Esportes

Uma cara nada simpática do
futebol da região na Série A

DANIEL LIMA - 07/02/2011

Fosse retratista, desses que a Polícia tem aos mangotes e que desenham a cara de acusados e suspeitos em depoimentos de vítimas ou testemunhas, o que passaria para a folha de papel ou tela de computador para definir a rodada do final de semana da Série A do Campeonato Paulista não seria nada satisfatório ao futebol do Grande ABC. Peguem os olhos esbugalhados do defensivismo do Santo André contra o Santos, peguem o nariz arrebitado do São Bernardo em Mogi Mirim contra o Ituano e peguem a boca de sensualidade displicente do São Caetano em casa contra o Paulista. Acho que essa não seria uma cara nada simpática.


A rodada que marcou o encerramento da Fase de Estruturação do Campeonato Paulista (sete jogos, às quartas e domingos) foi generosa ao São Caetano de boca sensualmente displicente, punitiva ao São Bernardo de nariz arrebitado e recompensadora ao Santo André de olhos esbugalhados.


Pena que no final das contas o que temos são duas das equipes (Santo André e São Bernardo) na zona de rebaixamento.


Tudo indica que vamos seguir assim, com idas e vindas, até as últimas rodadas. E como as últimas rodadas vão envolver clássicos regionais, tudo pode acontecer.


Chegaríamos a estresse histórico, porque teríamos mais que três pontos em jogo em cada disputa.


O Santo André do técnico Pintado provavelmente protagonizou o jogo mais desigual da temporada — o jogo do gato contra o rato.


O esquema 4-4-2 transformou-se em 4-6-0 depois de um gol quase ocasional em chute de fora da área desviado por Richely. Tivesse tido nos dois jogos finais com o Santos, ano passado, um pouco apenas da cautela de ontem, o Santo André do então técnico Sérgio Soares possivelmente teria chegado ao título. Como preferiu embevecer a platéia com espetáculo, não pode chorar o vice-campeonato. Nem com o erro da bandeirinha, que faz parte do enredo de time pequeno ou time médio contra time grande.


O time de Pintado exagerou na dose defensivista, como a confessar as limitações técnicas, mas empate diante de um grande é sempre compensador. Valeu mais o pragmatismo radical do que a ingenuidade angelical.


Quem entre os pequenos e médios fizer mais pontos contra os integrantes do G4 (Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Santos) tem mais possibilidade de escapar do rebaixamento. Imagine quanto podem pesar na classificação final os três pontos que o Botafogo somou ontem contra o São Paulo?


De qualquer forma, o Santo André de Pintado foi heróico na medida em que fez de seu campo defensivo trincheira protegida a todo custo. No primeiro tempo sofreu um bocado. O Santos parecia multiplicar-se como cogumelos. No segundo, espaços mais fechados ainda com mudanças individuais, e respiro ofensivo com o fôlego criativo de Juan Felipe, o Santo André incomodou um pouco mais o Santos. No final, o mesmo Juan Felipe perdeu a maior oportunidade (a segunda do jogo do Ramalhão) para provocar abalo sísmico no Pacaembu.


As estatísticas do jogo, contrariadíssimas com o empate, seriam atiradas ao lixo em caso de derrota do Santos. O time da Vila chegou a encostar em 70% de posse de bola no primeiro tempo, jogando verticalmente. O Santo André só chutou duas vezes ao gol adversário. Nos escanteios, perdeu-se a conta de tantas diferenças.


O nariz arrebitado do São Bernardo diante do Ituano não é necessariamente uma crítica. Depois de um primeiro tempo sonolento, o jogo esquentou na etapa final quando o São Bernardo mostrou contragolpe que poderia ser fatal se os atacantes não fossem tão dispersivos. Até pênalti a equipe perdeu no momento em que o Ituano estava a nocaute. Outras três oportunidades desafiaram a péssima pontaria da equipe.


O São Bernardo jogava num 3-5-2 mais dinâmico no segundo tempo, com os laterais bem mais soltos e os dois meias, Júnior Xuxa e William Favoni, aparecendo nas proximidades da área. Foi aí que se deu a escorregadela tática: retirou-se um dos três zagueiros (Bruno Alves) escolhido para reforçar o setor (e cujo não aproveitamento motivou a queda de Rui Scarpino) e se introduziu um segundo volante pegador (Zé Forte).


O técnico Ramirez foi preciso ao colocar um atacante veloz (Daniel) que passou a penetrar no espaço aberto entre a lateral-esquerda e a quarta-zaga do São Bernardo. Foi por ali que o time de Itu ganhou o jogo. Um castigo para o São Bernardo, mais arrumado e equilibrado taticamente até acreditar que o adversário estava à beira da derrota. Gol sofrido, o time entrou em parafuso.


Já o São Caetano viveu uma noite sonolenta no Estádio Anacleto Campanella. Cometeu erros sobrepostos a erros. O pior de todos foi começar com dois centroavantes (Vandinho e Eduardo) e terminar sem nenhum. Vandinho fez os dois gols em situações idênticas: quando apareceu na área, sua especialidade, e não vindo de trás, como o treinador o escalara.


O sufoco sofrido pelo São Caetano só não virou péssimo empate no segundo tempo porque a defesa, principalmente Anderson Marques, corrigiu o sobrepeso de um meio de campo que viveu defensivamente apenas de Souza e Augusto Recife. O 4-2-2-2 de Ademir Fonseca fracassou entre outras razões porque os meias Ailton e Cleber, e depois Walter Minhoca, não conseguiram espaços para organizar os contragolpes. E a escalação de dois centroavantes rebaixou o nível de posse de bola no meio de campo. Os laterais-alas Arthur e Bruno Recife preocuparam-se mais com a marcação.


Terminada a Fase de Estruturação do Campeonato Paulista, o diagnóstico das três equipes do Grande ABC é ainda recheado de condicionalidades, mas pode ser resumido assim: o São Caetano está aquém do potencial individual do elenco, o Santo André está descobrindo que sem cuidar da defesa não há quem suporte o peso da pressão do rebaixamento e o São Bernardo não pode desprezar a inexperiência típica de debutante como fator de desequilíbrio.


Recomendaria ao São Caetano o aproveitamento dos melhores talentos no meio de campo e do ataque, sem invencionices. Ao Santo André sugeriria uma análise mais cuidadosa das vantagens e desvantagens de ter Nunes em campo, e ao São Bernardo a proposta é de contratação de um técnico experiente que chegue com dois atacantes que não entrem em parafuso diante das traves adversárias. Danielzinho e tantos outros jovens têm potencial, mas o Campeonato Paulista não é laboratório de testes. Já se foram sete rodadas. Faltam apenas 12.


Leia mais matérias desta seção: Esportes

Total de 985 matérias | Página 1

05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André
26/07/2024 Futuro do Santo André entre o céu e o inferno
28/06/2024 Vinte anos depois, o que resta do Sansão regional?
11/03/2024 Santo André menos ruim que Santo André. Entenda
05/03/2024 Risco do Santo André cair é tudo isso mesmo?
01/03/2024 Só um milagre salva o Santo André da queda
29/02/2024 Santo André pode cair no submundo do futebol
23/02/2024 Santo André vai mesmo para a Segunda Divisão?
22/02/2024 Qual é o valor da torcida invisível de nossos times?
13/02/2024 O que o Santo André precisa para fugir do rebaixamento?
19/12/2023 Ano que vem do Santo André começou em 2004
15/12/2023 Santo André reage com “Esta é minha camisa”
01/12/2023 São Caetano perde o eixo após saída de Saul Klein
24/11/2023 Como é pedagógico ouvir os treinadores de futebol!
20/11/2023 Futebol da região na elite paulista é falso brilhante
16/10/2023 Crônica ataca Leila Pereira e tropeça na própria armadilha
13/10/2023 Por que Leila Pereira incomoda tanto os marmanjos do futebol?
10/10/2023 São Bernardo supera Santo André também no futebol
10/08/2023 Santo André prestes a liquidar R$ 10 mi de herança do Saged