Longe de mim inspiração sabotadora para colocar água no chope da recuperação de parte do legado teórico de regionalidade que o Grande ABC exibiu com certa força em meados da última década do século passado.
Longe de mim qualquer sentimento negativista sobre algumas iniciativas que se descortinam, anunciadas principalmente pelo jornal virtual e impresso ABCD Maior, publicação de centro-esquerda que preenche vácuo democrático- editorial no Grande ABC.
Longe de mim qualquer vocação à contrariedade gratuita, daqueles que insistem em bater o pé apenas para demarcar terreno, para se fazer notar, para chamar a atenção como criança mal-educada ou portadora de hiperatividade, como a classificam hoje os especialistas.
Não sofro de qualquer tipo dessas patologias. O problema é que estou escolado o suficiente para botar meu bedelho no assunto não exatamente para contrariar, mas para colaborar.
E fico muito à vontade porque, entre outros motivos, se há um novo secretário de Desenvolvimento Econômico no Grande ABC para o qual tiro o chapéu em reconhecimento à vocação teórica e realizadora, apetrechado que é, este é Jefferson da Conceição, de São Bernardo.
Leio no site do ABCD Maior que a Câmara Regional de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC será reativada. A notícia é interessante, mas será melhor na medida em que alguns pontos sejam colocados à mesa.
Por exemplo: será que o Grande ABC precisa mesmo contar sobrepostamente com Câmara Regional, Clube dos Prefeitos e Agência de Desenvolvimento Econômico? Não estaremos pecando pelo excesso de entidades?
São muitas cabeças, muitas teorias e muitas ramificações partidárias, empresariais, sindicais e acadêmicas em sacos diferentes. Não seria melhor enfiá-las todas no mesmo saco?
Uma solução conciliatória é estabelecer hierarquia diretiva que separe poder político, representatividade social e conhecimento técnico, os quais se encontrariam numa confluência em que interesses regionais integrados ou parciais fossem priorizados, com prazos para definições.
Já escrevi sobre o assunto e volto a repetir: é ótimo que se coloque a economia do Grande ABC na agenda de autoridades, de empreendedores, de sindicalistas, de políticos, de acadêmicos e da sociedade como um todo. Muito bom mesmo. É também na pauta jornalística — pobre pauta jornalística que se ajeita no que é mais simples e mais fácil. Pauta jornalistas de aspas, não de interpretação.
Só não podemos voltar a desperdiçar potencialidades, como nos anos 1990. Custou muito caro a montanha de expectativas que se elevou naqueles tempos. Os resultados foram pífios. Principalmente se confrontados com demandas sociais e econômicas que já incomodavam a todos e que, com a desindustrialização, se agravaram.
O Grande ABC do consenso, do antimelindrec, do cuidado excessivo com as peças de uma cristaleira de antagônicas ideologias já se provou incompetente, porque ignorou que do entrechoque de idéias nasce a luz de propostas e soluções.
A delicadeza formal e exagerada de aceitar pressupostos apenas para evitar combates é o caminho mais curto ao fracasso de ações multilaterais. Aproximar os contrários que são muito menos contrários hoje do que há duas décadas é muito simples. Doutriná-los a entender que a regionalidade está perdendo de goleada também é muito simples. Está aí, portanto, meio caminho para aparar as arestas sem que quaisquer dos lados se sintam perseguidos ou discriminados.
A frondosa mas pouco frutífera árvore de entidades que consta do mapeamento regional deveria mesmo ser repensada, mas sob novas bases.
O modelo tripartite de Agência, Clube dos Prefeitos e Câmara Regional é divisionista em vez de complementar. Seria perfeitamente possível reunir todos os protagonistas da cena regional num mesmo organismo, distribuindo-se poderes e obrigações.
O isolamento do Clube dos Prefeitos da sociedade regional, na forma de proibição de participação das reuniões, é a síntese do próprio nome que resolvi adotar para a entidade, em vez de Consórcio Intermunicipal dos Prefeitos.
A pobreza estrutural franciscana da Agência de Desenvolvimento Econômico é a síntese das limitações operacionais como suposto braço de atividades do Clube dos Prefeitos.
E a multiplicidade de agentes da Câmara Regional, há muito tempo desativada de fato, contrapõe-se à focalização objetiva de medidas profiláticas de que o Grande ABC tanto carece.
Agência, Clube dos Prefeitos e Câmara Regional poderiam ser condensados numa única entidade, cujo organograma contemplaria as três faces da solução em conjunto: os especialistas em fazer política, os agentes sociais sensibilizadores de medidas e os craques em gerar programas estratégicos.
A ressurreição da Câmara Regional de Desenvolvimento Econômico é iniciativa que, repito, valoriza o noticiário da mídia menos propensa às mesmices dos legislativos e dos executivos locais. Sair da pasmaceira incentivada por editores e pauteiros que não enxergam um palmo à frente do nariz já seria avanço considerável.
Entretanto, não é o suficiente. Os problemas sociais e econômicos do Grande ABC podem até mesmo ser esmiuçados nos encontros programados pelos novos introdutores da Câmara Regional, mas o gigantismo da operação assusta porque já assisti a esse filme antes. O resumo da ópera é simples: quando se exagera nos objetivos, perdem-se prioridades.
O Grande ABC precisa mesmo é de planejamento tático e estratégico. Talvez a Câmara Regional, o Clube dos Prefeitos e a Agência de Desenvolvimento Econômico, mesmo com entrechoques, dêem algum encaminhamento no curto prazo, mas, para médio e longo prazo, somente um grupo de técnicos especializados em regionalidade dentro de uma metropolização comprometida por solavancos nacionais e internacionais poderia dar respostas com precisão, impacto e resoluções necessários.
Não podemos perder a oportunidade de repensar o modelo institucional de integração do Grande ABC. Afinal, vivemos tempos em que instâncias internacionais refazem estatutos, reformam conceitos e despejam inquietações por conta do esgotamento do modelo capitalista-financeiro industrializador de ilusões e da renitente orfandade de um modelo social-democrático às voltas com déficits orçamentários que já não se completam com a exploração dos emergentes, agora protagonistas do jogo mundializado da economia.
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