A matança generalizada da crise econômica internacional faz desovar o Grande ABC provinciano. Os mais recentes números de importantes indicadores econômicos não deixam espaço à demagogia barata: perdemos desde outubro um terço dos empregos industriais com carteira assinada amealhados durante os seis primeiros anos do governo Lula da Silva. Tudo a reboque da dependência exagerada e acomodatícia da indústria automotiva, setor que come o pão que o diabo amassou com a quebra das exportações.
Somos sim e indubitavelmente uma província renitente que ainda não se deu conta de que a globalização é uma espada em nossas cabeças e contra a qual não tem choro nem vela nem fita amarela.
Por mais que desconfie da estabilidade econômica do Grande ABC, estiolada pela guerra fiscal interna e pelo movimento sempre complexo do jogo internacional, sobretudo porque depende demais da atividade mais competitiva do planeta, ou seja, a produção de veículos, confesso que não imaginava que o impacto da crise seria tão forte.
Perder 20 mil empregos com carteira assinada no setor industrial desde outubro do ano passado e ver reduzida até aqui em 40% a conta de exportações no primeiro quadrimestre deste ano são notícias apavorantes. Como se já não bastassem 136 mil trabalhadores pendurados precariamente no seguro- desemprego, mostra de que a rotatividade no mercado de trabalho da região é elevadíssima.
Todos esses dados e as contaminações sistêmicas que tudo isso representa, com queda de macroindicadores como PIB (Produto Interno Bruto) e Potencial de Consumo, que são parentes muito próximos, ajudam a sustentar uma pregação da qual não abro mão até que algo de novo apareça no horizonte: estamos despreparados para amortecer as sacolejadas macroeconômicas e, mais que isso, entregamos completamente a rapadura da reação para forças do além. Como as forças do além estão muito aquém do pragmatismo econômico, já deu para entender aonde vamos nos atolar.
Não se pode duvidar da projeção que faço neste momento sem medo de cometer equívoco: parcela considerável da recuperação do PIB da indústria de transformação do Grande ABC durante o governo Lula da Silva já foi para o chapéu. Mais que isso: vamos ter nesta temporada, cujos números só serão conhecidos ano que vem, um grande mergulho que nos remeterá ao acúmulo de novas perdas.
Como já mostramos na série “Metamorfose Econômica”, que está longe de se encerrar, acusamos a perda média de 1,1% ao ano no PIB da indústria de transformação desde a implantação do Plano Real. Nenhuma outra das cinco regiões econômicas mais importantes do Estado de São Paulo chegou a tanto. Pelo contrário: todas conseguiram se safar, com dados positivos, embora distantes de outras regiões industrializadas do País.
Pois nesta temporada é muito provável que elevaremos a pontuação negativa. Com Fernando Henrique Cardoso chegamos a perder em média por ano mais de 4% do PIB industrial. A recuperação com Lula da Silva também sob a benção de um quadro macroeconômico favorável reduziu drasticamente o prejuízo, mas não foi suficiente para abrir os olhos de autoridades públicas, lideranças econômicas e sindicais quanto às fragilidades da estrutura industrial do Grande ABC. Somos uma geografia dependente demais do setor automotivo.
Não faltam responsáveis pelo retrocesso econômico que o Grande ABC registra nos últimos meses. Eles estão tanto no âmbito regional como estadual e federal. Ainda não se percebeu que o Grande ABC exige macroplanejamento estratégico para, além de contornar as dores do passado mais recente de fortes perdas econômicas, preparar-se para não afundar de vez no futuro de globalização ensandecida.
A institucionalidade do Grande ABC, cantada em verso e prosa por ufanistas de plantão, não passa de ação provinciana. Os esforços de um agrupamento de técnicos nas esferas municipais e regionais estão muito distantes das necessidades prementes. Não contamos com quadros estáveis e mais bem estruturados para promover diagnósticos. Muito menos contamos com lideranças que esqueçam os muros territoriais e entendam a importância da regionalidade no sentido mais amplo, articulando-se ações. Carecemos de força-tarefa para construir o futuro. E estamos sendo atropelados pelo mundo.
Estas e futuras gerações vão pagar caro também pelo provincianismo da pauta jornalística. Regionalidade e verbetes associados praticamente inexistem no vocabulário jornalístico da maioria dos meios de comunicação do Grande ABC. Principalmente quando se trata de reduzir o grau de dependência da doença holandesa da indústria automotiva.
Daqui a pouco vão fazer uma algazarra danada com a chegada do trecho sul do Rodoanel que, anotem todos, não é lá uma Brastemp. Aliás, alertei há muito tempo sobre o equívoco de considerarem a obra a redenção regional.
O Rodoanel vai ser o próximo foco de “Metamorfose Econômica”.
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