Regionalidade

São Bernardo ganha uma
São Caetano em sete anos

DANIEL LIMA - 27/09/2002

O gerenciamento público de grandes municípios, notadamente da Região Metropolitana de São Paulo, é uma encruzilhada que assusta quem tem o mínimo de responsabilidade e ganha forma de desafio caso se considerem os padrões constitucionais que, incorretamente, conferem aos executivos e legislativos municipais atribuições e recursos financeiros semelhantes aos de qualquer lugarejo do Interior. São Bernardo, particularmente, é exemplo de que, por mais que se faça e por mais que se inove na administração dos recursos dos contribuintes, mais prevalecerá a impressão de que se está enxugando gelo.


Como pode ser possível enquadrar as contas públicas locais numa bitola do tamanho dos problemas sociais e das necessidades estruturais do Município se, por exemplo, desde a implantação do Plano Real, em 1994, o território que faz divisas geográficas com São Paulo, Diadema, São Caetano, Ribeirão Pires e Santo André recebeu adicional de 137 mil habitantes? Isso mesmo: a São Bernardo de depois do Plano Real ganhou de presente uma mistura de São Caetano em contingente populacional com peso equivalente a Diadema de sobrecarga social, dado o perfil de ocupação dos espaços periféricos por uma massa de excluídos.


Provavelmente os leitores ficaram estupefatos com a informação de que o ventre demográfico de São Bernardo gerou uma São Caetano associada com Diadema. Faço essa incursão porque, por experiência própria, quando me lancei a comparar os números de 1994 e 2001 para efeito de estudo econômico, considerei indispensável também checar a evolução da população dos municípios da região. São 309,4 mil moradores a mais no Grande ABC no espaço de sete anos — de janeiro de 1995 a dezembro de 2001 — o que, convenhamos, não é nada confortável. Crescemos 15% em habitantes, já que ao final de 1994 contávamos com 2,045 milhões de almas, contra 2,354 milhões em dezembro último.


Nenhum Município da região ganhou tanta gente em números absolutos e relativos quanto a São Bernardo do prefeito Maurício Soares. Foram, acumuladamente, 24% de taxa demográfica, como também ocorreu com a pequenina Rio Grande da Serra de apenas 37 mil moradores. Mauá e Diadema somaram, individualmente, 23% de novos moradores e estão praticamente empatadas em contingente populacional: a primeira registrava 363,3 mil pessoas em dezembro do ano passado contra 357 mil da segunda.


A saturada Santo André, que viu sua riqueza industrial perder o viço ao longo de 30 anos, contou com acréscimo populacional de apenas 5,5% nos sete anos mencionados, saindo de 614 mil para 649,3 mil habitantes. A São Caetano populacional que São Bernardo ganhou se deve ao emagrecimento da terra de Tortorello, única a ter rebaixada a cota que lhe cabe de população na região, passando de 149,2 mil para 140,1 mil moradores, ou queda acumulada de 6%.


A taxa média de crescimento demográfico da Gata Borralheira do Grande ABC é o dobro da contabilizada pela Capital tão vizinha e tão Cinderela. São Paulo cresceu no acumulado apenas 8,4% entre os dois pontos extremos da pesquisa. Acrescentou à geografia 813 mil novos moradores contemplados pela naturalidade de berço ou pelo passaporte informal de migrantes que ainda não se aperceberam que as oportunidades de mobilidade social na Capital Econômica do País estão longe dos tempos dourados, embora comparativamente ao Grande ABC ofereçam léguas de vantagem.


Mesmo com índice demográfico mais civilizado que a média do Grande ABC, São Paulo não deixa de flertar com o agravamento contínuo do quadro socioeconômico. Mais 813 mil novas bocas para alimentar e milhares de potenciais novos desempregados em busca de espaço no mercado de trabalho são quase uma nova Campinas enfiada goela abaixo da Capital no período de sete anos.


O transbordamento demográfico da Capital em direção ao Grande ABC, como escrevemos em Complexo de Gata Borralheira, é algo dramático que exigiria por parte de lideranças regionais empenho coordenado de especialistas, além de aparato institucional inovador inclusive de executivos e legisladores do Estado. Contrariamente aos tempos de glória, não há a menor sincronia entre inchaço populacional e geração de riqueza, como estamos cansados de mostrar.


Permitir que tudo continue a ocorrer como se fatalidade fosse é omissão que o tempo vai cobrar. Aliás, já está cobrando. Estamos nos tornando cada vez mais referência nacional e internacional em programas públicos de combate a feridas sociais porque não nos falta matéria-prima para experimentos vitoriosos. A contraface dessa equação, que é o desenvolvimento econômico sustentável, como se sabe, é apenas um sonho.


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