O Consórcio de Prefeitos do Grande ABC entra em fase decisiva para profissionalizar modelo de integração regional constantemente citado como referência mas que ainda não encontrou o caminho das pedras. As 92 páginas do estudo da Fundação Getúlio Vargas são o primeiro desafio ao novo grupo de prefeitos.
O relatório de uma das mais renomadas instituições acadêmicas do País mostra falhas já conhecidas de gerenciamento e apresenta sugestões que podem tanto se revelar solução como armadilhas, caso da criação da Assembléia Geral. A proposta da FGV ganha relevância porque elimina o caráter de clube fechado do Consórcio, mas pode levar ao exagero de comprometer a agilidade decisória.
Mesmo que pareça prematuro, porque os prefeitos ainda não se pronunciaram oficialmente sobre o estudo, o alerta é providencial. O histórico regional está repleto de exemplos dos estragos causados pelo assembleísmo.
O Fórum da Cidadania, precursor de voluntariosos movimentos de integração, virou sucata porque perdeu o foco na esteira de discussões intermináveis. Por isso, encontrar a fórmula da eficiência gerencial aparece como condição básica para aproveitar a esperada legalização dos consórcios públicos e, sobretudo, atender ao chamado do governo estadual de transformar o Consórcio de Prefeitos em modelo da Agência Metropolitana da Grande São Paulo.
“O mais importante é criar estrutura em que a gestão fique adequada à proposta da nova legislação sobre consórcios para que a entidade não cumpra apenas o papel de fazer diagnósticos, mas execute projetos e soluções com resultados práticos” – limitou-se a comentar o presidente do Consórcio e prefeito de São Bernardo, William Dib. O estudo da Fundação Getúlio Vargas ressalta exatamente esse ponto. Como ainda não existe legalmente figura jurídica de consórcio público, a FGV propõe estrutura semelhante a de associação civil, o que facilitaria a adaptação à iminente mudança legal.
O modelo prevê que prefeitos, representantes das Câmaras Municipais e das entidades civis credenciadas tenham assento na Assembléia Geral. O estudo, no entanto, não estabelece critérios para o assento das entidades civis, o que abre brechas para o inchaço de participação. “É importante integrar a comunidade, mas é preciso critério no processo de escolha. Senão, corre-se o risco de dar direito de voto a alguém que não está envolvido com o processo da regionalidade” — alerta o prefeito de Ribeirão Pires, Clóvis Volpi.
Como a Assembléia seria soberana, os prefeitos teriam de compartilhar decisões sobre alterações no estatuto e eleição dos membros dos conselhos administrativo e fiscal, entre outras atribuições. Dependendo da qualidade da participação comunitária e do nível de compreensão de cada novo participante, o processo corre o risco de ser ainda mais lento e de retroalimentar o ciclo vicioso que precisa ser rompido.
Pelo modelo da Getúlio Vargas, a Assembléia Geral elege o Conselho de Administração e o Conselho Fiscal, todos com membros eleitos e não remunerados. O restante do organograma prevê profissionais contratados para diretoria executiva, secretaria executiva, assessoria jurídica, assessoria de imprensa e coordenadoria de projetos.
“A flexibilidade para contratação de técnicos especializados é muito importante para garantir agilidade operacional” – reforça o vice-presidente e prefeito de Rio Grande da Serra, Adler Kiko Teixeira. O fato de o quadro atual de colaboradores não atender às necessidades do Consórcio é uma das 13 inconformidades relatadas no estudo da Fundação Getúlio Vargas. A estrutura atual conta com 10 funcionários administrativos e apenas três na área de projetos.
Também não há interação das atividades nem metodologia definida de trabalho, entre outros pontos que a entidade terá de solucionar. Clóvis Volpi lembra que os municípios consorciados ainda não têm respaldo jurídico para pleitear recursos para projetos regionais e que esse é outro ponto importante a ser solucionado.
A arrumação da casa e a consequente possibilidade de o Consórcio pegar a trilha da eficiência tem prazo definido. Se deixar passar a hora, o Grande ABC dificilmente terá outra oportunidade de sair da orbita da Capital. A configuração geopolítica pós-eleições municipais colocou o território de sete cidades no olho do furacão da próxima disputa eleitoral. O PT perdeu a hegemonia regional e abriu espaço para o PSDB e partidos alinhados ao governador Geraldo Alckmin.
A escolha de William Dib para a presidência do Consórcio de Prefeitos acendeu a luz dessa nova fase. A cerimônia de posse com a presença de um Geraldo Alckmin interessado em referendar o prefeito de São Bernardo e seus 76% de votos válidos como interlocutor oficial da região com o Palácio dos Bandeirantes colocou ingrediente novo no cenário de cordialidade protocolar usual em cerimônias do gênero.
Geraldo Alckmin parecia à vontade em ninho até então predominantemente petista. Não titubeou em comparecer a um Grande ABC que ainda convalescia de uma das piores cheias da história. Enfrentou manifestações, pedido de ajuda dos prefeitos mas não perdeu a postura nem a oportunidade de enaltecer a regionalidade do Grande ABC para propagandear a gestão metropolitana que pretende implantar na Grande São Paulo.
A criação da Agência, do Fundo e do Conselho de Desenvolvimento Metropolitano se tornou nova bandeira política do governador Geraldo Alckmin. Ele pretende erigir o tema como ponte à presidência da República em 2006. Aposta no sucesso da governança metropolitana para adensar o currículo de administrador público eficaz. “O Consórcio vai ser modelo para a Agência Metropolitana da Grande São Paulo” – confirmou várias vezes o governador, da mesma forma como repete sistematicamente que o Grande ABC vai se tornar a melhor esquina do Brasil após a conclusão do trecho Sul do Rodoanel.
O trecho Sul do Rodoanel, alias, foi o tema que mais rendeu visibilidade a William Dib no primeiro mês da presidência do Consórcio. Na esteira da afirmação do governador de que o Estado só tem dinheiro para construir o trecho entre Mauá e a Via Anchieta, Dib não perdeu tempo e convocou comunidade e empresariado para entrar na briga pelo trajeto integral da obra viária.
Como sabe que o tempo é precioso para dividendos políticos, William Dib já começa a voltar baterias contra o governo federal. Pretende ampliar o arco de alianças para pressionar a construção integral do Trecho Sul do Rodoanel. São 53 quilômetros, da Avenida Papa João XXIII, em Mauá até a Rodovia Régis Bittencourt, no Município do Embu. “Todos os setores deveriam cobrar a presença do governo federal na conclusão do Trecho Sul, desde parlamentares, prefeitos e toda a sociedade civil. É uma obra estratégica para todo o sistema produtivo” – convoca o prefeito.
Dib está especialmente atento às consequências danosas ao Grande ABC caso sejam feitos apenas os nove quilômetros que ligam Mauá à Via Anchieta, em São Bernardo. A obra pode beneficiar principalmente a Zona Leste da Capital, e Guarulhos, porque faria importante anel viário após a finalização da Avenida Jacu-Pêssego.
São Paulo e Guarulhos agregariam a vantagem da proximidade com o porto de Santos e o aeroporto de Guarulhos, enquanto o Grande ABC continuaria amargando distanciamento das principais rodovias que dão acesso ao Interior de São Paulo e vários Estados. Casos da Régis Bittencourt, Castelo Branco, Anhanguera e Bandeirantes. “Se ficarmos somente nesses nove quilômetros, não só agregaríamos valor para a Zona Leste da Capital como veríamos piorar o sistema Anchieta-Imigrantes. Não há possibilidade de aumentar o tráfego da Anchieta, que já tem congestionamentos que variam entre três e cinco quilômetros” – alerta o presidente do Consórcio.
Para William Dib, é fundamental pressão política que faça o governo Lula liberar recursos para a conclusão integral do Trecho Sul. “Precisamos do poder político do Grande ABC para que o governo federal entre com um terço dos recursos na obra, conforme o acordado” — reivindica o prefeito de São Bernardo. Pelo acordo original entre União, Estado e Prefeitura de São Paulo, cada parte arcaria com um terço dos custos da obra.
A participação da administração paulistana em pé de igualdade com as esferas de poder seria o preço pelos benefícios com a retirada do trânsito pesado das ruas da Capital. Dib lembra também que, assim que Lula assumiu o governo, a destinação orçamentária especifica para o Rodoanel viriam do orçamento geral do Ministério dos Transportes. “Sem dotação especifica de recursos, a obra ficaria na mesma situação da Rodovia Fernão Dias, cuja conclusão da duplicação ninguém sabe quando vai acontecer” – lembra o prefeito.
Na avaliação do presidente do Consórcio, a conclusão do Trecho Sul dará ao Rodoanel quase todo o seu potencial estratégico. O sistema contaria com ligação da Rodovia dos Bandeirantes até a Via Dutra, com o somatório dos trechos Oeste e Sul, além da ligação da Jacu-Pêssego. “Apenas a Fernão Dias ficaria de fora” – ressalta o prefeito de São Bernardo.
A preocupação de William Dib é que o Trecho Sul se restrinja aos nove quilômetros possíveis com a dotação de apenas R$ 340 milhões do governo do Estado. “Isso não é nada mais do que uma alça que nem estava no projeto inicial do Trecho Sul, que ligaria a Anchieta à Régis Bittencourt. Aí, o que era um adendo ao projeto acaba se tornando o principal” – critica William Dib. Caso recursos escassos e obras reduzidas se materializem, o presidente do Consórcio defende que o trecho da obra seja ampliado até a Rodovia dos Imigrantes, sem acessos pela Anchieta, de forma a não sobrecarregar o tráfego em São Bernardo. Os acessos da Anchieta só seriam abertos com a conclusão integral da obra, até o Embu.
As críticas do presidente do Consórcio de Prefeitos ao encurtamento do Trecho Sul repercutiram no Palácio dos Bandeirantes. Tanto que fizeram o governador Geraldo Alckmin falar na possibilidade de realizar toda a obra com apoio da PPP (Parceria Público-Privada). A modalidade permite convênios entre o poder público e empresas. Para amenizar os protestos regionais, Alckmin escalou o secretário de Estado dos Transportes, Dario Rais Lopes, para comparecer à próxima reunião ordinária dos sete prefeitos do Grande ABC no Consórcio, dia 14.
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24/10/2024 UFABC fracassa de novo. Novos prefeitos reagirão?