Não resisti à cíclica retomada de análise da regionalidade do Grande ABC que tem no desfalecido Fórum da Cidadania estonteante ponto de partida e nada triunfal fita de chegada. Para encurtar a história-síntese deste artigo, que pretendo revelar na sequência, afirmaria sem medo de incorrer em insanidade que temo, temo muito, que eventual iniciativa de restauração daquele movimento, mesmo sob outro dístico, sob outra denominação, substitua a fraude pela farsa.
Nada mais frustrante do que a emenda pior do que o soneto, porque teríamos de nos silenciar diante da possibilidade de nos chamarem a todos, eventuais participantes, de trouxas de plantão. Pelo menos no Fórum da Cidadania original todos tinham a consciência de que se tratava de iniciativa séria, como de fato o foi, perdendo-se apenas no decorrer do tempo.
Bem que o Grande ABC necessita de um novo Fórum da Cidadania, embora a denominação a que recorro seja apenas simbólica para entendimento geral de que carecemos de uma entidade que conte com gente comprometida da sociedade.
Fórum da Cidadania já é marca desgastada pelo tempo, pela inoperância em relação ao que foi concebida e, portanto, não valeria a pena revigorá-la. Como se sabe, é um fantasma que perambula daqui e dali a defender algumas causas justas, é verdade, mas sem a massa crítica dos primeiros tempos e com o ônus do sobrepeso dos piores tempos.
É verdade que desconfio de qualquer ação coletiva de voluntários que vise a mudar a situação da vacuidade total da sociedade no campo de representação sócio-política, mas isso não assegura que o jogo está perdido.
O Fórum da Cidadania do passado deve servir de inspiração quando de verificam as heranças que deixou. Os entulhos devem ser rigorosamente observados como lições preciosas. E o que melhor obteve o Fórum da Cidadania nos tempos de glória foi o interesse de muitos agentes sociais, no sentido amplo do termo, que resolveram juntar forças.
O assembleísmo movido pelo pacto do consenso foi um terrível erro, tanto quanto o elefantísmo representativo com mais de uma centena de entidades. A colocar mais fogo na fogueira de desperdício, a multiplicidade de prioridades tornou-se convite à dispersão do foco. De criadores de pássaros a costureiras constaram da lista de chamada do agrupamento. Só não havia representante de criadores de cavalo porque não consta que essa raça tenha tentáculos no Grande ABC.
Tenho muito a contribuir para a formatação de uma instituição regional, mas não o farei agora porque preciso cuidar de tantas outras coisas e também por uma razão mais forte ainda: não acredito, sinceramente, que haja gente qualificada em número suficiente para arregaçar as mangas e ir à luta.
Mais que isso: há gente aos borbotões prontíssima para melar esse possível jogo de cidadania. A razão é simples: há uma casta regional tão fortemente armada de perniciosidades que muito provavelmente mais que optaria pela omissão como decidiria boicotar qualquer iniciativa que colocasse em risco a sobrevivência do lodaçal em que nada de braçadas, estabelecendo recordes de abusos.
Minha desconfiança quanto à união de gente do bem para dar tratamento de choque institucional no Grande ABC parte do princípio de que há conhecimento tácito embora silencioso e conformado do que se passa nesse território de 2,6 milhões de habitantes.
Sabe-se nos burburinhos dos bastidores de vários ambientes, públicos, corporativos, acadêmicos e sociais, que a maré não está para peixe (com perdão do trocadilho absolutamente involuntário que remete ao resultado da decisão do Campeonato Paulista).
Sabe-se que há muito tempo foi-se a invencibilidade da coragem de reagir (agora o trocadilho é proposital e faz referência, com sinal trocado, ao resultado da decisão do Campeonato Paulista).
A maioria que teria muito a contribuir simplesmente se aquieta, se enfurna, à espera de que alguma força mágica lhe ofereça uma senha salvadora mas sem grandes riscos. Não falta quem foge da raia, busca refúgios em diferentes campos, do religioso ao supostamente benemerente, para limpar a própria barra da covardia, quando não do parceirismo.
É desse silêncio e da retomada da sugestão de que o Grande ABC deixe a pasmaceira do divisionismo completo e da orfandade de uma entidade que trilhe novos caminhos que surgem o perigo de aventureiros do outro lado da moeda de cidadania escassa.
Que lado é esse? O lado do sufocamento de qualquer tentativa de mudança. O lado de manifestações sorrateiras de tomada do cetro da reconstituição da luta por uma regionalidade, substituindo-a por um jogo de cena mistificador.
Sei que alguns leitores, talvez muitos, terão dificuldades em compreender a profundidade conceitual e certo hermetismo explicativo deste texto. Sei também que outros, muitos outros, o entendem perfeitamente. Sei de tudo isso. Como sei também que não faltarão lideranças ou supostas lideranças deste Grande ABC que vão ser cobradas pelas futuras gerações por terem-se amesquinhados diante das dificuldades operacionais de uma empreitada difícil, tormentosa, mas digna de viver: enfrentar aqueles que usam e abusam do direito de congelar o tempo ao bel prazer, enquanto o conjunto da sociedade, principalmente os não-incluídos, pena.
Pior que a orfandade de um Fórum da Cidadania fraudador da expectativa de mudanças no Grande ABC seria a farsa de um Fórum da Cidadania mantenedor das lambanças no Grande ABC.
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