Dispenso estudos esportemétricos, que em muitos casos não passam de chutometria. Por isso, decidi adotar um indicador próprio (Índice de Probabilidades de Acesso e Descenso) para aferir as possibilidades de São Caetano e Santo André na Série B do Campeonato Brasileiro. Ao restarem 14 rodadas para o encerramento da disputa (ou 37% da programação que se estenderá até 5 de dezembro) ouso escrever que o Azulão reúne 20% de possibilidades de disputar a Série A do ano que vem e o Ramalhão 40% de cair para a Série C. Semanalmente vou ativar o dispositivo de atualização porque o dinamismo do futebol aconselha números definitivos apenas quando a competição termina.
Os leitores que não derem bola para o que vem em seguida devem ter razões semelhantes para não botar muita fé nos numerologistas esportivos.
Entretanto, na tentativa de convencer parte do leitorado, vou explicar como funciona a metodologia. Antecipo que é uma mistura de fatores objetivos e subjetivos. Futebol não é ciência exata, por mais que o dinheiro investido acabe por preponderar no rumo dos resultados.
No fundo, incorporo parte das numeralhas dos palpiteiros que se dizem cientistas esportivos mas que acabam driblados pela bola (quem diria que o Fluminense escaparia do rebaixamento no ano passado e que o São Paulo ganharia o título de 2008?) e acrescento algumas pitadas de observações.
Quem quiser saber do que se trata, que me siga. Não precisa acreditar piamente, mas também não joguem fora as elucubrações. Até porque, cauteloso, vou atualizar os dados a cada rodada. Como fazem os propagadores da esportemetria — versão futebolística dos economistas versados em econometria. Ou seja: as probabilidades são móveis, renováveis de acordo com as circunstâncias de cada rodada.
Basicamente, são três núcleos que compõem o Índice de Probabilidades de Acesso e Descenso.
1. Estrutura Técnico-Tática.
2. Estrutura Institucional.
3. Estrutura Matemática.
Estrutura Técnico-Tática significa o poderio de cada equipe na competição. Trata-se de fator de mensuração complexa. Há 20 equipes e a cobertura da Imprensa distancia-se do que se observa, por exemplo, na Série A. De qualquer forma, observando-se atentamente as equipes em campo, mesmo que sem a frequência recomendada, é possível extrair análises elucidativas.
Levam vantagem preliminar nesse quesito equipes que integram o Clube dos 13, formado por 20 representantes do futebol brasileiro, a maioria integrante da Série A. Essas agremiações contam com recursos financeiros robustos das transmissões de TV, fator indutivo ao desequilíbrio da competição. Dinheiro mal aplicado pode ser complicador também. Embora a bola não entre por acaso, nem todos as equipes transformam repasses do Clube dos 13 em produtividade em campo.
O peso da Estrutura Técnico-Tático tem muito a ver com a qualidade de contratações. Entenda-se qualidade como ingrediente que associa reforços com preenchimento de buracos individuais e coletivos num elenco. O Santo André do primeiro semestre deste ano, vice-campeão paulista, foi uma sintonia perfeita de Estrutura Técnico-Tática. O Atlético Mineiro da Série A do Brasileiro é um desastre, concebido sob a perspectiva de disputar os primeiros lugares e nestas alturas do campeonato a caminho da Série B.
Não há mágica no futebol. Nem tudo que parece completamente certo é completamente certo. Muito pelo contrário: muitas vezes torna-se completamente equivocado.
O São Caetano leva nítida vantagem sobre o Santo André na Estrutura Técnico-Tática Está muito mais organizado. O Ramalhão sofreu desmanche assim que terminou a competição estadual e, em seguida, com elenco reformulado e resultados negativos acumulados, lançou-se a novo desmanche.
O São Caetano trocou duas vezes de técnico. Substituiu Roberto Fonseca excessivamente defensivista por Sérgio Guedes excessivamente liberal. A expectativa de que Toninho Cecílio seja o ponto de coesão entre defesa e ataque é a pedra de toque do encaixe desejado. Basta organizar uma equipe menos vulnerável na defesa e menos reticente no ataque. Como a do jogo contra a Ponte Preta, que marcou a estréia do treinador.
O Santo André — e o empate em casa diante do Guaratinguetá é emblemático — não desperta a menor confiança se o referencial for equilíbrio entre os sistemas defensivo e ofensivo. Foram tantas as mudanças individuais e tantas as mexidas táticas ao longo da competição que somente um lunático arriscaria dizer que, em poucas rodadas, o Ramalhão pode empreender recuperação a ponto de deixar o desconforto e, depois, a ameaça de voltar a zona de rebaixamento.
O erro de Sérgio Soares — demitido na semana passada — foi insistir numa formação ofensiva sem dispor da letalidade do ataque do Campeonato Paulista. A perda de Bruno César, Rodriguinho e Branquinho, atacantes contundentes, não ficaria impune. Além do apetrechamento individual, eles conheciam os atalhos para chegar ao gol adversário. O Santos que o diga nos dois jogos da finalíssima.
O peso relativo da Estrutura Técnico-Tática é muito maior que os outros dois núcleos que definem o comportamento de uma equipe numa competição, para o bem do acesso e para o mal do descenso. Mas é interdependente desses mesmos fatores.
O São Caetano pode melhorar o rendimento nesse quesito entre outras razões porque tem jogadores qualificados, muitas opções no banco de reservas e a perspectiva de que o novo treinador saberá dar uma guinada em direção a algo que parecia insolvente no grupo: poder de competitividade mais abrasivo, decorrente de maior aguerrimento, que se associaria com a técnica individual elevada para os padrões da competição.
O Santo André é um saco de gatos que não inspira confiança. Ao contrário do São Caetano, acusa deficiências que se têm caracterizado fatais. Sobretudo no meio de campo, cuja capacidade de marcação é baixa. Ainda mais agora que Alê foi negociado com o Atlético Mineiro. Não bastasse a fragilidade destrutiva no setor, os laterais-alas Cicinho e Andrezinho — e também os reservas imediatos — marcam mal e cobrem pessimamente. Os zagueiros de área (Douglas, Vitor Hugo, Marcelo Godri e mesmo Wendel, deslocado eventualmente como terceiro integrante do setor) são mais ágeis e fazem cobertura mais rápida que ex-titulares. O perigo é que cometem falhas individuais além da conta. Jogam o tempo todo pressionados por falta de proteção do meio de campo.
O segundo tempo do Santo André diante do Guaratinguetá foi tormentoso. Bastou o adversário ajeitar-se taticamente para o Ramalhão reviver dramas anteriores. A organização do primeiro tempo dissolveu-se completamente no segundo.
Estrutura Institucional é o quanto cada equipe reúne de capital organizacional tanto na administração interna, do dia-a-dia de suporte ao elenco, quanto no ambiente municipal ou regional em que está inserida, completando-se com a representatividade nas esferas de poder do futebol — no caso da Série B, a Confederação Brasileira.
O São Caetano também leva vantagem sobre o Santo André nesse quesito, mas as duas agremiações perdem para a maioria dos concorrentes. Sem entrar em detalhes se o ambiente interno, de elenco e diretivo, é melhor no São Caetano ou no Santo André, e sem, também, correr o risco de mensurar o quanto estão bem nas relações diplomáticas com os poderes do futebol, está caracterizada a debilidade no critério de apoio municipal ou regional. Ou alguém seria capaz de negar que a baixíssima frequência de torcedores nos jogos no Anacleto Campanella e no Bruno Daniel é agente complicador para quem quer subir ou para quem quer evitar a queda?
Querem um exemplo claro do quanto a falta de torcedores nas arquibancadas impede que determinadas jogadas tenham outro enredo? Vejam o lance em que o zagueiro Marcos Aurélio, do Bragantino, acerta um atacante do São Caetano, no jogo de terça-feira passada no Anacleto Campanella. Ele errou o chute e atingiu a canela do adversário que invadia a grande área para lhe tomar a bola. O árbitro não marcou o pênalti. Dificilmente interpretaria a bobagem como involuntária se o ambiente mais aquecido da arquibancada o pressionasse.
Já imaginaram a mesma jogada numa Ilha do Retiro lotada de torcedores do Sport Recife?
Quem afirma que o ambiente proporcionado por torcedores não interfere no resultado desconhece estatísticas do futebol, as quais apontam prevalecimento dos fatores campo e torcida. É claro que time medíocre jamais conseguirá alterar significativamente a diferença técnico-tática que o separa de um visitante mais qualificado, mas mesmo um time medíocre sempre consegue maior percentual de produtividade nos jogos em casa. Mesmo os melhores times baixam o rendimento fora de casa.
O Corinthians demorou para descobrir que tem potencialmente mais sucesso no Pacaembu como mandante do que no Morumbi, onde sempre se sentiu visitante. O mesmo Morumbi onde o São Paulo é quase imbatível.
Agora imagine, ao longo de um campeonato, a diferença que faz um time que tem torcida no processo de sensibilização da arbitragem, e um time cujos visitantes, tanto a arbitragem como o adversário, não são molestados ambientalmente?
Estrutura Matemática resume-se ao quadro classificatório. Os números que aparecem, desdobrados em vários quesitos — pontos ganhos, vitórias, empates e derrotas, gols-pró e gols-contra, bem como saldo de gols e índice de aproveitamento — são extratos de vetores técnico-tático e institucional. São quadros que refletem o rendimento no gramado que, por sua vez, é satisfatório ou insatisfatório conforme estruturas que os embalam ou os estilhaçam.
O quadro classificação é a síntese grupal do rendimento individual das equipes.
E os números, como se vê, não estão ali por acaso. O São Caetano alcançou grande resultado na sexta-feira ao vencer a Ponte Preta em Campinas, apesar da arbitragem caseira de Rodrigo Bragetto. Com isso, chega a 20% de possibilidades de atingir a Série A. Não há por trás desse percentual alquimia ou ponderação esotérica — apenas uma percepção que pretende repassar ao leitor a dimensão matemática da equipe na competição.
Levando-se em conta que o Figueirense está em quarto lugar (limite ao acesso) com 42 pontos ganhos, o São Caetano (com 35) estaria a sete pontos da zona de acesso. Nada extravagante quando restam 14 rodadas. Mas a contabilidade não é bem essa. Entre o Figueirense e o São Caetano há outras três equipes (Ponte Preta com 40 pontos, Sport com 37 e Duque de Caxias com 35 e uma vitória a mais que o Azulão). Bem contados, são 14 pontos que separam o Azulão do quarto lugar: os sete pontos atrás do Figueirense, os cinco atrás da Ponte e os dois atrás do Sport.
Esses pormenores ajudam a restringir a 20% a viabilidade de o São Caetano subir de divisão. Nada, entretanto, que as próximas rodadas não possam proporcionar algum tipo de mudança significativa. Ao São Caetano, vencer passou a ser quase obrigação.
Para chegar ao Índice de Aproveitamento do Figueirense (42 pontos em 72 disputados, o que dá 58,33%) o São Caetano terá de somar nos próximos 14 jogos o total de 31 pontos em 42 a disputar (ou 73%). Só assim alcançaria 58% de aproveitamento. É tarefa complicadíssima, que poderá ter carga reduzida se baixar o índice de aproveitamento. O que é perfeitamente possível, conforme explicitam números históricos da competição. Mas nada asseguradamente tranquilizador.
Traduzindo: o São Caetano precisa ganhar os sete jogos em casa e somar outros 10 pontos nos sete jogos fora — ou algo que, por mais que seja mexido, dê na mesma.
Já o Santo André, na antepenúltima colocação com 25 pontos em 24 jogos (Índice de Aproveitamento de 34,72%) terá de conquistar 20 pontos nos 14 jogos restantes para chegar a 40% de aproveitamento, índice que está colocando o Vila Nova de Goiás fora da zona de rebaixamento. Com mais 20 pontos o Santo André atingirá 39,90% e escaparia da queda. É também possível que o patamar mínimo de fuga do descenso sofra alteração, principalmente para baixo.
Ganhar 20 pontos em 42 a disputar é relativamente menos problemático para o Santo André fugir do descenso do que o São Caetano ganhar 31 em 42 para chegar à Série A. Por isso o São Caetano tem apenas 20% de possibilidades, enquanto o Santo André chega a 40%. Não há paradoxo nessa projeção, por conta de o São Caetano estar melhor que o Santo André. Os adversários do São Caetano são mais qualificados.
Convém lembrar que o Santo André não está a apenas três pontos da fuga do rebaixamento, por contar com 25 e o Vila Nova, primeiro fora da turbulência, 28. Entre as duas equipes está o Brasiliense, na linha de corte da queda, com 27 pontos, dois a mais que o Santo André. Então, devem ser contabilizadas as diferenças do Santo André para o Brasiliense e do Santo André para o Vila Nova, o que soma cinco pontos. Ou o leitor esqueceu que, mesmo com eventual derrota do Vila Nova, exatamente contra o Santo André nesta terça-feira, a equipe da região permaneceria entre as rebaixáveis se o Brasiliense também vencer na rodada?
É possível que a fórmula matemática nem sempre explicitada pelos cultores da esportemetria seja mais rebuscada, mais acadêmica e mais cientificamente indutora de credibilidade. Mas é igualmente mais oportunista, porque só não é manifestada nas rodadas finais, quando muitas vacas já parecem ter ido para o brejo — e mesmo assim costuma cair do cavalo.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André