Esportes

Nada melhor que um pênalti no fim
do jogo para desmascaramentos

DANIEL LIMA - 19/11/2010

Apaixonado por futebol (como também por música, por literatura, por política) vivo a contradição de não suportar discutir futebol. Sei por experiência própria que almas mesquinhas se travestem de torcedores e se utilizam de subjetividades não propriamente para um debate descontraído, mas para o espicaçamento provocativo, para a afronta, para situações que fogem completamente ao respeito e muitas vezes abrem vereda de agressividade. Não há quem não tenha pelo menos uma história pessoal para contar quando o assunto é futebol.


Pois o jogo do Corinthians e Cruzeiro no último sábado, entre os três que acompanhei no final de semana, me faz escrever estas linhas. Cheguei a vacilar se deveria postá-las, porque em muitos casos o posicionamento sobre determinado caso do futebol pode desclassificar outros temas, porque a paixão fala mais alto. Basta uma olhadela nos blogues que trataram do pênalti de sábado para dimensionar o tamanho da encrenca.


O mais impressionante mesmo é como jornalistas se revelam despudoramente clubísticos em situações de apoplexia mental que um gol nas circunstâncias daquele de Ronaldo estimulam.


Querem um exemplo? É o caso de Mauro Cezar Pereira, comentarista da ESPN. Quem o viu logo após o jogo de sábado teria a impressão de que saíra de algum filme de terror. Alucinado, desfilou verborragia típica de arquibancada, onde, de fato, deveria estar instalado.


Quando um profissional de jornalismo veste publicamente a camisa de torcedor desequilibrado é sinal de que chegamos ao fundo do poço. Mauro Cezar Pereira confessou o crime pela rapidez e seletividade com que se manifestou sobre supostos erros de arbitragem que teriam favorecido o Corinthians no campeonato. Foi rápido demais no gatilho. Jamais o seria se o suposto beneficiado fosse outra agremiação.


Tome o seguinte exemplo, de um jogo entre os mesmos Corinthians e Cruzeiro, válido pelo Campeonato Brasileiro de 2005. O Cruzeiro venceu de 2 a 1, dois gols de cobranças de penalidade máxima. Procurem na internet e vejam os lances que originaram a decisão do árbitro Wagner Tardelli. Duas vezes bola na mão, sem risco iminente de gol. Transponham aqueles lances para o Pacaembu, invertam a equipe beneficiada e imaginem as consequências. Tudo que é Corinthians é superlativo.


Antes que os leitores não amantes de futebol me julguem mal, como alguém que não faz outra coisa senão assistir a jogos de futebol, uma complementaridade: costumo dizer aos meus filhos, a quem incentivo muito à leitura, muita leitura, que procurem acumular créditos de carbono intelectual para gozar as delícias de um bom jogo de futebol, sejam quais forem os adversários. É o que faço. E ressalto: ao contrário do que acreditam os ignorantes, futebol é riqueza cultural. Há mais analogias e simbolismos num jogo de futebol quando transposto ao cotidiano de nossas vidas do que sugerem os simplistas.


Mas volto ao tema original, do comentarista da ESPN e de tantos outros que fazem muito esforço para se comportarem com isenção profissional durante toda a temporada. Se a carne é fraca no sexo, no futebol uma vitória nos últimos instantes num jogo decisivo com gol de pênalti que os mestres de arbitragem não viram irregularidade alguma (e técnicos sensatos, como Paulo César Carpeggiani, do São Paulo, também não) é um tormento para qualquer torcedor adversário.


O comentarista da ESPN comportou-se no conjunto da obra de forma muito mais escandalosamente estúpida do que o presidente do Cruzeiro e também do técnico Cuca, ao final do jogo de sábado no Pacaembu. Diferentemente daqueles dois, em pleno fervilhar de uma arena lotada de corinthianos, o jornalista estava confortavelmente instalado num estúdio de TV, longe de pressões e sem a necessidade de, como os mineiros, justificar a derrota num jogo em que foram superiores aos alvinegros, da mesma forma que os corinthianos foram superiores no jogo de ida, quando foram derrotados por 1 a 0, perderam um pênalti e viram o árbitro, o mesmo árbitro de sábado, ignorando um pênalti bem caracterizado em favor dos paulistas.


Nem o desconto de que pudesse estar abalado como torcedor de outro time paulista alivia a barra do pobre profissional da ESPN. Com o mesmo ímpeto e desequilíbrio ele produziu blogs e se manifestou 24 horas depois num programa de debates. O problema dele é incurável para quem ocupa posição de formador de opinião. Seu lugar é na arquibancada, onde excessos são relevados porque futebol sem paixão não tem graça alguma.


Não há santos no futebol, como também o demônio não veste apenas um único uniforme.


Pressões e contrapressões fazem parte do espetáculo e da competição como um todo. Inclusive, como transparece a reação do Cruzeiro e de parte da crônica esportiva anticorinthiana, para minar o ambiente dos árbitros na reta de chegada do Campeonato Brasileiro.


O que não deveria jamais constar da programação são casos de torcedores travestidos de comentaristas e âncoras esportivos, uns traídos emocionalmente pelo despeito, pela raiva, pelo fanatismo, outros principalmente por disporem de todos os truques para aumentar a audiência e o faturamento com publicidade.


O mundo-cão do futebol é insuportável quando transposto às ondas do rádio ou aos programas de televisão. Deixar de reconhecer os méritos do adversário, por mais que o adversário seja incômodo e mexa com raízes emocionais recônditas em cada um, é a própria confissão da incapacidade de comunicar-se com o público, transformando microfone em ferramenta de mesquinharias.


Poderia discorrer longamente sobre a atuação do árbitro brasiliense sábado no Pacaembu, mas não o faço de propósito. A maioria dos jornalistas esportivos que admiro se posicionou exatamente como me posicionei. Vários outros jornalistas esportivos, que também admiro, preferiram enxergar a situação por outro ângulo sem ilações clubísticas.


O comentarista da ESPN Mauro Cezar Pereira, a quem pouco acompanhava até então, não merece minha audiência. Seu lugar é na arquibancada.


Já quanto ao âncora Milton Neves, todos sabem que corre desesperadamente atrás do lugar de Chacrinha. Só esquece que o Velho Guerreiro era palhaço de verdade, não uma caricatura mal-ajambrada, embora sob medida para o público médio que acompanha futebol, como, aliás, é o público médio que acompanha tantas outras atrações, inclusive esses horrendos shows de sensacionalismo policial.


Tenho pena dos profissionais que contracenam com Milton Neves, expondo-se ao ridículo. Aliás, o que confirma a teoria de especialistas que traçam um paralelo entre bruxaria e televisão, colocando-as no mesmo nível de sedução e de falência do lóbulo frontal.


Por mais crédito de carbono intelectual que desfrute para gastá-lo com supostas quinquilharias culturais, não tenho tempo a perder com determinadas anomalias televisivas. Só as vejo de passagem para não escrever sem base. Lamentavelmente, os programas são sempre os mesmos, embora com roupagens diferentes, circunspectos, como se apresenta Mauro Cezar Pereira, ou espalhafatosos, como Milton Neves.


Pobres dos profissionais sérios do universo do futebol que precisam suportá-los, sob risco de represálias corporativas de uma imprensa que fala de liberdade de expressão da boca para fora, porque o que prevalece sempre e sempre é a liberdade do patrão e de seus prepostos.


Leia mais matérias desta seção: Esportes

Total de 985 matérias | Página 1

05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André
26/07/2024 Futuro do Santo André entre o céu e o inferno
28/06/2024 Vinte anos depois, o que resta do Sansão regional?
11/03/2024 Santo André menos ruim que Santo André. Entenda
05/03/2024 Risco do Santo André cair é tudo isso mesmo?
01/03/2024 Só um milagre salva o Santo André da queda
29/02/2024 Santo André pode cair no submundo do futebol
23/02/2024 Santo André vai mesmo para a Segunda Divisão?
22/02/2024 Qual é o valor da torcida invisível de nossos times?
13/02/2024 O que o Santo André precisa para fugir do rebaixamento?
19/12/2023 Ano que vem do Santo André começou em 2004
15/12/2023 Santo André reage com “Esta é minha camisa”
01/12/2023 São Caetano perde o eixo após saída de Saul Klein
24/11/2023 Como é pedagógico ouvir os treinadores de futebol!
20/11/2023 Futebol da região na elite paulista é falso brilhante
16/10/2023 Crônica ataca Leila Pereira e tropeça na própria armadilha
13/10/2023 Por que Leila Pereira incomoda tanto os marmanjos do futebol?
10/10/2023 São Bernardo supera Santo André também no futebol
10/08/2023 Santo André prestes a liquidar R$ 10 mi de herança do Saged