Regionalidade

Metrópole trôpega

DANIEL LIMA - 29/03/2005

Pegue os sete municípios do Grande ABC e os três principais da Região Metropolitana de São Paulo. Simplificadamente, temos o G-10, ou seja, um grupo de 10 municípios entre os 39 do quarto maior conglomerado humano do planeta, com 18,5 milhões de habitantes.


Quem imagina que é ousado catalogar esse conjunto de municípios como caldeirão humano será chamado de conservador. Formamos muito mais que um caldeirão. Vivemos numa grandiosíssima panela de pressão. Qualquer dona de casa sabe a diferença entre o primeiro e o segundo. O problema é que somos uma panela de pressão sem válvula de escape. Por isso, estamos à beira de grande explosão.


As continuadas crises e o festival de trapalhadas do governo estadual na gestão da Febem são apenas um pedaço do estágio em que nos encontramos. A grande metrópole paulista requer estudos, planejamento e ações sincronizados e específicos. Principalmente com financiamento para, de imediato, interromper a trajetória de esfacelamento. Infelizmente, entretanto, a pregação por uma metropolização recondutora de níveis minimamente aceitáveis de qualidade de vida, não enche um utilitário de fiéis.


Bastaria um dado estatístico, que retirei de algumas planilhas que pareciam jogadas às traças em meu escritório doméstico, para que os leitores tenham idéia do que ocorreu nesse território metropolitano: o repasse de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), tradicionalmente a maior receita dos municípios, caiu exatamente 43,81% no período que começa em 1976 e termina em 2004. Isso mesmo: em 28 anos, o G-10 perdeu quase metade de recursos amealhados pelo Estado. Tínhamos 64,16% de participação; caímos para 36,05%. Já imaginaram o estrago nas finanças municipais?


O que está recôndito na distribuição do ICMS é muito mais grave do que sugerem as planilhas. ICMS significa, em larga escala, espelho fiel da força econômica de cada município.
Vou tentar explicar didaticamente a equação de distribuição desse imposto.


Todo o ICMS recolhido pelo governo do Estado vai para caixa único, do qual o Palácio dos Bandeirantes fica com 75%. Os 25% restantes vão para os 645 municípios paulistas. Como se observa, a divisão é extraordinariamente desigual. Os 25% reservados aos municípios são distribuídos levando-se em conta alguns fatores. O que pesa mais (exatamente 76%) é o Valor Adicionado.


O que vem a ser Valor Adicionado? Resumidamente, é todo o conjunto de recursos que consta da cadeia de produção. Um granulado petroquímico do Pólo de Capuava que vira pára-choque de automóvel agrega valores adicionados. Contam-se salários, serviços diversos, impostos e tudo o mais. Portanto, Valor Adicionado é a capacidade de geração de riqueza produtiva de cada Município.


Ora, se o Valor Adicionado ancora em dois terços a grade de definição do ICMS, já que seu peso relativo é de 76%, contra 15% relativos à demografia e alguns pontos percentuais complementares para áreas inundáveis e agricultáveis, entre outros, está explícito que o principal imposto estadual reflete o dinamismo da indústria de transformação e sua inserção econômica de comércio e serviços.


A barbaridade distributiva do ICMS, contra a qual não conseguimos encontrar deputados em número suficiente para insurgimento coordenado e reformulador, é que os municípios industrialmente fortes que passaram por esvaziamento de riqueza e por inchaço populacional acabaram perdendo duplamente. Sim, duplamente, já que viram seus cofres se esvaziarem em proporção semelhante ao emagrecimento per capita de investimentos sociais. Santo André é campeã nesse quesito.


Por outro lado, e nesse ponto também os legisladores são omissos, municípios de menor porte mas industrialmente seletivos, principalmente por sediarem indústrias químicas e petroquímicas, contam com orçamentos nababescos e patrocinam sinecuras escandalosas. O caso de Paulínia, campeã nacional em despesas por habitante com Executivo e Legislativo, por exemplo, é acintoso soco na cara de todos que propõem a moralidade pública.


Enquanto representantes governamentais e legisladores se mantêm alheios a reformas estruturais no campo tributário, o Grande ABC sofre um safanão em forma de manchete principal deste jornal de ontem, com a revelação de que 500 mil moradores vivem à margem de uma das condições básicas de salubridade, no caso rede de esgoto.


No ritmo trôpego dessa metrópole, ainda teremos saudades destes tempos já escabrosos.


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