Esportes

Santo André entrega Ramalhão
de bandeja ao Saged e fica sem reação

DANIEL LIMA - 04/11/2010

Pior, muito pior que a situação de pré-rebaixamento na Série B do Campeonato Brasileiro, é o quadro jurídico-institucional decorrente da transposição do Ramalhão para uma empresa privada, no caso o Saged, dirigida por Ronan Maria Pinto, também presidente do Diário do Grande ABC. A privatização do Ramalhão é um escândalo de lesa patrimônio cultural, esportivo e material. Três dos mais importantes dirigentes da história do Esporte Clube Santo André, ao qual o Ramalhão estava vinculado, deixaram transparecer esse quadro na Entrevista Indesejada publicada neste site, edição de ontem. O drama é que não ofereceram contrapartida de reação.


Somente Ronan Maria Pinto poderá resolver a questão de idoneidade negocial que fuja de maliciosa flexibilidade semântica. A operação que culminou com a acintosa tomada do Ramalhão pelo Saged é revoltante para quem não consegue se acostumar com malabarismos. Caberá a Ronan Maria Pinto a sensatez e o bom senso de devolver o Ramalhão, são e salvo, à estrutura associativa que caracterizou o futebol de Santo André em quatro décadas.


Devolver é o primeiro passo. O seguinte será a pausa para reflexões da diretoria do Esporte Clube Santo André entre retomar em bases sólidas o controle gerencial do Ramalhão ou buscar uma nova oportunidade de conteúdo empresarial que fixe estacas fortes de legitimidade e de compromissos sociais. O Ramalhão que está aí é um clube privê, não privado, plasmado com esmero nos últimos três anos. Não é obra do acaso. Foi deliberadamente direcionado à particularização de suas entranhas.


Fosse Santo André cidade que preservasse valores culturais — e o Ramalhão de quase meio século é um desses valores, apesar do quadro de baixa institucionalidade em que se meteu — o mínimo que ocorreria, depois da Entrevista Indesejada de Celso Luiz de Almeida, Jairo Livolis e Duílio Pisaneschi, seria uma ofensiva comovedora em direção à sede do Saged. Uma ofensiva permeada de cidadania esportiva para retomar o destino do Ramalhão, que, necessariamente, não precisa misturar brilho e opacidade, como o vice-campeonato paulista seguido da vice-lanterna na Série B do Brasileiro. Precisa ser apenas minimamente decente e, sobretudo, transparente.


Não fossem os torcedores organizados instrumento de uso e abuso da direção do Saged, mesmo quando parecem revoltar-se com a campanha na Série B, a sede do Saged seria tomada de bandeiras e gritos de Ramalhão. Tudo que se espera de uma representação popular — e o Ramalhão é popular ainda, embora o público o prestigie mansamente longe do Estádio Bruno Daniel, refestelado nas transmissões de TV por assinatura — deveria ter como desdobramento uma ação democrática que culminaria com a retomada do futebol pelo Esporte Clube Santo André. É muito difícil acreditar que algo com tessitura social demova a direção do Saged da privatização suspeitíssima do Ramalhão.


Por mais que se compreenda e se entenda que enfrentar Ronan Maria Pinto não é tarefa para muitos, principalmente por aqueles que acreditam que têm alguma coisa a perder, é intrigante demais o posicionamento dos dirigentes do Esporte Clube Santo André expresso nas respostas a este veículo de comunicação.


As respostas foram evasivas, cautelosas, quase amedrontadas. Deixaram vazios imensos. Transmitem a sensação de que o Esporte Clube Santo André nem sabe o documento que assinou, transferindo o Ramalhão para o Saged. Somente em alguns pontos é possível pinçar leve inclinação ao desencanto, quase à irritação. Mas são situações raras. Celso Luiz de Almeida, Jairo Livolis e Duílio Pisaneschi parecem pisar em ovos.


Por mais que se compreenda a dificuldade desses dirigentes em adotar estilo agressivo contra Ronan Maria Pinto, o resultado das respostas deixa vácuo de desalento. Era possível avançar um pouco mais o sinal de independência e de desconforto entre os representantes mais tradicionais do Esporte Clube Santo André e o homem que centraliza, controla, domina, manda e desmanda no Ramalhão, à frente que está do Saged. Mas provavelmente o triunvirato tenha razões para não queimar etapas. O desmilinguamento do Saged, independentemente dos resultados em campo, é água morro abaixo, fogo morro acima.


As respostas de Celso Luiz de Almeida, Jairo Livolis e Duílio Pisaneschi foram técnicas, concisas, pouco profundas. Compreende-se até esse perfil. Assemelham-se a depoimentos formais de acusados que seguem rigorosamente a orientação de advogados vocacionados à discrição. Talvez os dirigentes não tenham compreendido que o espírito de Entrevista Indesejada não é de pelotão de fuzilamento. Trata-se apenas de uma prestação de contas pública de uma agremiação que, bem ou mal nesta temporada, está entre as 40 maiores do País.


Salta à vista na leitura, releitura e mais releitura das respostas que a direção do Esporte Clube Santo André esqueceu de combinar o futuro do Ramalhão com os russos, quando teve a ideia e a disposição de privatizar o futebol. Jairo Livolis e Celso Luiz de Almeida, os principais condutores da privatização, não deram importância devida a Ronan Maria Pinto que, em poucos meses, assumiu não só o controle acionário do Saged, mas a própria presidência da empresa. Foi um golpe de mestre. Embalou-se em papel de presente o sonho de transformar o Ramalhão num clube-modelo de engenhosidade empresarial, como pretendiam Celso Luiz de Almeida e Jairo Livolis, e quando se desataram os nós do pacote, eis que saltou da caixa um monstro organizacional fechado, individualista, dominado por um pequeno grupo de fachada, apenas para inglês ver, porque quem decide tudo, tudo, mais alguma coisa, chama-se Ronan Maria Pinto.


Com um quadro de acionistas escolhidos sob medida, Ronan Maria Pinto tornou-se nos últimos três anos soberano do Saged. De vez em quando entrega algumas migalhas de poderes rarefeitos para transmitir a ideia de democracia. Ou quando percebe que seus saberes esportivos são estreitos e, em dificuldades extremas, socorre-se até mesmo de quem escorraçou no passado, no caso Jairo Livolis, para encontrar um técnico que tente a façanha de livrar o Ramalhão do rebaixamento. Caso específico de Jair Picerni.


Com um vício mortal de origem — ou seja, de permitir que alguém arrebatasse o poder, centralizando-o — o projeto do Ramalhão empresarial foi para a cucuia. O que existe é um Ramalhão privatizado, controlado, carimbado e encapsulado por Ronan Maria Pinto. Ai de quem ousar propor compartilhamento de poder. O Ramalhão tornou-se tão dependente financeiramente de Ronan Maria Pinto que não há contraditório fértil que se apresente. É essa a maneira de gerenciar de Ronan Maria Pinto.


Por razões provavelmente táticas, de quem está dando tempo ao tempo para ver até onde vão os descalabros diretivos do Saged, os dirigentes do Esporte Clube Santo André não expuseram a verdade da tomada do Ramalhão na Entrevista Indesejada. Eles são mais comedidos, menos transparentes e infinitamente muito mais pacientes do que este jornalista. Nem poderiam ser diferentes, convenhamos, por conta das posições que ocupam no Esporte Clube Santo André. Mas bem que poderiam ter sido um pouco mais explícitos nos queixumes que vazaram aqui e ali em alguns parágrafos.


O que esperar do futuro do Ramalhão como instituição coletiva que vincule o passado do Esporte Clube Santo André e o presente do Saged quando Celso Luiz de Almeida, Jairo Livolis e Duílio Pisaneschi assinam em conjunto um documento que expõe um dos trechos literalmente com o seguinte conteúdo?: “O Esporte Clube Santo André não tem recebido a prestação de contas por parte do Saged. Conforme contrato firmado, o Esporte Clube não tem autonomia para solicitar auditoria junto ao Saged”.


O que isso significa? Significa que o Saged pode deitar e rolar com o rebento chamado Ramalhão, recebido de mão beijada do Esporte Clube Santo André, que nada, absolutamente nada, ocorrerá sob o ponto de vista jurídico. Mais que entregar o Ramalhão de graça ao Saged, numa operação da qual a empresa criada se locupletou com a venda de ações e com o estoque de jogadores até então sob o controle do Esporte Clube Santo André, a direção então presidida por Celso Luiz de Almeida colocou a cabeça na forca. São enormes as possibilidades de rombos financeiros em forma de ações trabalhistas e previdenciárias.


Quem imagina que a participação societária do Esporte Clube Santo André no Saged asseguraria controle dos destinos do Ramalhão desconhece o tamanho do buraco de imprecisões do contrato que vinculou o futebol à empresa comandada por Ronan Maria Pinto.


Embora não se saiba oficialmente quanto do naco de ações foi efetivamente comercializado para a composição do Saged, há informações que dão conta de que 80% das cotas estão em mãos privadas. De qualquer maneira, o volume conta menos. Ao Esporte Clube Santo André foram reservadas apenas 20 das 100 cotas, a título de participação na sociedade. O Esporte Clube Santo André, portanto, é minoritário na composição acionária. Minoria sem poder de decisão. Minoritário sem poder de influenciar os destinos do Ramalhão. Minoritário sem autonomia inclusive para exigir prestação de contas. Mas minoritário que, garante a jurisprudência, poderá assumir todo o ônus de eventual debacle do Saged.


Quando Jairo Livolis, principal artífice da privatização do Ramalhão, imaginou a saída para enfrentar um futebol cada vez mais inflacionado, a expectativa era de que a direção do Esporte Clube Santo André comandaria a empresa que administraria a equipe. A privatização seria, portanto, mitigada. Um modelo chinês, de recrutar dinheiro internacional para investimentos produtivos sem deixar escapar a gestão administrativa. Tudo perfeito. Esqueceram de Ronan Maria Pinto e seus amigos mais próximos. É por isso, em resumo, que a participação minoritária do Esporte Clube Santo André se assemelha a uma forca.


Tanto virou uma forca à espera da cabeça do Esporte Clube Santo André que Celso Luiz de Almeida, Jairo Livolis e Duílio Pisaneschi responderam da seguinte maneira à indagação sobre o déficit acumulado do Saged, que beiraria a R$ 12 milhões. “O Esporte Clube Santo André desconhece o real déficit do Saged. O contrato mencionado prevê que Empresa, Diretores e Conselheiros respondem solidariamente pelos prejuízos que gerarem na administração”.


Convenientemente, os três dirigentes preferiram omitir-se sobre as consequências embutidas na pergunta: em circunstâncias assemelhadas, credores costumam buscar atalhos jurídicos e irem diretamente à instância corporativa mais conhecida, no caso o Esporte Clube Santo André. Até porque os acionistas, pessoas físicas, contam com imensa variedade de medidas para fugir de responsabilidades.


O Esporte Clube Santo André está lá, visível, no Parque Jaçatuba. Não pode esconder-se dos credores. Tanto que, mesmo depois de presentear o Saged com todo o patrimônio esportivo, obtendo em trocas ações que não significam nada em termos gerenciais, segue penalizado no orçamento. Decisões judiciais cujas origens remontam tempos em que administrava o Ramalhão, principalmente no campo trabalhista, assombram a direção do Esporte Clube Santo André e afetam diretamente recursos amealhados do quadro associativo do parque poliesportivo.


Quem garante que não sobrarão passivos semelhantes num futuro não muito distante? Até porque, todos os contratos com jogadores e membros de comissão técnica estão vinculados ao Esporte Clube Santo André, oficialmente o representante do Ramalhão nas instâncias esportivas. O Saged é apenas uma intermediária privada sem valor legal algum nas relações esportivas entre o Esporte Clube Santo André, os profissionais que o servem e as instâncias federativas do País.


Apenas em dois momentos de Entrevista Indesejada os dirigentes do Esporte Clube Santo André foram mais incisivos contra a direção do Saged.


A primeira ao refutarem qualquer possibilidade de o Ramalhão mudar de nome, ou seja, de sair dos domínios do Esporte Clube Santo André como marca esportiva. A transferência do Ramalhão para uma nova agremiação, que resultaria de negociações do Saged com investidores privados, está fora de cogitação, afirmam os dirigentes.


A explicação é simples: apesar de não mandar absolutamente nada no Saged, porque quem manda de fato é Ronan Maria Pinto, o Ramalhão não poderia ganhar nova nomenclatura oficial, como Grêmio Santo André. Tudo teria de passar pelo crivo da associação que o originou, conforme define um contrato a que poucos tiveram acesso até agora. Ou seja: o Saged manda e desmanda no Ramalhão, mas os limites do controle absolutista se restringem à identidade esportiva de Esporte Clube Santo André. Quem disser que essa condicionante é favorável ao Esporte Clube Santo André, evitando-se o extremo do mercantilismo, também deverá concordar com a contraface de que a medida eleva o peso de responsabilidade por desarranjos do Saged.


Para virar Grêmio Santo André, o Ramalhão teria de ter aprovação do Esporte Clube Santo André. Uma possibilidade viável apenas se Ronan Maria Pinto assumir, diretamente ou através de terceiros, a direção do clube poliesportivo. Ou se manietar a atual direção do Esporte Clube Santo André.


O segundo gesto de insatisfação acentuada da direção do Esporte Clube Santo André com o Saged está na resposta à última indagação de Entrevista Indesejada, que trata da possibilidade de reavaliar os resultados da transferência do Ramalhão para a empresa dirigida por Ronan Maria Pinto: “O objetivo era dar ao futebol solidez de qualidade idêntica à do Poliesportivo. Concordamos que os resultados não estão acontecendo como imaginávamos e gostaríamos” — afirma o texto assinado por Celso Luiz de Almeida, Jairo Livolis e Duílio Pisaneschi. Tradução para os menos iniciados em idiossincrasias: o Poliesportivo do Esporte Clube Santo André, construído na gestão de Jairo Livolis e aperfeiçoado com Celso Luiz de Almeida, é um empreendimento de Primeira Divisão. Bem diferente do Saged, que flerta com a Terceira Divisão.


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