Do alto de uma montanha de déficit acumulado pela maioria dos 20 clubes com maior geração de caixa no futebol brasileiro, o especialista em gestão esportiva Amir Somoggi faz sugestão que pode soar como provocação a quem dirige com os olhos postos no retrovisor administrativo: o ideal, segundo disse ao jornal Valor Econômico desta terça-feira, é que os clubes eliminem dos orçamentos as nem sempre efetivadas transferências futuras de jogadores.
Ou seja: o consultor da Esporte Total, consultoria da Crowe Horwath RCS, sugere o arroz com feijão básico de qualquer tipo de administração, seja esportiva ou não: só gastar, se gastar, o que efetivamente se arrecada.
Entretanto, como futebol é movido a emoção, no acumulado entre 2004 e 2009 os 20 clubes registraram déficit geral de R$ 1,2 bilhão. As receitas dos clubes sobem pelo elevador após a maturação do futebol como marketing, mas as despesas também ganharam velocidade no período analisado pela consultoria. Mais velocidade até. Algo como um trem-bala pronto a descarrilar.
Apenas o São Caetano, entre os clubes do Grande ABC, consta do ranking da Esporte Total. Mais que isso: o clube-empresa de Nairo Ferreira é um dos quatro únicos do País que registra no acumulado de 2004 a 2009 superávit financeiro, num total de R$ 3,649 milhões. O Atlético Paranaense lidera com R$ 35,282 milhões, bem acima do São Paulo, com R$ 10,947 milhões e do Internacional de Porto Alegre com R$ 7,713 milhões. O Fluminense, campeão brasileiro desta temporada, disputa com o Vasco da Gama a lanterninha de ineficiência, com déficit acumulado de R$ 166,314 milhões ante R$ 344,505 milhões dos cruzmaltinos.
Não fossem os dois últimos anos o Corinthians de Andrés Sanches desceria ainda mais no ranking de negatividade financeira. O superávit acumulado nas duas últimas temporadas atingiu R$ 16,7 milhões, o que rebaixou os números gerais desde 2004 para R$ 34,185 milhões. Dos mais de R$ 10 milhões que o São Paulo acumulou desde 2004, apenas R$ 2,7 milhões abrangem o período dos dois últimos anos analisados.
São Paulo e Corinthians foram os únicos clubes que registraram superávit nas duas últimas temporadas. Isto quer dizer que o São Caetano também está na relação dos deficitários. A fórmula ideal para clubes médios se apresentarem lucrativos é disputar a Série A do Campeonato Brasileiro, não necessariamente colocando-se entre os primeiros, mas, sobretudo, distanciando-se da zona de rebaixamento. A vitrine da Série A é um convite aberto à negociação de jogadores e de patrocínios. A Série B é deficitária sobretudo para equipes que não integram o Grupo dos 13. A Série C é a calamidade em forma de futebol empresarial.
O Santo André não aparece na lista dos clubes mais importantes em recursos orçamentários do País. Sabe-se que no acumulado desde 2007, quando entregou de bandeja e acriticamente a administração para o Saged, empresa privada comandada por Ronan Maria Pinto, o caixa ficou negativo em mais de R$ 10 milhões. O buraco é muito mais embaixo e mais preocupante quando se contabilizam dois importantes recursos arrecadatórios: a capitalização da empresa, com a venda de ações que geraram mais de R$ 9 milhões de receitas, e a liquidação do estoque de jogadores da base deixada pelo então presidente Jairo Livolis. Sem esses recursos nesta temporada, e com a Série C do Brasileiro no passivo, a projeção é de déficit cavalar. Mesmo com o corte orçamentário anunciado pela diretoria.
O mercado brasileiro da bola deve ter movimentado neste 2010 cerca de R$ 2,1 bilhões, segundo projeção da Esporte Total. Uma quantia 10,5% superior ao R$ 1,9 bilhão do ano passado. Os 20 maiores clubes em receita respondem por 81% do mercado.
A Esporte Total poderia ir um pouco além dos balancetes que publica anualmente sobre o desempenho financeiro dos mais importantes clubes brasileiros. O ranking deveria agregar outros quesitos. Mesmo que alguns fatores subjetivos sejam lançados, valeria a pena transpor o conservadorismo numérico-financeiro e incorporar elementos que potencializassem a dimensão do futebol no País. Nada que subestimasse a realidade de compromissos orçamentários dos clubes.
Querem um exemplo? A própria Esporte Total divulgou no ano-passado um estudo em que avaliava a marca dos maiores clubes brasileiros. Os balanços financeiros foram contabilizados, mas não ficaram de fora outros pontos, como marketing, massa de torcedores e tantos outros vetores. Flamengo, Corinthians, São Paulo e Palmeiras formaram o pelotão de líderes, nessa ordem, com pouca diferença entre os três primeiros.
Os buracos orçamentários ganhariam dimensões diferentes de avaliação se confrontados com o potencial de consumo de cada equipe. Os milhões acumulados pelo Fluminense, estratosfericamente maiores que os milhões do Ramalhão, por exemplo, são muito mais palatáveis em termos de assimilação e gerenciamento. Os tricolores cariocas têm massa crítica que, bem administrada, poderá gerar novos influxos de receitas e retroalimentar iniciativas já deflagradas para conter as águas que ao longo dos anos invadiram a casa de máquinas. O Ramalhão de casa de máquinas menos atingida por descalabros gerenciais não conta com a garantia de que haverá socorristas à altura das necessidades.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André