Já está provado e comprovado, depois de uma década e meia de desperdícios de tempo, de dinheiro e de paciência, mesmo se admitindo, com boa vontade, que houve algum avanço na regionalidade do Grande ABC: o Consórcio Intermunicipal de Prefeitos precisa mudar de conteúdo organizacional e trabalhar como células de produção. E sem perda de tempo a solução mais palatável e potencialmente mais interessante é o fim do regime presidencialista nos moldes convenvionais em que o prefeito-titular da temporada de 12 meses de mandato obscurece os demais. Com isso, os temários mais importantes submergem às demandas preferenciais do executivo de plantão.
Esse é um enredo mais que sofrivelmente manjado. Nem mesmo o atual titular do Consórcio, o prefeito William Dib, de São Bernardo, conseguiu desvencilhar-se dos obstáculos, por mais que tenha recolocado a entidade na pauta jornalística com série de iniciativas. Afinal, é improvável que um barco, qualquer barco, com sete remadores em meio a uma tempestade, consiga encontrar o rumo certo no tempo certo quando apenas um deles rema para valer, enquanto os outros, por melhor intenção que tenham, reservam força e fôlego para quando forem descobertos pelos holofotes que o presidencialismo impõe.
Que saída então para contemplar a visibilidade conjunta dos sete prefeitos? Simples: que o cargo de presidente do Consórcio não seja exercido por qualquer um dos chefes de Executivo. Que o titular seja suficientemente competente para estimular e coordenar a interlocução com os sete prefeitos, que dê dinamismo às pautas mas que não passe mesmo de discreto e eficientíssimo figurante da companhia.
As estrelas serão a constelação de sete, durante os quatro anos de mandato. Muito melhor do que uma estrela por vez, a cada ano, com os demais chefes de Executivo puxando o freio de mão até mesmo por senso de sobrevivência que geralmente significa voltar-se para o seu próprio território municipal, onde não há nuvens capazes de retirá-los da ribalta.
Não há momento mais apropriado para a mudança do que o começo deste ano, quando deverá ser realizada reunião para a escolha do sucessor de William Dib. Que pode ser o próprio William Dib, que, embora não confirme, poderia ser mantido no cargo quem sabe para ele próprio introduzir a novidade no organograma da entidade.
O mesmo William Dib que, ao ouvir a sugestão, abriu um sorriso de aprovação. Algo repetido por José Auricchio, prefeito de São Caetano. E também por Silvio Minciotti, titular da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC, introdutor da expressão “células de produção”.
Como a Agência é filha bastarda da institucionalidade regional que mal consegue pagar as próprias obrigações financeiras, nada mais apropriado do que aproveitar a reformatação do Consórcio Intermunicipal e transformá-la em diretoria operacional da entidade. Quem sabe o próprio Silvio Minciotti poderia assumir a presidência administrativa do Consórcio? Ele tem o perfil adequado quando se verifica que há muito deixou ambição eleitoral de lado, é tecnicamente reconhecido como talentoso e se relaciona sem atropelos com todas as agremiações políticas, apesar de tucano.
Com um presidente administrativo à frente do Consórcio Intermunicipal, os sete prefeitos seriam espécies de primeiros-ministros de atuações públicas proporcionais à efetividade de ações.
O princípio consolidado de que é indispensável mudar o padrão de atividades do Consórcio Intermunicipal é a constatação de que os resultados históricos estão distantes demais das imperiosas necessidades regionais. O modelo presidencialista é uma aberração prática quando se sabe que o clube dos prefeitos é um conjunto de representantes políticos que não suportam subalternidade mesmo que temporária.
O figurino atual do Consórcio garante que o titular do cargo de presidente vai enfiar o pé no acelerador nos 12 meses de mandato, mas, em contraponto, os demais, ou puxam mesmo o freio de mão ou, discretamente, pisam no pedal de frenagem.
Listamos a seguir alguns pontos à aprovação de mudança estatutária que transformaria o Consórcio Intermunicipal em colegiado de prefeitos em igualdades de condições hierárquicas mas titulares absolutos das pastas que passariam a coordenar.
Cada prefeito ficaria responsável pela coordenação de um ou no máximo dois temários de extrema importância estratégica para o futuro do Grande ABC. Um exemplo: enquanto a William Dib poderia ser reservada a complexidade viária, inclusive o Rodoanel, já que São Bernardo prepara profunda operação interna, José Auricchio, ex-secretário de Saúde de São Caetano, poderia tratar da atividade que, garantem as pesquisas, é um dos calcanhares-de-aquiles do setor público.
Outro exemplo: José de Filippi Júnior, de Diadema, cuidaria da segurança pública, o que já faz mas sem visibilidade midiática, enquanto João Avamileno, de Santo André, trataria do sistema educacional universitário a bordo da sede da UFABC. O prefeito Kiko Adler Teixeira, de Rio Grande da Serra, cuidaria do meio ambiente enquanto Clóvis Volpi, de Ribeirão Pires, mexeria com as estruturas do turismo regional. A Leonel Damo competiria a pasta do setor químico-petroquímico.
Uma segunda pasta a William Dib certamente seria a automotiva, dada à obviedade de São Bernardo ser a capital do setor no País e da própria decisão do prefeito de potencializar a atividade para recuperar a indústria regional.
Quando se trata de agentes públicos que invariavelmente dependem de votos para manter potentados, a variável de idiossincrasias é emblemática. Mas nem por isso deve obstar combinações construtivistas. O risco de os prefeitos fecharem os olhos às demais temáticas regionais, cuidando apenas das que mantêm controle, sempre existirá. Por isso o papel do presidente administrativo é de vital importância.
Caberá a esse profissional remunerado a interface dos desempenhos individuais e temáticos de cada prefeito. Ações individuais é força de expressão, porque o foco temático não subsistiria sem o coletivismo dos demais municípios. Um exemplo claro: o prefeito José Auricchio só atingiria níveis de soluções para a saúde regional com o suporte dos secretários das respectivas pastas de todos os municípios, da mesma forma que William Dib dependeria do secretariado relacionado ao desenvolvimento econômico.
O fim do presidencialismo convencional no Consórcio Intermunicipal retiraria a cobertura ou a discriminação da mídia do titular da temporada e multiplicaria o foco em sete agentes que, por força de nova dinâmica gerencial, certamente passariam a ocupar muito mais espaços. Dessa forma, as naturais e inescapáveis vaidades pessoais e políticas dos chefes dos Executivos seriam revertidas para o bem. Em vez da escuridão midiática atual que se abate sobre seis titulares de prefeituras enquanto apenas um, o presidente, goza de prestígio, ter-se-ia multifocalidade associada à competitividade produtiva.
A compartimentação temática dos problemas mais cruciais do Grande ABC não tem significado de divisionismo do Consórcio. Tematização e coletivismo não são porções separatistas. Pelo contrário: o sucesso de cada prefeito no tratamento das respectivas especialidades dependerá dos compromissos regionais dos agentes que se integrarem às empreitadas. A idéia de que questões macrorregionais podem ser resolvidas isoladamente em cada município já se comprovou mistura de estupidez e insensatez.
A possibilidade de o prefeito Clóvis Volpi incrementar o turismo apenas no território de Ribeirão Pires ou esticá-lo até Rio Grande da Serra é apenas um pedaço muito pequeno de solução para o mosaico regional. Nada superaria proposta que contemplasse a conjugação do acervo potencialmente mobilizador dos sete municípios. Individualmente, qualquer Município do Grande ABC será sempre menor que o conjunto. Na medida em que mais municípios locais se juntarem pela lógica da cooperação, menos dificuldades serão interpostas à minimização dos problemas.
A formação de Conselho Consultivo no novo Consórcio Intermunicipal, com representantes de diversas instâncias da comunidade empresarial, social e pública, é salvaguarda à implementação de medidas que mudem o traçado das linhas do destino do Grande ABC. Embora o Conselho Consultivo deva ser doutrinado a perseguir indistintamente todos os lances do novo formato multitemático do Consórcio numa grande assembléia mensal, a repartição de seus integrantes em especialidades que serão tratadas pelos respectivos prefeitos permitiria acompanhamento inclusive para eventuais correções de rota.
Traduzindo o modelo para o mundo corporativo, cada assunto sob gestão de determinado prefeito seria visto como um produto cuja cadeia de transformação reuniria especialistas do ramo que colocariam a mão na massa. Os membros do Conselho Consultivo seriam espécies de consumidores ou usuários atentos às efetivas repercussões das medidas.
A possível argumentação de que já há algum sentido de especialização combinada com descentralização na atual modelagem do Consórcio de Prefeitos, como é o caso da segurança pública sob os cuidados do prefeito de Diadema, mais que defesa e a própria condenação do desenho que há 15 anos se comprovou fora de moda. Afinal, se mesmo com certo grau de tematização em algumas questões os resultados práticos do Consórcio estão muito aquém do indispensável, está mais que aberta a janela por onde entram os insetos da dispersão motivada pelo presidencialismo concentrador de atenções.
O nó górdio do organograma do Consórcio de Prefeitos é a centralidade personalística e exclusivística do regime presidencial que, indistintamente, atingiu a todos que ocuparam o cargo em década e meia. Um ou outro presidente conseguiu de alguma maneira safar-se razoavelmente das amarras decorrentes disso, como é o caso mais recente de William Dib, do alto do prestígio de principal articulador político do Grande ABC. Mas o Grande ABC precisa de muito mais porque está sendo continuamente atropelado pelo mundo sem fronteiras.
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24/10/2024 UFABC fracassa de novo. Novos prefeitos reagirão?