O título em forma de charada esportiva é um desafio aos leitores que acompanham as equipes do Grande ABC na Série A do Campeonato Paulista. Depois de 10 rodadas e um total conjunto de 27 pontos conquistados em 90 disputados (índice de rendimento de 30%, de zona de rebaixamento), o São Bernardo já conseguiu o que o São Caetano só alcança, quando alcança, em parte dos jogos, e o Santo André procura como agulha em paiol. É claro que me refiro a padrão técnico e tático de jogo, o bem mais precioso de uma equipe de futebol, o princípio, o meio e o fim de tudo.
É muito tempo desperdiçado por um Santo André candidatíssimo a novo rebaixamento, é tempo preocupante demais de desajustes num São Caetano dono de um dos melhores elencos da competição, e um tempo que parece superado pelo São Bernardo de Estevam Soares, técnico que esculpiu uma cara de Primeira Divisão num time até então guerreiro mas essencialmente peladeiro.
O melhor dos resultados da região no final de semana foi o empate do São Bernardo na Vila Belmiro diante de um Santos que já prenunciava crise. É melhor os jogadores do São Bernardo esquecerem o pênalti que deu origem ao gol do Santos. A marcação do assistente adicional na linha de fundo foi perfeita: o zagueiro Leandro Camilo precipitou-se ao usar a perna direita como alavanca para impedir o avanço já naturalmente desequilibrado de Neymar. Uma jogada que se encerraria sem danos virou gol santista.
O São Bernardo tem é que comemorar a arrumação tática que o técnico Estevam Soares promoveu em três semanas, a golpes de muita conversa, muito treinamento, muita bronca.
Agora o São Bernardo tem cara de time de futebol. Sem correria desenfreada, sem excessos de caminho único pelas laterais com cruzamentos lotéricos, sem bolas esticadas a todo instante como preparação à corrida de fundo. Ou seja: agora o time sabe valorizar a posse de bola, tem alternativas de ataque, tem um falso ala, Guto, que reforça a marcação e a arrumação do meio de campo e também aparece no ataque. E as jogadas pelas beiradas do campo não são monopólio.
O São Bernardo só não tem um atacante em forma. Bombinha vem de contusão e está fora de ritmo e Danielzinho corre tanto, desloca-se tanto a ponto de perder a noção da localização do gol adversário. Deveriam lhe dar de presente um GPS. Por isso que o reforço de quem vem de trás sempre é sempre bem vindo.
O empate com o Santos foi subproduto da visão de Estevam Soares: em desvantagem no placar, substituiu o menos ofensivo e já cansado William Favoni por Raul, um meia-atacante oportunista. Na primeira bola lançada por Júnior Xuxa nas costas dos zagueiros santistas, saiu o gol de Raul, num toque de craque. Antes, em jogada semelhante, Danielzinho chutou pessimamente.
Alcançado o empate, Estevam Soares tratou de tirar o já esgotado centroavante Bombinha, avançou Raul e reforçou a marcação no meio de campo com Zé Forte. Um técnico previdente não espera ver a porta arrombada para mexer. Sabe reconhecer que, principalmente Amarildo e Leandro Camilo, gostam de emoções como zagueiros sujeitos a chuva e tempestade. Dirceu, de terceiro zagueiro, pela direita, é sábio ocupante de espaço, a compensar o peso da idade.
A diretoria do São Bernardo, a seguir a toada de recuperação de uma equipe que não passava de um bando de gladiadores, deveria entregar um troféu a Estevam Soares. Ele deu cara de Série A a um time que só se deixará engolfar por eventuais pesadelos de rebaixamento se errar demais individualmente. Ainda mais que a tabela é amplamente favorável. Uma tabela de pai para filho.
O empate do São Caetano foi melhor que o futebol que o time de Ademir Fonseca apresentou em Bauru diante de um Noroeste frequentador do paredão do rebaixamento. O Azulão ainda não consumou encaixe tático. O meio de campo não controla o jogo mais que em uma etapa, quando tanto. Está faltando um organizador de jogadas. Kleber e Walter Minhoca poderiam ser caso estivessem em boa fase.
A experiência com Luciano Mandi não deu resultado. Ele é mais ponta de lança que armador. Usa mais a velocidade que cérebro. Ailton também é mais ponta-de-lança que organizador, embora mais qualificado tecnicamente. Quanto mais posicionar-se da intermediária para a frente, melhor porque dribla em velocidade, chuta forte e sabe encontrar um companheiro bem posicionado na área num piscar de olhos.
Pelo menos a defesa do São Caetano vai se ajustando. Mas não pode exagerar — e daí uma das razões da perda de qualidade coletiva em Bauru. O deslocamento do volante Erandir como terceiro zagueiro durante todo o segundo tempo provocou erosão no meio de campo, dominado pelo adversário. Jean deu mais velocidade de cobertura e antecipação ao lado de um agora mais estável Anderson Marques. Berg não foi tão explorado ofensivamente como deveria para compensar os riscos de deficiências de marcação.
A vantagem do São Caetano sobre os demais times médios e pequenos da Série A é que a qualquer momento há perspectiva de dar um toque coletivo e saltar de vez para rendimento mais estável. Mas está demorando.
Com todos os problemas, se o São Caetano não se desgarrar demais da influência do G8 após o encerramento da Fase de Consolidação, que vai até a 14ª rodada, já terá passado por grande desafio, após péssimo início de três derrotas seguidas no começo da competição. Se entrar na Fase Decisiva com possibilidades de chegar entre os oito primeiros, tudo indica que poderá dar um chega-pra-lá em muitos concorrentes. O Azulão parece gostar de cultivar característica que o tornou o time médio mais vitorioso no futebol brasileiro na primeira década deste século: mobiliza-se e aparece quando o estresse emocional cresce.
O jogo com o São Paulo no próximo sábado deve confirmar essa marca. O problema é que mesmo uma vitória não aliviaria a barra. A equipe tem a pior combinação de jogos que uma tabela poderia reservar — maioria de grandes e médios adversários no Anacleto Campanella e times pequenos fora de casa.
Para completar, e para economizar energia, a derrota do Santo André em casa diante da Ponte Preta resultou de acumulado de erros. Um gol estranho do meia Renatinho retirou do Santo André o que restava de tranquilidade por estar no paredão eliminatório. Com fundas deficiências técnicas, totalmente desorganizado como conjunto, recorrendo demais a lançamentos verticais e diagonais, o Ramalhão torna a tarefa defensiva de qualquer adversário exercício de fortalecimento contínuo. Algo como erguer seguidamente peso para ganhar musculatura. A Ponte Preta deveria mandar um telegrama de agradecimento.
Manter Sandro Gaúcho no comando técnico é jogar a toalha do rebaixamento. Sem contar que poderá manchar a imagem de um ex-centroavante que é ídolo do que restou da torcida do Ramalhão. Um choque de qualidade, como o que o São Bernardo perpetrou com Estevam Soares, seria tentativa mais que válida, fundamental, para tentar evitar o pior.
Difícil é convencer Ronan Maria Pinto que Sandro Gaúcho dificilmente repetiria Fahel Júnior porque o contexto é outro e a história não costuma se repetir senão como farsa.
Fahel Júnior foi o técnico inexperiente que saiu da cartola de Ronan e livrou o Santo André de rebaixamento à Série C do Campeonato Brasileiro em 2007. Um rebaixamento que seria provocado pelo divisionismo diretivo no clube naquele início de disputa de egos pós-privatização do futebol.
A contratação de Jair Picerni, mais em conta do que de um técnico do nível de Estevam Soares, seria uma boa pedida. Ele é um arrumador de equipe que só não salvou o Ramalhão do rebaixamento no Campeonato Brasileiro por conta do espólio que recebeu. O retorno de Jair Picerni seria um atestado de humildade dos dirigentes. Exatamente por isso, duvido que o façam.
O Santo André sofre de síndrome do vice-campeonato conquistado no ano passado. Acha que o feito é eterno. O Internacional de Limeira já foi campeão paulista. E o Novorizontino vice. O Paulista de Jundiaí, campeão da Copa do Brasil, não disputou no ano passado nem a Série D do Brasileiro.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André