Regionalidade

Celso Daniel assume controle
de desenvolvimento econômico

DANIEL LIMA - 05/06/1997

O prefeito Celso Daniel assumiu a liderança política regional no setor de
desenvolvimento econômico. Um maratonístico seminário internacional realizado no
começo de maio no Teatro Municipal de Santo André, completado duas semanas
depois por um velocista workshop no SESI de Mauá, cristalizou a posição do
prefeito petista. Professor da Fundação Getúlio Vargas e apaixonado por estudos
econômicos, Celso Daniel não está perdendo a oportunidade como presidente do
Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, formado pelos sete prefeitos, e dispara
como principal articulador político da recuperação econômica regional. Nem que
para isso marque sua performance também pelo mimetismo. Caso da Carta da Câmara
do Grande ABC, redigida por Celso Daniel e equipe da Secretaria de
Desenvolvimento Econômico e Emprego de Santo André e aprovada quase sem emendas
durante o workshop de Mauá.


O documento é superficial, genérico e repetitivo, mas tem o aspecto positivo
de manter a questão do desenvolvimento econômico sustentado da região na agenda
dos formadores e dos tomadores de opinião.


Muito melhor, por isso mesmo, do que a omissão irresponsável de
administradores públicos que até recentemente comandavam a região, que por sua
vez sucederam modelos igualmente despreparados, num círculo vicioso que marca a
história de descuidos organizacionais do Grande ABC.


Embora tenha sido apresentada como inédita, a Carta da Câmara Regional do
Grande ABC, organismo composto pelos Executivos e Legislativos da região,
representante do Legislativo regional no Estado e no Congresso Nacional, além de
lideranças sociais e econômicas, não passa de repeteco de roupa nova e quase
integral da Carta do Grande ABC, divulgada há quase três anos durante o
lançamento do Fórum da Cidadania.


A apresentação do documento durante o workshop de Mauá causou surpresa.
Imaginava-se que se colocaria em debate elenco de quesitos filtrados do
seminário internacional, não algo previamente elaborado. O senso de organização
do presidente do Consórcio Intermunicipal teve como consequência a aprovação
quase sem emendas, até porque em todos os parágrafos buscou-se a consensualidade
explícita. O documento foi apresentado como espécie de carta de intenções
decorrente do seminário internacional realizado em Santo André, mas seu conteúdo
extrapola pontos abordados naquele evento e também sobrepõe-se aos estudos que
os quatro grupos temáticos da Câmara do Grande ABC estão realizando para
produzir o chamado Acordo do Grande ABC, em parceria com o governo do
Estado.


A pressa que Celso Daniel vem imprimindo à frente do Consórcio Intermunicipal
e que acaba por atingir a Câmara Regional, cujas reuniões se multiplicam,
contrapõe-se a ritmo mais ameno de outros administradores municipais da região
que parecem ainda não se dar conta de que a economia e o social do Grande ABC
vivem momentos delicados.


É até provável que a identificação dessa situação tenha levado Celso Daniel a
acelerar demais. Estaria pecando pelo excesso, enquanto outros prefeitos, casos
específicos de Gilson Menezes (Diadema) e Luiz Tortorello (São Caetano), ainda
não revelaram forte sensibilidade ao quadro regional. Maurício Soares, de São
Bernardo, ensaia os primeiros passos no setor, atrás de Oswaldo Dias (Mauá) e
Maria Inês Soares (Ribeirão Pires), que já avançaram nos respectivos fóruns de
desenvolvimento municipais.


A Carta da Câmara do Grande ABC, justamente porque foi produzida visando o
consenso, não toca em feridas do Custo ABC e insiste, num dos trechos, em tapar
o sol com a peneira ao afirmar: “No Grande ABC, as montadoras de veículos vêm
reconvertendo suas plantas antigas no sentido de alcançar competitividade, em
face do processo de abertura econômica. Embora isso venha acarretando acentuadas
perdas de postos de trabalhos industriais, não se trata de fechamento das
entidades produtivas, que continuam a investir na região (embora muito menos que
em outras localidades). Ao lado disso, não só nossas cidades não expressam uma
situação de esvaziamento como vêm ocorrendo investimentos de monta no setor
terciário. Ademais, sindicatos e empresários já demonstraram, sobretudo através
da Câmara Setorial da Indústria Automotiva, disposição a acordos, e a Câmara
Regional aponta para acordos amplos no Grande ABC”.


O deslize de insistir em negar as perdas econômicas da região não chega a
desqualificar o documento, clonagem de sugestões formuladas por diversos atores
regionais nos últimos anos, mas soa como pobre instrumento de marketing diante
do placar de perdas tributárias regionais nos últimos 16 anos.


A Carta defende o engajamento do governo federal para discutir o
redirecionamento de recursos gerados no Grande ABC. “Visamos pois ao
fortalecimento institucional e político da região através de processo de
cooperação mútua que não negue a identidade de cada agente envolvido, mas sim
parte dela para alcançar consenso”. A proposta esbarra claramente na baixa
representatividade política da região no governo federal e numa improvável
redistribuição de escassos recursos federais. Sem força política até mesmo para
manter a presidência da CTBC, Companhia Telefônica da Borda do Campo, parece
onírica a proposta de a região aumentar a participação no já minguado orçamento
federal.


Foi incorporado à Carta, certamente por sugestão de Nelson Tadeu Pereira,
secretário de Desenvolvimento Econômico e Emprego de Santo André, um modelo de
relacionamento comercial que esse executivo público aplicou há poucos anos como
gerente-geral da Rhodia de Santo André. O texto traduziu aquela experiência, sem
mencioná-la diretamente, da seguinte forma: “São necessárias políticas seletivas
que promovam o fortalecimento das cadeias produtivas próprias do Grande ABC (ao
invés de políticas genéricas que levariam a desperdício de esforços). O
conhecimento suficientemente detalhado da estrutura econômica regional — para o
que é imprescindível um censo econômico compatível — dará condições para evitar
excesso de empresas em alguns casos e para o estabelecimento de nichos
não-ocupados de nossa matriz industrial. Aqui têm lugar tanto estímulos ao
fornecimento local quanto à transformação industrial de insumos produzidos na
região”. O projeto da Rhodia teve como eixo as compras de fornecedores de
produtos e serviços locais, o que permitiu a elevação de receitas tributárias em
favor sobretudo do Município.


O documento do Consórcio Intermunicipal também se refere à necessidade do
engajamento das instituições universitárias e de seus especialistas e
intelectuais na elaboração de projeto de planejamento regional. “Estes
contribuiriam também para a constituição de centros de excelência tecnológica e
métodos de gestão, além do aprofundamento de reflexão acadêmica sobre os temas
relevantes do Grande ABC, que são fatores fundamentais para o binômio
desenvolvimento com qualidade de vida” — afirma. Essa proposição é antiga, mas
não tem sido praticada. O próprio seminário internacional realizado em Santo
André durante dois dias inteiros, com seis painéis de apresentação, poderia ter
aproximado o Poder Público e as escolas de terceiro grau se a programação fosse
descentralizada.


Mais do que isso: a própria formatação poderia estar sincronizada com o
perfil de ensino de cada instituição, levando-se até os estudantes e professores
não só experiências nacionais e internacionais, mas a própria realidade do
Grande ABC, pouco conhecida desse público exatamente porque a cultura regional
privilegiou o corporativismo estanque.


A flexibilidade da programação, que poderá ser aplicada nos próximos eventos,
ampliaria sensivelmente a audiência, já que o seminário do mês passado ficou
restrito a um mesmo e repetitivo público, formado por políticos, funcionários
públicos e algumas dezenas de representantes da sociedade organizada. O
adensamento de respostas da comunidade às carências do Grande ABC, como se sabe,
passa necessariamente pela massificação do conhecimento das mazelas econômicas e
sociais. É essa fermentação social, mesmo que restrita inicialmente a
determinados segmentos, que poderá aprofundar raízes de efetivas transformações
institucionais, a começar pela qualidade dos representantes dos Legislativos
locais.


Essa esfera de poder, aliás, parece barrada no baile do Consórcio
Intermunicipal. Tanto vereadores quanto deputados federais e estaduais eleitos
pela região não têm participado da Câmara Regional, embora lhes estejam
reservadas vagas no Conselho Deliberativo, instância que ainda não se reuniu uma
vez sequer. A tentativa do presidente da Câmara de Santo André, o petista
Vanderlei Siraque, de acrescentar sete cadeiras deliberativas no Consórcio
Intermunicipal deve entrar mesmo para a conta da ficção.


Nem o fato de Celso Daniel integrar o mesmo partido político de Siraque
ajudou na sensibilização da busca do consenso junto aos demais prefeitos do
Consórcio. A oposição aberta de Gilson Menezes e Luiz Tortorello foi confirmada.
Restou a Celso Daniel transmitir a estranha conclusão de que os sete presidentes
de Câmaras Municipais que pretendiam ter equidade de forças no organismo
acabariam por comprometer a velocidade dos mecanismos de decisão. O espírito de
corpo dos chefes dos Executivos acabou prevalecendo, até porque a justificativa
encontrada colide com a estrutura decisória da Câmara Regional, que comporta 35
representantes, entre os quais os mesmos presidentes de Câmaras Municipais
descartados pelo Consórcio.


A Carta da Câmara Regional se encerra com lucidez ao situar que todo o
esforço voltado à competitividade sistêmica da região, “isto é, a redução de
seus custos e a elevação de seus benefícios”, deve ser coroado com a colocação
em prática de marketing regional capaz de fazer com que a comunidade do Grande
ABC e a opinião pública em geral passem a ver a região a partir de uma imagem
positiva, caracterizada mais por vantagens do que desvantagens econômicas, por
um ambiente inovador e por apresentar boa qualidade de vida.


É exatamente nessa ordem, de resoluções práticas seguidas de venda da nova
imagem, que a região reconquistará o brilho de antigamente, não o inverso, como
até recentemente verificava-se através de espasmos de ufanismo vazio. É nesse
ponto que o Acordo do Grande ABC se converte no grande divisor de águas entre a
região corporativista que ainda perdura e a unitária, integracionista, que se
insinua com recaídas.


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