Regionalidade

Com o dinheiro dos outros

DANIEL LIMA - 27/03/2005

Depois de ler matéria de capa de Exame sobre capitalismo e suas variáveis, entre as quais a chamada responsabilidade social, me lancei a observações críticas sobre o que acabara de consumir. É assim que geralmente faço a cada texto. Não consigo ler apenas por ler, como muitos leitores o fazem. Leio a revista LivreMercado de cabo a rabo antes de suas páginas ganharem forma gráfica nos computadores e impressão nas rotativas. Leio, nesse caso, é força de expressão. Mastigo as informações.


No caso da Exame, uma de minhas leituras prediletas, cheguei a uma conclusão que escapuliu do autor da matéria. Aliás, confesso que me repreendi por ter constatado apenas agora o que aprofundo em seguida. Já me lancei tanto ao temário responsabilidade social, inclusive na prática da criação de Nossas Madres Terezas, que, francamente, não sei por que cargas d’água não tinha sacado antes o que chamaria de espécie de cortina de fumaça do marketing social das empresas.


É possível que o leitor esteja impaciente e intrigado com o suspense proposital sobre o que indevidamente se chamaria de buraco no texto de Exame e mesmo do histórico de abordagem do temário responsabilidade social por todos os meios de comunicação. Pois então vamos aos fatos.


O que chamo de buraco na avaliação de políticas de empresas voltadas para tapar lacunas do Estado nas áreas social, ambiental e cultural, entre outras, é o manejo dessa ferramenta sensibilizadora de usuários, consumidores e cidadãos como disfarce da covardia e do oportunismo institucional de seus dirigentes.


Como assim?, perguntariam leitores que me conhecem um pouco mais. Como posso afirmar que as empresas que praticam responsabilidade social são, de fato, administrativamente covardes e manipuladoras de sentimentos? Calma. Essencialmente o enunciado é irrebatível. Entretanto, a generalização está fora de cogitação. Há empresas e empreendedores que de fato são absolutamente tocados pela exclusão social e promovem ações pela solidariedade. Entretanto, há também os aproveitadores de ocasião.


Há empresas e empreendedores que jamais vão ter a coragem, a responsabilidade, a sensatez e o discernimento de se postarem frontalmente ou mesmo comedidamente contra um Estado que arrecada 36% do PIB em impostos e devolve tão pouco à sociedade. Os interesses pessoais e corporativos estão muito acima das sequelas que o aprisionamento do Estado provoca.


Há pecaminosidades entre dirigentes e empreendimentos que vivem à sombra do Estado. Então, é muito mais fácil, cômodo e, ainda mais, politicamente correto, com ganhos substanciais de imagem, distribuir merrecas de recursos financeiros em atividades de cunho social para determinados tipos de público. E geralmente, como destaca Exame, utilizando-se arbitrariamente do dinheiro do acionista ou do repasse de preços aos consumidores.


Nada é mais interessante para esses protagonistas da malandragem social do que usar o dinheiro dos outros. O ganho é múltiplo, porque posam de beneméritos e seguem cada vez mais próximos dos poderes que lhes interessam para novas empreitadas associadas ao verniz pessoal de beneméritos sociais.


O que quero dizer com isso é que, como um desses paradoxos intrigantes que nos atordoam porque somente agora os identificamos, boa parte de medidas de responsabilidade social de empresas está na realidade corroborando com a perpetuação, quando não para o agravamento, do quadro de penúria nacional.


A cultura do capitalismo solidário que deveria ser subproduto do desenvolvimento econômico sustentável, como reza a tradição norte-americana, se transformou, de fato, em aleijão conceitual de um país tropical em que o Estado-Todo-Poderoso dá as cargas e joga de mão, tendo a bajulá-lo um séquito empresarial estupidamente alienado mas espertíssimo.


Talvez fosse difícil definir a diferença que separa as empresas socialmente responsáveis, segundo o conceito que se propagou pelo país, e as empresas socialmente irresponsáveis, ou seja, aquelas que não estão nem aí para o desmoronamento da qualidade de vida da sociedade nacional.


Há entre um modelo e outro mais semelhanças do que contrastes. Afinal, enquanto os dirigentes avessos à sensibilização social seguem se imaginando ilhas, os empreendedores da solidariedade de conveniência rezam para que não se descubra o mapa da mina da trambicagem denunciadas nestas linhas.


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