo sem estardalhaço e, principalmente, sem que tenha passado pelo corredor polonês público de queimação de imagem, processo que atingiu em cheio a Sérgio Soares no Santo André.


Explico o que se passou com Sérgio Soares, algo que leitores comuns não conseguem detectar.


Recorram a duas ou três edições do Diário do Grande ABC da semana passada. Vejam o quanto foi entronizado no mundo dos deuses o superintendente Carlos Arini, que retornou ao clube após passar pelo Vitória da Bahia. Carlos Arini integrava a comissão técnica na campanha vitoriosa do Ramalhão no Campeonato Paulista deste ano.


Carlos Arini foi incensado como salvador da pátria enviado por Ronan Maria Pinto ao núcleo dos atletas. Falou, falou e falou. Passou publicamente por cima da autoridade do treinador em reuniões com jogadores e comissão técnica. Chegou à inconveniência de afirmar que o Santo André do Brasileiro foi quase que inteiramente formado por ele, tanto quanto o time que atuou no Paulista. E que por isso mesmo recuperaria terreno na competição.


Carlos Arini agiu escandalosamente como interventor técnico, a pretexto de incentivar o grupo.


Sérgio Soares não merecia passar por tamanho desrespeito hierárquico. Até prova em contrário quem está habilitado a comandar um grupo de jogadores é o treinador. Proximidade com dirigentes remunerados ou não também deve fazer parte do enredo de sensibilização em busca do sucesso, mas nada que ultrapasse a dignidade do comandante de fato.


Façam um exercício de memória e vejam se conseguem capturar algo semelhante em outros clubes. Quando um técnico é submetido publicamente à condição de subalterno de um dirigente remunerado, o caminho para o esmigalhamento da autoridade junto aos atletas é compulsório.


Sérgio Soares deixou o Santo André carregando provavelmente essa mágoa. Depois da brilhante campanha no Campeonato Paulista, quando teve importância relevante nos resultados (inclusive nas possibilidades de ganhar o título, quando escalou equivocadamente Rômulo na lateral-esquerda) o treinador merecia mais respeito.


Sérgio Guedes deixou o comando do São Caetano por conta da derrota acachapante diante dos mineiros do Ipatinga. Mais que os
4 a 1 o que pesou mesmo — e explica o resultado — foi a postura da equipe. Em vez de jogar com simplicidade, com cuidados defensivos, explorando os contragolpes diante de um time ameaçadíssimo pelo rebaixamento, Sérgio Guedes inventou uma linha avançada de zagueiros (a chamada linha-burra) e foi colhido em sucessivos contra-ataques. Ou seja, entregou ao adversário a letalidade de contragolpes que o Azulão deveria explorar.


Linha-burra, como ficou popularmente conhecido o movimento sincronizado de avançar os zagueiros em direção ao meio de campo, compactando espaços com meiocampistas e atacantes, é uma ação coletiva que não pode invadir o terreno do sortilégio.


O Corinthians de Mano Menezes e de Adilson Batista explora muito esse posicionamento. Trata-se, entretanto, de característica sedimentada ao longo de três anos e que sempre revela complicações. Por exemplo: quando pelo menos um dos dois zagueiros de área (Chicão e William) fica fora de combate ou quando o adversário conta com atacantes rápidos que se projetam em direção à bola lançada em ponto futuro. O Fluminense com Rodriguinho no segundo tempo do Engenhão, semana passada, provocou alguns contratempos aos corintianos, inclusive no gol carioca.


A queda de Sérgio Soares não se deu apenas por conta da derrota para a Portuguesa, ontem à noite. A sucessão de resultados que mantiveram a equipe na zona da degola está na raiz dos problemas. Mas, mais uma vez ontem, o Santo André subestimou a fragilidade de sistema defensivo excessivamente liberal. Jogou como se estivesse em casa contra um adversário mais qualificado e que tenta chegar entre os quatro primeiros.


O Santo André poderia ter saído de campo sob o peso de uma goleada ao final do primeiro tempo e só dominou boa parte do segundo tempo porque o técnico adversário se acovardou ao colocar um terceiro zagueiro.
Mas, mesmo com tudo isso, a derrota também pode ser debitada ao árbitro, que apitou um pênalti em agarra-agarra claramente mútuo (isto é, sem que a iniciativa fosse unilateral num primeiro movimento) em bola alçada na área. Mais tarde, no segundo tempo, em jogada semelhante, na área Lusa, preferiu ignorar.


Talvez tenha faltado aos dois Sérgios senso mais apurado de observação do mundo da bola, preocupados que estavam com os grupos de atletas sob seus comandos. Bastava espiarem o quanto de cauteloso foi o São Paulo domingo contra o Palmeiras, atuando com três zagueiros e apostando em contragolpes. Tanto apostou que foi de um tiro de meta de Rogério Ceni que se criou quase que por acaso o primeiro gol da vitória tricolor, consolidada a seguir após dois erros seguidos de intervenção de jogadores palmeirenses.


Até mesmo os treinadores de times mais ajustados taticamente não abrem mão de cuidados defensivos quando os jogos se apresentam mais indigestos, sobretudo no campo adversário. Sérgio Soares e Sérgio Guedes apresentaram dificuldades para distinguir as circunstâncias de cada compromisso e, principalmente, o que é jogar em casa e jogar fora de casa. Por isso, a casa caiu.


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