Para o futuro do Ramalhão, o iminente rebaixamento à Série C do Campeonato Brasileiro, algo como mergulhar num pântano, é mais um agravante. Entretanto, mantendo-se ou não na Série B, o futebol administrado supostamente em bases empresariais precisa passar por completa reformulação. O modelo gestado há mais de três anos sofreu tantas avarias que não há escapatória: é preciso redefinir conceitos. Caso contrário, terei de dar ampla razão a um torcedor dos antigos com o qual me encontrei casualmente outro dia, depois de muito tempo de distanciamento, e ouvi uma frase que me chocou: “O Santo André não existe”.
Disse aquele torcedor, cujo nome não revelo nem sob tortura, mas que integrou durante muitos anos a linha de frente do Ramalhão, que a sociedade não reconhece mais o futebol da cidade. O processo vem de longe, como se sabe, os motivos são vários, como tenho cansado de afirmar, mas ultimamente a situação piorou.
O sentimento dos formadores de opinião com relação ao Santo André é claro e aparentemente definitivo: ao se tornar proprietário do Ramalhão, o também presidente do Diário do Grande ABC, Ronan Maria Pinto, criou uma série de barreiras de apoio. Quer porque é visto como todo-poderoso, e os todo-poderosos não precisariam de colaboradores, quer porque reúne vieses de autoritarismo e mandonismo que afastam terceiros.
É lamentável ter de alinhar-me a essas percepções, mas são verdadeiras, fundamentadas pela prática e pela cultura social.
Enquanto o grandioso Santos Futebol Clube está criando arcabouço organizacional que retira o presidencialismo do topo de decisões isoladas, adaptando-se um Conselho de Orientação com nove integrante com o mesmo torque decisório, o Ramalhão é Ronan Maria Pinto Futebol Clube. O quadro de acionistas, empresa criada para gerenciar o futebol do Esporte Clube Santo André, é um bando de impotentes que apenas avaliza decisões presidenciais.
Parece contrassenso que um clube associativo como o Santos passe a contar com administração de figurino empresarial e um clube empresarial como o Santo André viva de imposições autocráticas.
Contrassenso é continuar nadando, nadando e morrendo na praia.
E não venham com subterfúgios argumentativos de que não se pode comparar clubes tão diferentes. O que não falta na praça são pequenas empresas gerenciadas como muito mais competência que as grandes.
Há mais de três anos apresentei breve plano estratégico para ser apreciado pelos acionistas do Ramalhão, enviei o material a todos os acionistas, fiz várias referências posteriores ao trabalho, mas nada se deu de concreto. Simplesmente porque o Saged, a empresa criada para administrar o futebol que pertencia ao Esporte Clube Santo André, não está nem aí com a descentralização de poder, com a inserção do Ramalhão no seio da comunidade.
E não adianta dizer que o veterano Antonio Carlos Moreno foi contratado para executar essa ação institucional porque, por mais experiente que seja, por mais que se dedique à função, acabará eletrocutado. É impossível que uma andorinha só faça verão.
A massificação popular do Ramalhão, dentro das restrições potenciais de periferia metropolitana, passa pelo engajamento de todos os acionistas, inclusive com a integração participativa de dirigentes e conselheiros deliberativos do Esporte Clube Santo André. A separação da massa crítica do Esporte Clube Santo André e do Saged é a consagração da calamidade, da queima de gordura que não se tem.
Qualquer que seja o resultado final da participação do Santo André na Série B do Campeonato Brasileiro deste ano, está mais que evidente que a casa da soberba caiu. A um passo da Terceira Divisão após impiedosa goleada terça-feira contra o América de Minas, e diante da imperiosa necessidade de apresentar campanha de campeão para sair da Zona de Rebaixamento, o modelo gerencial do Ramalhão da próxima temporada já deveria estar sendo analisado.
O sistema centralizador que poderia ser desfraldado como prova de extraordinária competência por conta do título de vice-campeão paulista acabou por contratar a crise da Série B. Sabem por quê? Porque há mais empirismo e sortilégios na base daqueles resultados do que supunham os mais otimistas, propagandeadores de fantasiosa infabilidade no futebol.
O Santo André do Campeonato Paulista foi predominantemente obra do acaso tanto quanto o Santo André campeão da Copa do Brasil de 2004. Quando jogadores são contratados à mercê do destino, como se formaram aqueles dois elencos, e o destino resolve dar uma senhora mão, não há quem dê jeito. É correr para o abraço.
O Santo André revelador do frágil fôlego estrutural que o sustenta é o Santo André das últimas posições na Série B do Brasileiro. É o Santo André que por sete anos seguidos ficou na Série B do Campeonato Paulista.
Diria que tanto o Santo André deste segundo semestre quanto o Santo André de eventual Segunda Divisão Paulista seria o Santo André que a sociedade esportiva de Santo André merece.
E continuaria a merecê-lo até que forças esportivas do Município que têm o Ramalhão no coração resolvam sair dos esconderijos de individualismo, impotência ou covardia que as caracterizam — e se mobilizem para mudar o quadro.
Terceira Divisão é o destino que mais se encaixa à situação institucional, corporativa e esportiva do Ramalhão.
Que inveja dos Icasas e ASAs da vida, que lotam estádios, que exercem a legítima e saudável pressão de mandante, enquanto o Santo André não passa de um time estranho em seu próprio reduto.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André