Regionalidade

Como sacudir sociedade
do breque de mão puxado?

DANIEL LIMA - 06/11/2001

Vivemos numa sociedade do breque de mão puxado. É claro que não estamos generalizando, até porque seria burrice enfiar todo mundo na mesma carroça. Mas muitos têm se especializado em encurtar os passos da cidadania, em refugar as lutas por regionalidade participativa e em tergiversar sobre assuntos que dizem respeito ao nosso futuro. Vejamos então os motivos que levam parte de nossos representantes sociais, econômicos e políticos a regatear atividades ligadas ao conjunto da sociedade.


Primeiro, muitos dos políticos que ocupam cargos executivos e legislativos. Ora, até por instinto de sobrevivência eles precisam vender o peixe, por mais malcheiroso que o peixe esteja. Hão sempre de propagar maravilhas em seus respectivos territórios, mas se forem de partidos de oposição ao governo estadual ou federal, preparem-se, porque lá vem bomba. Não perdoam mesmo. Eles conseguem a mágica de tentar vender seu Município como primor de realizações. Especialistas em verborragia, senão não seriam políticos, convencem interlocutores, leitores e ouvintes menos preparados. Transformam-se em heróis e, seus críticos, por mais independentes e apolíticos que sejam, recebem a pecha de incorrigíveis pessimistas.


Segundo, lideranças empresariais. Moldadas em formatos de um Brasil cartorial que a globalização não elimina mas exige muito mais competência lobística, esses representantes comandam apenas nas horas de folga, porque todos têm atividades profissionais. Cuidam de suas entidades nem sempre voltados aos objetivos dos associados. Alguns estão de olho no poder político. Acenam apoio aos mandantes de plantão nos paços municipais, mas flertam também com oposições. Poucas entidades reúnem executivos contratados para pensar estrategicamente e, mesmo quando isso acontece, os mandantes não dão muita voz e vez aos eventuais assessores porque falta estrutura sistêmica para fazer acontecer. Não adianta contar com um bom clarinetista se o resto da banda não acompanha o ritmo. O que querem mesmo, na maioria dos casos, é um lugar ao sol da popularidade e da notoriedade. Perdem mais tempo em encontros sociais do que na formulação de estratégias.


Terceiro, os sindicalistas. Estão numa sinuca de bico porque os tempos são outros e a evasão industrial que perdura e atinge o coração socioeconômico do Grande ABC não é tratada com o senso de urgência necessário devido à desconfiança de que lhes podem cobrar a fatura de exageros do passado. Também sofrem com a dura realidade regional, que exige transformações fundas no País, entre as quais a quebra de privilégios. Como contrariar os preceitos históricos das agremiações sindical e política a que estão filiados? Sem contar que sabem de cor e salteado que os custos adicionais de acordos trabalhistas envolvem muitas obrigações do Estado que tanto veneram, mas do qual preferem distanciar-se na hora de reivindicações voltadas para educação, saúde, transporte, alimentação, previdência social e tantas outras.


Quarto, agentes sociais diversos. Também pecam pela falta de estratégia e excesso de exposição pessoal. É verdade que misturam as estações, procuram, em muitos casos, valer-se dos benefícios de uma logomarca institucional para usufruir de interesses próprios. Há profissionais que não seriam praticamente nada sem a imagem das entidades que dizem representar. Como sabem disso, apostam forte no tráfico de influência para preservarem a hierarquia social.


Combinem-se todos esses fatores e teremos uma aquarela completa dos obstáculos para acertar os passos institucionais do Grande ABC. Até porque, sobrepondo-se a tudo isso, há especificidades territoriais — porque somos uma província dividida em sete partes. E também corporativas — porque somos um somatório de entidades que dificilmente se entrecruzam para o benefício do conjunto da comunidade.


Uma sociedade que não consegue romper os limites corporativos para ingressar em modernas redes de municipalidade e regionalidade é uma sociedade pela metade. É um conjunto de oligarquias que se mobilizam intestinamente e chegam até a transmitir a impressão pública de que se entreabraçam para tentar produzir resultados coletivos, mas que, na verdade, estão é se atacando, cotovelos armados, para conservarem postos privilegiados.


Não parece fácil a tarefa de todos aqueles que vivem fora dessa pasmaceira. Entretanto, como esse exército é maior do que se imagina, embora ainda seja minoria, vale a pena acreditar em mudanças. Até porque, como regionalidade é o contraponto salvador à globalização, o melhor é botar sebo nas canelas.


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