A formação do capital social de uma coletividade não pode abdicar da efetiva participação de representantes de setores locais de governo, do mercado e da comunidade. Simples como dois e dois são quatro. É um jogo de empurra-empurra irritante tentar definir quem mais se mostrou reticente à aproximação cooperativa na região ao longo das décadas. Teriam sido os representantes dos governos municipais? A comunidade? O mercado?
Coloquem todos no mesmo saco sem fundo de corporativismo explícito e de amesquinhamento individualista e está resolvida a questão. Somos o que somos porque pouco se deu bola de fato ao capital social como ferramenta de transformações. Era mais fácil manter o divisionismo corporativista de tudo-para-mim-o-resto-que-se-dane.
O caso dos agentes de mercado é mais grave. Além de se afastarem permanentemente de associações com governos e comunidade, pecaram até como instituições voltadas para seus próprios interesses. Separem do mercado os sindicalistas, que também são agentes da atividade, e fiquem apenas com os empreendedores. Selecionem ainda mais e fixem-se nos empreendedores industriais. Como agentes cooperativos no Grande ABC, foram e continuam sendo um zero à esquerda.
Em defesa deles há um aspecto sem dúvida importante: as históricas estripulias dos governos federais, principalmente. Às voltas com a necessidade de aumentar a carga tributária para sustentarem administrações cada vez mais ineficientes e perdulárias, os governos deste País levam homens de negócios à loucura. A parafernália burocrática enfiada goela abaixo, as regras do jogo da economia sempre violadas, o Fisco voraz, tudo isso forma o calvário de quem se mete a produzir no Estado brasileiro herdado dos portugueses hierárquicos e centralizadores.
Se esse contraponto pode ser utilizado para tentar amenizar o jogo participativo amplamente desfavorável aos empreendedores industriais, também agrava a responsabilidade. Afinal, se sabem que o Estado é avassalador, nada mais inteligente do que reagirem organizadamente como categoria — e não individualmente — para o enfrentamento com qualidade de informação e de propostas. A receita vale também para o contraditório com o governo estadual e com o governo municipal.
O que empresários industriais do Grande ABC, de pequeno e médio porte, fizeram historicamente? Nada, praticamente nada. Representados sem divisões setoriais nas agências do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), os empreendedores contam com assessoria burocrática, mas não se envolvem coletivamente em absolutamente nada que diga respeito às atividades produtivas na região.
Querem um exemplo da completa omissão do conjunto de empresários industriais do Grande ABC? Assim como os governos municipais, os sindicatos de trabalhadores, a sociedade pretensamente organizada e grande parte da mídia, simplesmente atuaram como espectadores diante do massacre perpetrado pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Com o agravante de que, além de espectadores, foram vítimas preferenciais da abertura econômica mais desajuizada que o País já patrocinou, das taxas de juros mais alucinadas que a Nação produtiva já viveu, da sobrevalorização da moeda mais estapafúrdia que a comunidade já sofreu.
Presos cada um em seu mundinho particular, do tamanho de suas respectivas empresas, os homens de indústrias de pequeno e médio porte do Grande ABC jamais compuseram de fato uma representação de seus interesses na região em que se instalaram. O modelo de participação sindical extremamente exclusivista e corporativo desenvolveu-se sempre longe da região, já que as representações legais estão quase todas, senão todas, sediadas na Cinderela cidade de São Paulo. Aos Ciesps sobraram as migalhas do burocratismo. Não é por outra razão que recentemente as diretorias locais do Ciesp se afastaram da Agência de Desenvolvimento Econômico depois de tentarem a prestidigitação moral de se fazerem de vítimas porque, inadimplentes financeiramente, jamais se deram ao trabalho de integrar de fato aquela entidade.
Com o modelo subserviente que as caracteriza há décadas e que as coloca apenas como apêndices do conglomerado Fiesp/Ciesp sediado na Capital, imaginar que as representações da pirâmide da Avenida Paulista exercitarão o jogo participativo da cidadania industrial no Grande ABC é sonhar acordado. Fausto Cestari Filho, já há alguns anos agregado na Avenida Paulista, era esperança de mudança profunda nessa situação de alheamento do industrial de pequeno e médio porte da região nas questões mais importantes da regionalidade. Resultado? Tudo como antes no quartel de Abranches.
Quem são os representantes do empresariado do Grande ABC na região? Dos pequenos e médios, mais precisamente? Dos grandes, do setor automotivo, a Anfavea trata sozinha e muito bem, porque tem massa crítica para tanto. E os pequenos e médios? O que os Ciesps locais fizeram nos últimos anos para reagir à política econômica do governo Fernando Henrique Cardoso que atingiu em cheio o Grande ABC, região que perdeu 34% do PIB no período? Nada, absolutamente nada.
Dirigentes dos Ciesps falam tanto em banco de dados, em estatísticas, que abrem a guarda para uma indagação: se as representações locais da entidade funcionassem de fato como ferramenta institucional dos empreendedores industriais, seriam as primeiras a sacar da algibeira da sabedoria e do conhecimento os números que apenas este jornalista, insaciável em compactar com a argamassa de estatísticas a estrutura de raciocínio analítico, conseguiu detectar como performance do governo federal.
O formato das diretorias locais do Ciesp está superado pelas circunstâncias e pela história. São dinossauros que não conseguem atender às expectativas do que resta de empreendedorismo industrial de pequeno e médio porte na região.
É preciso inverter a escala de valores de atuação. Em vez de prestação de serviços, ação institucional. A representatividade de cada diretoria será proporcional à capacidade de oxigenação aglutinadora e transformadora dos empreendedores. Há tantas questões a serem debatidas e atacadas que não tem mais sentido a entidade continuar a atuar como mera representação de serviços.
Mais um exemplo? A indústria têxtil de Santo André desapareceu na década passada e está desaparecendo em São Bernardo. O que se tem como reação? Nada, nada e nada. E assim tem sido a cronologia de mortes anunciadas de setores e segmentos industriais, enquanto o Ciesp se dá por satisfeito com a merreca de algumas centenas de associados e programas de assistencialismo organizacional.
Incapazes de gerar lideranças e liderados que produzam resultados no território municipal e regional, como poderia ser o caso de um exame minucioso do custo do IPTU e do ITBI, as diretorias do Ciesp no Grande ABC são moedas desvalorizadíssimas nas parcas relações institucionais. Não valem praticamente nada porque não têm contribuição a oferecer ou a exigir. Vivem num mundo de fantasia porque o conjunto de empreendedores do setor não as reconhece como legítimas e respeitáveis intérpretes de suas necessidades. Diferentemente, portanto, da importância e da relevância que o presidente da Fiesp, Horacio Lafer Piva, implementou nas relações institucionais com as mais diferentes instâncias governamentais.
Conclusão: o Ciesp do Grande ABC precisa passar por reciclagem. Quatro diretorias locais são um exagero e um desperdício. Fortalecem o fracionamento da comunidade regional. Instauram a competição predadora entre as próprias diretorias. Desperdiçam a munição da racionalidade. Pulverizam o bombardeio da representatividade institucional. Fragilizam o conjunto. Consolidam as vaidades improdutivas.
O modelo do Ciesp que o Grande ABC sedia é um animal sem cabeça. Ou com a cabeça proibida de raciocinar. Tudo pode. Menos provocar transformações. Tolhe-se a liberdade de expressão. Instaura-se o universo regional do discurso gelatinoso e descompromissado. É a antítese do que recomendam os formuladores do revigoramento da regionalidade como instrumento de recuperação econômica e social. Michael Porter teria uma síncope se soubesse que se pretende construir regionalidade com tamanha compartimentação.
O empresariado industrial de pequeno e médio porte não existe institucionalmente no Grande ABC, nunca existiu, aliás, porque a representação legal que deveria absorver seus pleitos olha para a Capital como os muçulmanos se dirigem à Meca. Há um excesso de reverência que, no fundo, no fundo, é uma desculpa esfarrapada para não fazerem nada, para esconderem o passado de imprevidência sob o tapete, atirar o presente de nulidade no quarto de despejo e chutar o futuro, se houver futuro, contra o próprio gol.
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