Regionalidade

Breve relato sobre anunciada
morte do Fórum da Cidadania

DANIEL LIMA - 21/03/2002

A moribundez do Fórum da Cidadania vai a julgamento no próximo sábado, em assembléia marcada para o Sesi, em Santo André. Há quem pretenda manter o debilitado organismo respirando com aparelhos de interesses localizadamente restritos e que nem de longe se assemelham aos cromossomos múltiplos que o conceberam. Há quem também não demonstre a menor frieza e revele a opção racional de que está na hora de acabar com uma sobrevida vegetal, propondo pura e simplesmente a eutanásia.


O fato é que o Fórum da Cidadania já era. Morreu de morte natural como tantos outros movimentos regionais menos espetaculares. Esgotou seu tempo institucional de forma homeopática. Muitos de seus atores demoraram para perceber que o Fórum da Cidadania já convalescia do vírus do esvaziamento enquanto lhe faziam reverência.


Os sintomas do aniquilamento de suas articulações não foram diagnosticados a tempo por muitos dos que lhe deram vida. O instinto de preservar de qualquer forma algo concebido por um conjunto de agentes sociais transformou-se em manifestação explícita de catarata analítica. Quando se deram conta, o Fórum da Cidadania já escalara o obituário institucional.


Maior movimento regional de toda a história mais recente do Grande ABC, o Fórum da Cidadania morreu de fato, mas deixou heranças de erros e acertos que não podem ser desprezadas, sob o risco de não se aprenderem as lições e de não se permitir a lógica de que há sempre vitórias em cada derrota.


Acertou na mosca o Fórum da Cidadania quando um de seus pressupostos básicos juntava os contrários. Empreendedores e sindicalistas, por exemplo, ocuparam o mesmo espaço de debate durante bons tempos.


Errou fragorosamente o Fórum da Cidadania quando não teve a acuidade tática de calibrar o conceito de consensualidade sob o prisma de evolução mais madura das relações, e não, como se perpetrou, com objetivos meramente de negociações internas, que nem de longe eram os mais interessantes.


Acertou também o Fórum da Cidadania ao obrigar o rodízio de ocupação da coordenadoria-geral, distribuindo o poder superior a representantes de diferentes atividades, inclusive ao sindicalista Carlos Augusto César Cafu.


Errou o Fórum da Cidadania ao delegar para o assembleísmo barulhento as decisões estratégicas que caberiam a um grupo de pensadores regionais. Substituiu a democracia representativa pelo democratismo convulsivo. Incorreu, portanto, nas mesmas falhas de organizações públicas que suas lideranças sempre criticaram.


Acertou o Fórum da Cidadania quando procurou provocar o surgimento de novas lideranças regionais, egressas de entidades dos mais diferentes espectros comunitários.


Errou o Fórum da Cidadania quando não teve capacidade de filtrar essas representações e, principalmente, ao permitir que interesses corporativos se sobrepusessem ao programa da instituição.


Acertou o Fórum da Cidadania quando de sua criação ao mexer com os brios e os egos dos políticos de plantão, atribuindo-lhes responsabilidade pelo estado de letargia institucional do Grande ABC em 1994.


Errou o Fórum da Cidadania ao esquecer, também em sua origem, que não foi apenas a classe política regional que instalou o Grande ABC, ao longo dos anos, no calabouço do individualismo, do personalismo, do coronelismo e do caciquismo, extensão do sistema centralizador que viceja nos rincões nordestinos.


Acertou o Fórum da Cidadania ao reunir o que poderia ser chamado de nata das principais instituições da região no primeiro estágio de adensamento representativo.


Errou o Fórum da Cidadania ao dar elasticidade demais ao preceito de participação, substituindo a qualidade e o comprometimento pela quantidade de baixo valor agregado e estupidamente divulgada como sinônimo de fortalecimento.


Acertou o Fórum da Cidadania ao possibilitar que representantes dos mais diferentes partidos políticos tivessem assento em suas assembléias, porque não se constrói democracia com discriminação.


Errou o Fórum da Cidadania ao permitir que vários desses representantes escalassem a montanha partidária em elucubrações viciadas, causando prejuízo ao programa de ações.


Acertou o Fórum da Cidadania ao procurar ter o respaldo de divulgação do maior veículo de comunicação da região, que, pelas circunstâncias e proximidade de alguns de seus representantes, acabou vinculado diretamente a seu futuro.


Errou o Fórum da Cidadania ao acreditar que somente porque tinha o respaldo do maior veículo de comunicação da região (e também da melhor revista regional do País) estaria imune de contratempos e a críticas providenciais, que a maior revista regional do País não se furtou de publicar.


Acertou o Fórum da Cidadania, por meio de um grupo restrito de lideranças estratégicas, ao estimular o lançamento de candidaturas políticas de vários de seus representantes.


Errou o Fórum da Cidadania ao não tornar essa estratégia mais transparente e ao não contemplar, no estatuto, a possibilidade de empreendimentos individuais na vida pública. Com essa medida, poderia ter amarrado critérios internos de candidaturas sem provocar divisionismo e desconfiança que contribuíram para a derrocada.


Acertou o Fórum da Cidadania ao elencar uma série de temas cruciais para a recomposição social e econômica do Grande ABC, embora tenha se manifestado na origem de forma menos enfática e coerente com relação ao esgarçamento da estrutura industrial da região, base de nosso equilíbrio.


Errou o Fórum da Cidadania ao não hierarquizar as medidas a serem executadas, transformando-se em balaio de gato de intenções e um saco vazio de resoluções.


Acertou o Fórum da Cidadania ao estimular a participação da sociedade no quadro associativo.


Errou o Fórum da Cidadania ao vetar a participação de empresas no quadro associativo. Um verdadeiro contra-senso de uma instituição que permanentemente carecia de recursos financeiros e exibia vistosas pernas de integração, e não de restrição.


Acertou o Fórum da Cidadania ao pelo menos dar visibilidade a determinados assuntos que incomodam a região, colocando-os na mídia.


Errou o Fórum da Cidadania ao imaginar que, ao dar uma vitrine luxuosa mas geralmente teórica ao temário mais candente sobre os problemas da região, estaria cumprido o seu papel.


Acertou o Fórum da Cidadania ao estimular o voto aos candidatos a deputado estadual e deputado federal com história na região.


Errou o Fórum da Cidadania ao deixar de monitorar as atividades dos parlamentares eleitos com os votos da região.


Muito mais poderia ser escrito sobre o Fórum da Cidadania, já que durante todo o período de sua efetiva vitalidade participei rigorosamente de grande parte das assembléias. Entretanto, o tempo me obriga a parar por aqui. Acho que o que expus é suficiente para um enterro de luxo, em vez de uma sobrevida vexatória.


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