O que aconteceu no final do jogo de domingo no Canindé na derrota do São Bernardo ante a Portuguesa não pode ser catalogado como delito esportivo. Portanto, não deve levar promotores criminais aos holofotes, como se pretende. Há questões muito mais importantes para o Ministério Público cuidar. O que se deu naquele jogo foi um acordo informal de últimos minutos, mal-ajambrado e por isso mesmo sujeito a derrapagens que levaram o São Bernardo à Segunda Divisão do Campeonato Paulista.
Escrevi domingo à noite no escritório domiciliar o artigo postado ontem, segunda-feira, sobre a rodada final do Campeonato Paulista. Reproduzi sem detalhamentos o que vi no final do jogo no Canindé. Até então, assistia à partida do São Caetano ante o Linense, no Estádio Anacleto Campanella. Estava 2 a 0 para o Linense e 0 a 0 no Canindé.
Embora providenciasse a gravação do jogo do São Bernardo, para acompanhamento integral mais tarde, resolvi mudar de canal no justo momento em que apareceu na tela o atacante da Portuguesa comemorando o gol do que seria a vitória de 1 a 0, que rebaixaria o São Bernardo.
Uma entrevista do atacante Alexandre, da Portuguesa, chamou minha atenção. Ele disse que o segundo gol do Linense em São Caetano teria desencadeado rápida operação de autoproteção das duas equipes no Canindé, a partir dos dois bancos de reservas. O empate de 0 a 0 favorecia a classificação da Portuguesa ao G8, tomando o lugar do derrotado São Caetano, e garantia o São Bernardo na Primeira Divisão.
Também sugeriu o atacante luso que o acordo de final de jogo que transpirou no banco de reservas foi transmitido de boca em boca aos jogadores em campo. Entretanto, e isso também fez parte da entrevista, jogadores da Lusa mantinham-se inseguros, diante da possibilidade de que um gol do São Caetano eliminaria a equipe da Capital, porque o time da região se classificaria no critério de saldo.
As declarações do atacante e alguns incidentes após o apito final, com reclamação dos jogadores do São Bernardo, foram suficientes para, jogo encerrado, recorresse este jornalista aos últimos minutos da gravação.
Não tive dúvidas. Já passavam dos 44 minutos do segundo tempo e o jogo se encaminhava para os descontos quando a Portuguesa resolveu trocar passes e esperar o tempo passar. Já havia vazado a informação do segundo gol do Linense em São Caetano. Não interessaria à Portuguesa correr risco de sofrer uma derrota e ser eliminada do G8. O São Bernardo aceitou o tratado informal de não-hostilidade e apenas ficou a observar o adversário fazer da bola algo sem compromisso. O importante era garantir a vaga na Série A do ano que vem. Cairia o Ituano.
A troca de passes não durou um minuto e parecia incomodar os jogadores lusos. Até que, praticamente para dar uma satisfação ao público, a bola foi erguida na área e, após desvio, apareceu livre de marcação um atacante da Portuguesa. O chute, que mais tarde o autor confessou ter intenção que passasse a metros do gol do São Bernardo, saiu enroscado, de calcanhar. A bola entrou mastigada no canto do goleiro Marcelo Pitol. O São Bernardo estava rebaixado.
Como escrevi muitas horas antes da rodada decisiva de domingo que os jogos que envolviam concorrentes à última vaga do G8 e as equipes que completariam o quadro de rebaixados obedeceriam a contexto cronológico, ou seja, de jogar o jogo e de estar atento a outros resultados, foi natural o comportamento de Portuguesa e São Bernardo.
As duas equipes jogaram para valer durante todo o tempo. Procuraram vencer a partida. Melhor: no primeiro tempo, retrancadas, lutaram para se defender da derrota na esperança de que os outros resultados da rodada pudessem definir com mais precisão a tática a adotar no segundo tempo. O segundo tempo veio e, para não dependerem demais de terceiros, foram à frente.
Ou seja: o que se deu no final foi apenas algo que chamaria de instinto de preservação reprovável apenas entre hipócritas. Já houve situações deliberadamente escandalosas no futebol que mereceriam duras punições, como os cambalachos nos jogos do Fluminense contra São Paulo e Palmeiras no último Campeonato Brasileiro, por exemplo, e nada, nadinha de nada, foi adiante.
Que o Ministério Público deixe para lá eventuais investigações, que a Justiça Esportiva tire da cabeça qualquer combinação maquiavélica, que todos parem de ver chifre na cabeça de cavalo, porque só houve uma vítima no episódio e essa vítima vai pagar caro. É o São Bernardo.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André