Esportes

Como explicar o sucesso popular
do São Bernardo na Vila Euclides?

DANIEL LIMA - 28/01/2011

Não é por nada não, mas ainda vou desvendar o segredo do São Bernardo, que, em dois jogos da Série A do Campeonato Paulista, levou em média mais de nove mil torcedores ao Estádio de Vila Euclides. Já no ano passado, na Série B do Campeonato Paulista (que alguns chamam de Série A-1, num disfarce idiota de que se trata de Segunda Divisão), o Tigre contou em média com mais de seis mil torcedores por jogo no local. Por mais que empresas apoiadoras do São Bernardo distribuam ingressos gratuitamente, o nível de participação do público sempre está acima da expectativa.


Entretanto, apesar dos números superlativos, uma coisa parece certa, após a intolerante vaia generalizada que a equipe recebeu como resposta à derrota de quarta-feira em casa para o Oeste de Itápolis: a maioria da plateia não tem compromisso emocional consolidado com o Tigre. Como durante o jogo o apoio foi por demais discreto, quase nulo, quase insensível, penso cá com meus botões que há certo artificialismo no cenário montado para dar suporte popular à equipe do presidente Luiz Fernando Teixeira. Ou seja: o São Bernardo tem uma torcida que vem principalmente das periferias do Município mas há indicações de que não carregue o clube na alma como se pretende fazer crer.


Juro por todos os juros que me sentiria frustrado com a confirmação da desconfiança de que algo me dizia que multiplicar o número de torcedores não é assim tão fácil como industrializar pães.


O que quero dizer com tudo isso não tem nada de depreciativo ao São Bernardo, porque mesmo com ingressos supostamente gratuitos, embora contabilizados de forma unitária a R$ 10, não é fácil para quem vive na periferia futebolística de uma Capital cinderelesca trocar um dos times grandes por um dos times locais.


Levar 10 mil torcedores numa tarde de dia útil não é tarefa para qualquer equipe, concordo plenamente, mas daí a sugerir que estamos vivendo um fenômeno popular vai muita diferença. O Santo André jogou uma semifinal do Campeonato Paulista no ano passado com o Grêmio Prudente no Estádio Bruno Daniel e mesmo com toda a mobilização só conseguiu girar as catracas para 10 mil torcedores.


O que quero desvendar e parece que estou desvendando é que o São Bernardo é bom de público, mas nada garante que a torcida seja um ativo permanente.


O jogo deste domingo contra o Corinthians é uma oportunidade de retirar um pouco mais do pano que encobre esse mistério. O presidente Luiz Fernando Teixeira cometeu a ousadia de reservar apenas 5% dos ingressos para a massa corinthiana e, pelo noticiário, houve invasão nos postos de vendas limitados aos torcedores do Tigre depois de esgotada a cota do time visitante.


Teme-se agora por mistura explosiva de corinthianos entre os torcedores autênticos e de ocasião do Tigre. Já imaginaram o que isso poderia representar em termos de segurança pública? O mais indicado é que medidas preventivas sejam tomadas, porque tricolores, santistas e palmeirenses travestidos de bernardenses podem causar estragos quando misturados aos alvinegros.


Gostaria muito de acreditar que o São Bernardo está arrebentando mesmo a boca do balão de representatividade autêntica nas arquibancadas. Entretanto, preciso me convencer para valer de que não se trata de ações de marketing sobre as quais não lanço qualquer restrição, exceto a desconfiança de que a legitimidade de um milagre está longe de se consolidar.


Ou seja: será verdade insofismável que em plena Região Metropolitana de São Paulo obscurecida pela grandiosidade dos times populares da Capital, com massacrante cobertura da TV aberta, surgiu um São Bernardo enfeitiçador da população ou o que temos é mesmo um conjunto de medidas que coalham as arquibancadas de ainda prematuros simpatizantes em vez de empedernidos torcedores?


A vantagem do São Bernardo em relação às outras duas principais equipes da região é que, seja qual for, a resposta sempre será melhor que a dos rivais.


O que não deixa de ser um sucesso porque, cidade por cidade, Santo André e São Caetano contam com proporção muito maior de população mais arraigada às cores locais, por terem sido ocupadas por imigrantes e principalmente migrantes muito antes de São Bernardo.


O que mais me surpreende é que o jornalismo diário, tanto daqui quanto da Capital, ainda não tenha despertado o apetite para ir a fundo nessa novidade popular, apurando sem protecionismo, sem endeusamento, sem mistificação, o que está ocorrendo na Vila Euclides, onde a combatividade metalúrgica no final dos anos 1970, Lula da Silva à frente, tornou aquele espaço histórico no País.


Seja qual for o milagre, o santo transmite a sensação de que, se não for de barro, é de alguma coisa com a consistência de um marketing elogiosamente caprichado.


Como é cada vez mais improvável que os amantes de futebol no Grande ABC carreguem as cores locais como primeira camisa, que pelo menos assumam segundas cores. É melhor ter a camisa dividida ou a camisa na reserva do que não ter camisa alguma.


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