Regionalidade

UFABC precisa de
correção de rota

ANDRE MARCEL DE LIMA - 11/11/2005

Agentes socioeconômicos comprometidos com o futuro do Grande ABC precisam promover força-tarefa a tempo de corrigir a rota pedagógica e curricular da UFABC; caso contrário, a materialização do projeto da universidade federal se constituirá como corpo estranho à realidade local e em nada contribuirá para o desenvolvimento econômico sustentado. Se a sociedade não se mobilizar para viabilizar a implantação da UFABC em bases pragmáticas, como suporte a matrizes produtivas estrategicamente selecionadas, perder-se-á oportunidade valiosa de aproveitar na plenitude a boa vontade demonstrada pelo governo federal. E a negligência seria imperdoável para a região historicamente preterida pelas esferas superiores de poder constitucional.


A importância de corrigir os rumos da UFABC veio à tona no primeiro Ciclo de Debates promovido pela Editora Livre Mercado, que marcou a transformação do Conselho Deliberativo do Prêmio Desempenho em Conselho Editorial. A exposição no auditório da Faenac (Faculdade Editora Nacional), de São Caetano, foi a mais crítica e detalhada já realizada sobre o tema. Por isso, o clima esquentou entre Valmor Bolan, reitor da Faenac, e Cleuza Repulho, secretária de Educação de Santo André, integrante da comissão de implantação da UFABC. Também participaram do debate o consultor Jaime Guedes e o empreendedor educacional Alessandro Bernardo, além do mediador Daniel Lima, diretor-executivo de LivreMercado.


O pomo da discórdia é a distância quilométrica entre o modelo prêt-à-porter adotado para a UFABC e o ideal de figurino sob medida, concebido de acordo com as especificidades da região. Na exposição inicial, Cleuza Repulho esforçou-se para transmitir a sensação de que o projeto avança a passos largos e de que se consolidará como universidade diferenciada de todas as que o governo federal já produziu.


“O reitor e o vice-reitor já foram nomeados. Cientistas renomados do Brasil e do Exterior estão formatando uma universidade diferente, voltada a tecnologia de ponta e pesquisa, além de cursos de bacharelado em ciências naturais” — ressaltou, ao exibir imagens tridimensionais em telão do campus programado para Santo André.


Mas a expressão tecnologia de ponta é genérica e demanda especificações para fazer sentido à luz da segmentação industrial do século XXI e, principalmente, das necessidades da região atropelada pela globalização dos anos 90. “É preciso saber de qual ponta estamos falando: cosméticos, indústria automotiva, plásticos ou outros segmentos recônditos e de grande potencial que ainda nem conhecemos, relacionado aos mananciais, por exemplo?” — ponderou Daniel Lima.


Não por acaso, a primeira questão formulada pelo mediador aos quatro debatedores tocava exatamente no ponto da definição de prioridades: levando-se em conta que o Grande ABC ainda não conseguiu definir o rumo econômico que precisa percorrer, depois da avalanche da abertura econômica que soterrou o setor industrial, é correto definir a linha pedagógica da universidade federal sem levar em conta a necessidade de avançar na direção de soluções que reduzam os efeitos da desindustrialização?


“Precisamos de uma universidade empreendedora, conectada às necessidades das cadeias produtivas, inclusive patrocinada por empresas, e não do modelo elitista, burocrático e atrasado que marca o Ensino Superior brasileiro. A UFABC não tem de surgir de cientistas que não conhecem a realidade local, mas do seio da sociedade organizada do Grande ABC. Da forma como foi apresentada, a UFABC servirá apenas para atender à burguesia de dentro e de fora da região” — disparou Valmor Bolan.


Cleuza Repulho tentou refutar o alerta de que o projeto da UFABC estaria desconectado do universo produtivo com a argumentação de que os cientistas cuidam da formatação curricular norteados por ampla pesquisa. A realidade nua e crua, entretanto, é que o Grande ABC nunca se lançou à missão de descobrir o rumo a tomar. “Não existe, em qualquer lugar deste País, um grupo ou estudioso que consiga vislumbrar o futuro da região. Não há estudos nesse sentido” — considerou Daniel Lima. “O Grande ABC não sabe para onde vai economicamente e temo que a economia e a universidade se desloquem em direções antagônicas por querermos colocar o telhado antes de construir a casa” — observou o jornalista.


O jornalista ainda se referiu a dados segundo os quais há três universitários em cada quatro desempregados na Grande São Paulo. Significa que o desencaixe entre universidade federal e economia pode gerar safra suplementar de desocupados com Ensino Superior.


As deficiências da UFABC são congênitas. Estão relacionadas ao enclausuramento político-partidário que marcou a origem do projeto. Portanto, seria injustiça jogar o peso da responsabilidade nos ombros da secretária de Educação de Santo André, que integrou a comissão posteriormente e se esforça para fazer o melhor. “Na composição do grupo inicial de discussão não havia sequer um representante do setor econômico. O PT fez demagogia ao colocar leigos para discutir a questão, mas demonstrou sensibilidade para atender antiga reivindicação de parte da sociedade regional” — contextualizou Daniel Lima.


À medida que o debate avançava e o conceito de universidade como engrenagem do mecanismo produtivo se tornava mais palatável, Cleuza Repulho assimilava a lição de que a educação precisa ser ferramenta, e não fim em si mesmo. “A grande falha é o buraco entre o acadêmico e o econômico” — admitiu, comprometendo-se a repassar a mensagem aos demais membros da comissão. E desabafou. “Sinto na pele que regionalidade é apenas discurso. Não conseguimos nem reunir os secretários de Educação das sete cidades”.


Independentemente do êxito em transformar a UFABC em suporte estratégico para o desenvolvimento econômico, o consultor Jaime Guedes chama atenção para o fato de que a gratuidade da UFABC pode resgatar milhares de jovens e adultos afastados dos bancos escolares por questões financeiras. Lembrou que apenas metade das quase 50 mil vagas oferecidas pelas 33 instituições de Ensino Superior no vestibular 2005 foram efetivamente preenchidas.


“A média de meio candidato por vaga retrata a demanda reprimida de milhares de estudantes que estão fora da escola porque não têm condições de pagar mensalidades” — observou. Pena que no Brasil os sinais estejam invertidos: o Ensino Superior gratuito é monopolizado pela classe média e pelos ricos mais bem preparados, não pelos pobres que precisam aliar trabalho e escola.


O empreendedor educacional Alessandro Bernardo não acredita que a criação de 20 mil vagas gratuitas em cinco anos — conforme prevê o projeto — possa alargar ainda mais a ociosidade nas faculdades e universidades da região. “A UFABC não vai tirar alunos das escolas privadas porque atrairá alunos de todo País, como é comum, aliás, nas demais universidades federais” — afirmou. Alessandro foi quem melhor sintetizou a essência da UFABC caso o projeto não sofra correção de rota no sentido da regionalização: o risco é se tornar mera universidade federal no Grande ABC.


Se não bastasse a constatação de que a região massacrada pela globalização sem salvaguardas precisa de um grande centro de inteligência conectado com as principais atividades econômicas, a situação calamitosa das universidades federais pelo País é componente adicional para desestimular a adoção de modelo convencional pela UFABC. Afinal, se o governo federal historicamente endividado não dispõe de recursos para manutenção das escolas existentes, como poderá cuidar a contento de novas instituições? A previsão orçamentária anual para a UFABC em pleno funcionamento é de R$ 150 milhões. “Até por necessidade financeira o modelo precisa ser diferente. Empresas podem atuar como patrocinadoras na medida em que tiverem as próprias necessidades atendidas” — sugere Valmor Bolan, que pretende formar comissão paralela para contribuir com a atualização do conceito da UFABC.


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