Outro dia me perguntaram, me perguntaram provavelmente para me provocar, me perguntaram provavelmente para me expor, me perguntaram provavelmente para me irritar, se seria possível reviver com outra roupagem e sem os mesmos erros, nestes novos tempos de crise, o empreendimento social chamado Fórum da Cidadania do Grande ABC.
Para quem não sabe ou para quem quer reavivar a memória, o Fórum da Cidadania foi um movimento orquestrado a partir do Diário do Grande ABC, então com o diretor de Redação Alexandre Polesi, um jornalista sério, e também com o diretor administrativo Wilson Ambrósio da Silva, cumulativamente presidente da Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André). Fausto Cestari, então dirigente do Ciesp de Santo André, também participou da empreitada concebedora.
A mobilização de dezenas de dirigentes de entidades sociais, empresariais, sindicais e culturais do Grande ABC foi um sucesso de público e bilheteria até a página três. Daí em diante, na medida em que o Fórum da Cidadania ganhava visibilidade e respeito, começou a derrocada. Houve muita transpiração e pouca inspiração. Muito voluntarismo e pouca racionalidade.
Não vou estender-me na reconstrução do desempenho do Fórum da Cidadania. Bastaria isso para preencher espaços a dar com pau. O fato é que aquela entidade naufragou por excessos de ego, de individualismo, de personalismo e de tantas outras coisas, inclusive de inapetência organizacional.
Mas valeu a pena porque retirou o Grande ABC da apatia coletiva num momento em que o setor público estava desfalecido, a sociedade apática e as forças econômicas entregues à própria sorte. O problema é que o dia seguinte da derrocada do Fórum da Cidadania ainda não se dissipou: vivemos orfandade institucional sem paralelo. As forças governamentais dão as cartas e jogam de mão.
Seria possível reorganizar algo que se assemelhasse ao Fórum da Cidadania, sobretudo nas virtudes que foram muitas, e acrescentar ações que retirassem as mazelas do horizonte?
Tenho muitas dúvidas, porque, francamente, acompanhando o Grande ABC como acompanho há 40 anos, pouco menos do tempo que estou na lide jornalística, jamais presenciei quadro de patologia institucional como o atual. Fosse apenas isso estaria ótimo. Há metástases por todos os cantos.
O setor governamental, no âmbito municipal, está aparelhadíssimo num combate político-partidário local, regional, estadual e nacional sem paralelo. Praticamente não sobra agenda para qualquer outra temática senão a política. Nada pior, porque está jogando o jogo da cidadania praticamente sozinho. E não faltam especialistas em sociologia que atiram às traças qualquer possibilidade de o poder público ser bem-aventurado quando é o único agente de cidadania.
Os empreendedores de pequeno porte do setor industrial foram varridos do mapa regional com a abertura econômica e a guerra fiscal. Dos 150 filiados da Anapemei (Associação Nacional de Pequenas e Médias Empresas Industriais), com sede em Santo André, não sobrou nada. Nem mesmo a Anapemei.
Os comerciantes e prestadores de serviços correm que correm para superar o peso de uma economia debilitada ao longo dos anos, inclusive porque os conglomerados nacionais e internacionais de massa crítica econômica e financeira infinitivamente maior chegaram aos borbotões praticamente de supetão, o que aumentou o impacto canibalizador.
Os acadêmicos continuam os mesmos, acadêmicos como sempre, prontos para discutir o governo do presidente Obama mas analfabetos teóricos e práticos em Grande ABC. De vez em quando aparece em jornal um idiota qualquer a negar a desindustrialização do Grande ABC.
As instituições sociais e culturais fecharam-se em copas. Mais que antes. Viraram clubes fechados, porque, como se sabe, a elasticidade da sociedade na valorização do espaço em que vive perdeu o vigor. Levaram a sério demais o conceito de globalização. Os jovens não saem da Internet. Desconhecem a praça principal de cada Município. A máxima que contrapõe global e local não se dá na prática com a intensidade imaginada entre outras razões porque a mídia ficou de quatro para as facilidades tecnológicas. Corta empregos qualificados em nome da rentabilidade. Ou da sobrevivência.
As instituições empresariais comem o pão que o diabo do esvaziamento econômico amassou. Talvez uma campanha diferenciada para arregimentação de participantes de encontros temáticos à parte do corporativismo alivie e peso da dispersão e do individualismo do salve-se quem puder.
O sindicalismo, de maneira geral, há muito descobriu que de utopia não se vive. Partiu para pragmatismo típico do capitalismo que tanto rejeitava. E pelo andar da carruagem vai ter trabalheira danada nos próximos tempos de globalização exacerbada pela crise internacional.
Sem que um grupo da comunidade regional chame para si a responsabilidade de motivar a instauração de nova ordem que não fique presa ao controle dos governos municipais, porque isso é péssimo para os próprios governos municipais, não vejo a menor possibilidade de ao menos se alcançar ensaio de mobilização.
Sou frontalmente contrário à liderança de qualquer veículo de comunicação nessa nova empreitada. O que não significa o inverso, ou seja, o alheamento ao possível movimento. O que supostamente serviu em meadas dos anos 1990, sob a batuta do Diário do Grande ABC, não serve mais agora. Até porque tanta coisa se alterou e é melhor não arriscar.
O Diário do Grande ABC acabou tornando-se um mal ao Fórum da Cidadania. Induziu a quebra do senso crítico dos integrantes do movimento por conta da proximidade entre eles e a linha editorial motivacional e promocional e, por isso mesmo, cega a um roteiro repleto de desvio e que, por isso mesmo, necessitava de correção.
Quem vai amarrar o guizo da participação comunitária no pescoço da regionalidade socialmente responsável e produtiva?
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