Somente uma pesquisa bem feita, da concepção à aplicação, por gente que saiba como tomar as coronárias da região, daria respostas seguras a indagação que de vez em quando faço a mim mesmo:
Como estamos encarando a vida no Grande ABC?
Sei que lá atrás, quando Celso Daniel decidiu lançar o projeto Santo André Cidade Futuro e o Eixo Tamanduatehy, uma das ferramentas de que se utilizou para plasmar a iniciativa foi a constatação, com base em pesquisa, de que havia no Município um sentimento de viuvez industrial, depois que tantas fábricas se foram, depois que tantos empregos se evaporaram.
Não se esqueçam que o hino de Santo André, com letra do professor José Amaral Wagner e música de Luiz Carlos da Fonseca e Castro, oficializado em 1950, faz louvor ao “viveiro industrial”. Reparem só:
“Salve, salve torrão andreense
Gigantesco viveiro industrial!
Teu formoso destino pertence
Aos que lutam por um ideal”.
Celso Daniel, diplomado engenheiro, era um dirigente público que não acreditava em improvisações.
Tanto que desafiava de vez em quando botocudos da mídia regional ao empreender o que muitos consideravam um absurdo: viajava para o Exterior, principalmente para a Europa, em busca de inspiração.
Acho que o sentimento de perda da auto-estima regional é amplo e irrestrito. E também natural, porque a qualidade de vida desabou no outrora Eldorado do capitalismo nacional e, convenhamos, nada temos feito para valorizar nossa história.
Cadê o Museu do Automóvel, por exemplo?
Estamos cansados de mostrar o quanto perdemos em termos absolutos e relativos no mapa do PIB nacional.
Perder em termos relativos poderia significar que continuamos com o mesmo tônus econômico, mas quando se verificam desfalques em números absolutos, não há como fugir da realidade.
Está bem, está bem, que reagimos nos últimos anos, com a recuperação da indústria automobilística. Mas ainda é pouco e não apaga as sangrias do passado.
Insisto numa variável de indagação: como estaria o ânimo da população do Grande ABC?
Por mais que as respostas tenham subjetividades e malandragens semânticas, porque o estado de espírito de hoje pode ser melhor que o de ontem sem que isso signifique a reconquista do padrão médio de percepções do passado, sempre haveria matéria-prima para análise sociológica mais apurada, mais responsável, menos chutométrica.
Movo-me em incursões sociais por conta de relacionamentos com estratos diversos, com parentes, com amigos, com tudo que tenha duas pernas e dois braços. Com gente, enfim.
A tendência natural de quem perdeu, perdeu e continua perdendo, ou de quem perdeu, perdeu e pelo menos parou de perder, é minimizar para terceiros as dores do parto das quebras econômicas. Para os mais próximos a choradeira é sempre um desaguadouro, mas com quem não se tem tanta intimidade o que mais se pratica é o jogo da dissimulação.
Seria demais também esperar que os últimos 20 anos tivessem de ser de prosperidade numa região tão vilipendiada. Nem os Estados Unidos escaparam, nesse mesmo período, do empobrecimento latente da classe média, base da morfologia social que os transformou em maior potência econômica do mundo.
Nunca esqueço de proprietários dessas casas de vaidades que são cabeleireiros e assemelhados a blasfemar contra uma clientela que estaciona veículo importado, veste-se impecavelmente, comenta viagens internacionais mas resiste a pagar as contas em dia. Protelam o quanto podem porque o padrão do bolso não conseguiu correr na mesma velocidade do padrão corporal.
Vaidade combina muito com caradurismo.
Tenho mais palpites do que certezas sobre o ânimo de quem morava no Grande ABC antes e continua a morar depois do vendaval da desindustrialização.
Aquele processo foi longo e duradouro. Viveram alguns da credulidade cega e acrítica de manchetes ufanistas, achando-se incompetentes em meio a uma multidão de afortunados. Entretanto, o trem fantasma da realidade é mais rápido que a roda-gigante da fantasia e muitos se descobriram tão descalços como tantos outros. Menos mal, menos mal, resignaram-se.
Espero sinceramente que os anos recentes de recuperação do PIB regional, muito abaixo do que se andou publicando inadvertidamente por aí, tenham retemperado a expectativa de se viver aqui com mais alegria e esperança.
Esse é o nosso chão, nossa terra.
Lamento apenas que à incerteza do estado de ânimo regional se contraponha algo absolutamente insofismável: não conseguimos dar corpo, voz e espírito à regionalidade em forma de instituições mais sólidas e interativas.
Sem isso, acreditem, não teremos jamais o principal.
E o que é o principal?
Companheirismo e solidariedade muito, mas muito além de um grupo fechado e restrito de interlocutores corporativistas.
Uma sociedade partida e repartida é uma sociedade sem compromissos, é uma sociedade de arreglos.
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