Tenho pronto, prontíssimo, o artigo “Terra de ninguém”, que se refere à institucionalidade do Grande ABC. Entretanto, desisti de publicá-lo neste final de semana. Submeto-me humildemente à vagabundagem do feriado prolongado por conta da desativação da infra-estrutura técnica à postagem neste espaço. Por alguns dias, deixo de produzir artigos, até que a segunda-feira chegue. Não considerei salutar deixar exposto diretamente na tela, durante vários dias, o conteúdo de “Terra de ninguém”. Pareceria provocação.
Talvez publique “Terra de ninguém” na semana que vem. Trata-se de espécie de desabafo sazonal como forma de exorcizar o inconformismo que me invade toda vez que me detenho nos problemas da região. E olhe que tenho me detido muito ultimamente, em altas horas, cavoucando informações, dados e estatísticas para dar robustez à série “Metamorfose econômica”.
Preferi — neste artigo que permanecerá vivo na tela do computador até a próxima segunda-feira — contextualizar e reproduzir sem a supressão de absolutamente nada, um texto impresso em outubro de 1996 no Diário do Grande ABC.
Portanto, são praticamente 13 anos de distância. Escrevi sobre o Fórum da Cidadania, ainda Fórum “pela” Cidadania, a pedido do jornalista Alexandre Polesi, então diretor de Redação do Diário e um dos principais comandantes daquele movimento que se apresentava como a grande sacada pró-regionalidade do Grande ABC.
Lamentavelmente, mesmo naqueles dias de entusiasmo, estava este jornalista certo, certíssimo, quando, comedido, fez série de ponderações sobre a estrutura do novo organismo que se apresentava ao público regional como contraponto importante à atuação do Poder Público então inerte, e ao empresariado, igualmente sonolento.
Acredito que o texto dispensa maiores justificativas. Estão ali grafados, sacramentados, juramentados, equalizados, pensamentos que, contextualizados àqueles momentos de endeusamento do Fórum da Cidadania, revelam inquietação própria de quem profissionalmente consegue ser muito mais crítico, muito mais criterioso, muito mais incisivo, muito mais desconfiado, muito mais cético, do que o é pessoalmente. Aliás, sobre isso, escrevo qualquer dia desses, porque estou tentando encurtar a distância entre o profissional e o pessoal, depois das porradas que sofri nos últimos anos, todas afloradas em 2008.
O grande equívoco de quem vive em sociedade é desconsiderar o passado como fonte de responsabilidade social, expressão que tem enorme amplitude, ou também de esquecer o descredenciamento intelectual, ético e moral que o passado igualmente impõe. O site de CapitalSocial que está em fase final de arranjos, recuperará para a posteridade muito do que foi produzido em forma de decisões e promessas no Grande ABC. Devem temer esse resgate apenas quem abusou da credibilidade alheia.
Mas, vamos mesmo ao que interessa: consumam com atenção este que é um documento obrigatório de análises que um dia terão de ser preparadas no rastreamento das ramificações que acabaram por entornar o caldo do mais importante movimento social que o Grande ABC já viveu.
Balançando a estrutura regional
(outubro de 1996)
Demorou tanto para a região contar com algo novo e revolucionário em suas entranhas institucionais que é natural uma certa pressa daqueles que participam direta ou indiretamente do Fórum pela Cidadania do Grande ABC. Entre estes poucos ou muitos ansiosos pelo fortalecimento desse poderoso instrumento de construção regional, certamente está este jornalista inquieto com o histórico de esvaziamento da identidade local.
Embora falte assentamento estatístico comparativo, até porque o figurino eleitoral deste ano há mais de três décadas não se repetia, não é exagero creditar ao Fórum pela Cidadania o número recorde de deputados estaduais e federais à próxima legislatura. Se os 13 representantes da região ainda formam um batalhão modesto, provavelmente pouco capaz de alterar as ordens regionalistas fortemente enraizadas na Assembléia Legislativa e no Congresso Nacional, certamente encerrarão seus mandatos em condições de pleitear renovação por novos quatro anos sem que se os considerem oportunistas. O Fórum pela Cidadania exercerá vigilância constante sobre seus representantes políticos e saberá distinguir omissão deliberada de ação circunstancialmente frustrada, à qual, aliás, todos devem estar preparados.
Provavelmente porque o Fórum deu um tiro certeiro em sua largada e certamente porque há tanto tempo a região estava entregue às feras do comodismo institucional, a ansiedade por novos desdobramentos aflora. O Fórum pela Cidadania esperado pelo grupo de apressados passa pela profissionalização de seu quadro executivo, disciplinando-se e organizando o voluntarismo congênito que he dá sustentação e credibilidade. Da mesma forma que carece de adensamento de entidades formalmente ou não introduzidas em seu estatuto, o Fórum precisa chegar à periferia, aos clubes associativos, aos clubes de lojistas de shopping, às escolas. A popularização do Fórum é a garantia da consolidação de sua representatividade.
De qualquer modo, por mais que o Fórum demore para atender os mais exigentes e inquietos, nada poderá superar sua vocação integrativa. A aproximação entre representantes do capital e do trabalho provocada pelas reuniões do Fórum quebra um gelo tão antigo quanto a própria industrialização da região. É acreditar em Papai Noel supor que representantes de trabalhadores e empresários já estejam em lua-de-mel, mesmo porque temas controversos cedem posto ao consenso filosófico do movimento. Mas, de qualquer modo, eles já dividem o mesmo espaço, já multiplicam suas aspirações, já diminuem suas restrições e já somam suas esperanças não num jogo de faz-de-conta, mas em operações sinérgicas que resgatam com equidade de peso uma antiga divida das elites dirigentes da região.
Por fim, espera-se apenas que o Fórum pela Cidadania não cai na tentação do burocratismo que emperra a maioria de organizações afins e que não se utilize de amarras estatutárias para bloquear a participação da livre iniciativa, reduto ao qual deverá recorrer invariavelmente para assegurar recursos financeiros que moverão suas locomotivas temáticas. A discriminação do capital no estatuto em fase de formulação, reservando-se o grupo de associados somente a entidades sem fins lucrativos, é um apêndice desnecessário. Primeiro porque a plenária do Fórum é o órgão soberano que saberá separar o joio dos aventureiros do trigo dos solidários, sejam o joio medíocres representações privadas ou trambiqueiras organizações não-governamentais. Segundo, porque o próprio estatuto do Fórum, este sim devidamente “sem fins lucrativos”, impede ações ética e moralmente danosas de eventuais associados mal-intencionados.
De qualquer modo, trata-se apenas de um artigo obtuso à desejada elasticidade do conceito de cidadania e que deverá figurar como peso morto num conjunto jurídico harmonioso.
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