Sete anos depois do mais importante resultado de sua história — a vitória de 2 a 1 contra o Campinense, em Campina Grande, Paraíba — quando conquistou uma das duas vagas que garantiram acesso à Série B do Campeonato Brasileiro, o Santo André está fazendo as malas de desilusões desta temporada: basta perder nesta sexta-feira em Recife para um Sport que disputa uma das quatro vagas de acesso à Série A para o Ramalhão retornar matematicamente à escuridão do calendário esportivo nacional. Só lhe restará de vitrine o campeonato estadual, do qual saiu vitoriosíssimo neste ano, com o título de vice-campeão em duas partidas eletrizantes com o Santos de Robinho, Neymar e outros craques.
A apenas uma derrota da Série C, o Ramalhão de Ronan Maria Pinto, privatizado de forma eticamente condenável pelo Saged, empresa sem compromisso com a cidadania esportiva, perderá praticamente todo o potencial de industrialização de recursos financeiros, sobremodo com a venda de jogadores e patrocinadores. O negócio do futebol emperrou para o Santo André. Apenas a Série A do Campeonato Paulista servirá de vitrine temporária, de três meses e meio. Muito pouco para o calendário gregoriano.
Foi em 7 de dezembro de 2003 que o Santo André deixou a clandestinidade nacional ao habilitar-se à Série B. A vitória contra o Campinense na última rodada da fase final deve ser creditada em larga parcela ao então presidente Jairo Livolis.
Na quarta-feira anterior, 3 de dezembro, num Estádio Bruno Daniel repleto de torcedores, o Santo André foi surpreendido pelo Botafogo de João Pessoa, Paraíba. Dominou o jogo mas perdeu por 1 a 0. Jairo Livolis jogou uma carta decisiva quando demitiu o técnico Luiz Carlos Martins, de quem não se poderia esperar gesto tático mais ousado, e contratou Luiz Carlos Ferreira, um treinador dado a radicalismos. A mexida deu resultado e Santo André, à época ainda cultivadora do Ramalhão, foi às ruas para festejar o título.
A conquista da Copa do Brasil no ano seguinte foi também consequência do planejamento orçamentário que faltou ao Ramalhão neste ano. Ganhar do Flamengo no Maracanã decorreu da montagem de um time saído do improviso de contratações quase aleatórias, ditadas pelo ritmo das oportunidades que surgiram, não de rastreamentos metodicamente alinhavados. O Santo André jamais teve condições de desenhar um time dos sonhos, porque o dinheiro sempre foi curto. Os times dos sonhos que surgiram ao longo de mais de quatro décadas foram agradáveis acidentes de percurso. Como o time vice-campeão paulista desta temporada.
Por isso, afirmar que o Ramalhão desta sofrível temporada nacional é consequência do sucesso alcançado no primeiro semestre é apenas uma meia-verdade. O Ramalhão não se preparou para o sucesso, eis a melhor resposta. Pior que isso: imaginou que, sucesso alcançado uma vez, sucesso garantido sempre. E entrou na Série B com a arrogância do vice-campeonato paulista, embora com uma equipe inteiramente reformatada por conta da negociação dos principais valores por quantia final irrisória. Não chegaram a R$ 4 milhões, oficialmente, os valores arrecadados pelo Saged. Tudo porque o próprio Saged jamais acreditou no sucesso do Ramalhão. Se acreditasse, os jogadores não teriam contratos de duração tão curta.
Não há exagero algum em afirmar que o Santo André voltará à escuridão nacional. A Série C do Campeonato Brasileiro é o quarto de despejos da competitividade nacional. Entenda-se competitividade muito além dos gramados. Sem a transmissão de jogos em canais pagos, principalmente, acompanhados pelo universo de empreendedores do futebol, não há talento que consiga romper a camada de credibilidade a investimentos. Jogador de Série C é jogador de Série C. Como time de Série C.
Não bastasse a quebra de qualquer iniciativa de marketing mais ousada que a TV estimula, o Santo André da Série C estará sujeito, como os demais concorrentes, a uma competição lotérica. O afunilamento na forma de mata-mata torna qualquer resultado possível. Aliás, foi por conta disso que o Santo André inclusive se tornou campeão da Copa do Brasil. Não o seria — mesmo com a forte equipe de que dispunha — se a disputa envolvesse conceito de longevidade e continuidade de pontuação, caso da Série B, e também da Série A. Em competição alongada, a infraestrutura organizacional ajuda a fazer a diferença.
Já que o rebaixamento é iminente — são 99,9% de possibilidades esportemétricas — o melhor que o Ramalhão faz é preservar o técnico Jair Picerni. A principal característica do treinador deve ser utilizada ao extremo: ele tem facilidade em analisar qualidades individuais dos jogadores. Foi assim que, mesmo em cima da hora, acabou por montar um Ramalhão que certamente não cairia se chegasse meia dúzia de rodadas antes.
Quanto à apropriação da marca Ramalhão pelo Saged em condições mais que estranhas, isso é outra história. Espera-se que os acionistas do Saged e os dirigentes do Esporte Clube Santo André não se deixem apequenar ainda mais. Essa privatização deu com os burros nágua de forma indigesta. O Estádio Bruno Daniel desértico num jogo decisivo como o de ontem à noite é o corolário da incapacidade de gestão do Saged. A cidade de Santo André não responderá a qualquer chamamento de mobilização esportiva se o Ramalhão não transmitir a certeza de que não é propriedade particular de Ronan Maria Pinto. Propriedade particular disfarçada de sociedade limitada, que usa o Esporte Clube Santo André como bucha de canhão.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André