Como pegaram o bonde do Clube dos Prefeitos andando e o bonde está andando desde o começo dos anos 1990 com solavancos patrocinados pela errática gestão rotativa dos dirigentes, o prefeito José Auricchio Júnior e o secretário-geral Fausto Cestari fizeram o possível para que a nova relação de propostas ao governo federal fosse alguma coisa substanciosa.
Os demais prefeitos assinam o documento entregue recentemente ao presidente Lula da Silva, mas o trâmite político, gerencial e institucional do Clube dos Prefeitos é conhecidíssimo: as definições e decisões são colegiadas, mas é o presidente da vez e seu assessor mais próximo que assumem a missão de destrinchar o encaminhamento de medidas.
Os pedidos entregues ao presidente Lula da Silva confirmam um Grande ABC complicado nos momentos decisivos ou aparentemente decisivos. Há reivindicações tanto providenciais quanto inconsistentes no campo econômico. Politicamente, então, nem se fale.
Mais: como não passa de quimera um Planejamento Estratégico Regional no Grande ABC, já que o mais recente data de mais de uma década e jamais foi efetivado, é compulsória a dispersão de armamento técnico quando se apresenta situação como a vinda do principal dirigente do País.
A simples listagem de reivindicações do Clube dos Prefeitos, sem o anexo correspondente de estudos e propostas para cada ação, expõe as fragilidades estruturais da instituição regional.
Nesse ponto, os prefeitos em primeiro mandato têm menor carga de responsabilidade, porque mal chegaram na plataforma de uma embarcação que não só acumula notória fadiga de material depois de duas décadas de lançamento como também ainda não conseguiu agregar novos materiais à renovação de tecidos mais deteriorados.
O Clube dos Prefeitos precisa reestruturar-se completamente. Entre outros motivos porque a carga de responsabilidade de reconstrução econômica do Grande ABC aumentou extraordinariamente nos últimos anos sob o peso da internacionalização dos negócios e, quando tudo parecia mais ou menos no eixo da resistência, surgiu a crise internacional que remodela a intervenção de instâncias do Estado no jogo desenvolvimentista até então sob o controle insano do mercado financeiro e suas variáveis contaminadas.
Não será a simples formalização legal, retirando-o do limbo da abstração de marca sem sustentação jurídica intergovernamental, que transformará o Clube dos Prefeitos em pó mágico de sustentabilidade institucional. Quem imaginar esse reducionismo cairá do cavalo. Legalidade formal é uma coisa. Institucionalidade prática é outra.
O problema do Clube dos Prefeitos é que não tem ainda nem legalidade formal nem representatividade institucional além dos muros dos chefes de Executivos.
A Agenda do Grande ABC repassada ao Governo Federal, conforme definiu o Clube dos Prefeitos, consta dos seguintes pontos. Faço algumas considerações na sequência de cada um:
1. Sociedade Garantidora de Crédito — Em recente seminário regional sobre crédito, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, apresentou várias medidas do banco com vistas à superação do momento de crise e o interesse de construir com a região uma nova forma de relacionamento do setor empresarial com o BNDES. Nesse sentido, propomos desenvolver um programa de acesso ao crédito com gestão da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC que envolve BNDES, organizações empresariais e sindicados de trabalhadores da região, com um modelo de garantia desenvolvido especificamente para esta modalidade de relacionamento e que permita o acesso das micros, pequenas e médias empresas a programas de financiamento sem a intermediação do sistema financeiro.
Breve avaliação — A idéia parece magnífica, na medida em que descentraliza e democratiza acesso a recursos públicos para financiamento de empreendedores. Entretanto, a formatação será excessivamente demorada e complexa, além de a operacionalização defrontar-se com bloqueios legais que o BNDES não conseguiria driblar. Caso, principalmente, de passivos fiscais da maioria dos pequenos e médios negócios industriais, aos quais as portas do sistema financeiro privado e estatal estão permanentemente fechadas.
2. Parque Tecnológico do Grande ABC — Instituição de um Parque Tecnológico na região, em formato descentralizado que contemple múltiplas vocações regionais, respeitando as particularidades de cada Município. O Parque Tecnológico do Grande ABC deverá ser gerido por governança que priorize interesses regionais.
Breve avaliação — Acredita-se que o Parque Tecnológico solicitado ao governo federal seja distinto do prometido pelo governo estadual, comunicado recentemente pelo secretário de Desenvolvimento Econômico Geraldo Alckmin. O Grande ABC já perdeu mais de uma década desde a formulação do Parque Tecnológico ou dos Parques Tecnológicos que necessitaria ter. Um projeto bem acabado tanto de implementação quanto de gestão poderia consubstanciar o pedido ao presidente da República. O conceito de múltiplas vocações regionais que respeitem particularidades de cada Município não passa por sabatina definidora do que seja o enunciado proposto, como provam as últimas notícias.
3. Segurança Regional — Constituir um modelo de Sistema Regional de Segurança Pública, dotado de governança, gestão, sistema de informação e inteligência regional, com equipamentos e tecnologia adequada.
Breve avaliação — O quadro de criminalidade no Grande ABC é tão agressivo e antigo que já deveria ter demandado de instituições locais um encontro das águas, ou seja, um modelo regional para aplicação imediata. Embora o índice de criminalidade do Grande ABC tenha caído nos últimos oito anos, sobretudo na modalidade de homicídios, recentes estudos deste jornalista apontam que, entre as 70 principais cidades do Estado de São Paulo, o Grande ABC mantém-se nas últimas posições.
4. Intermodal Regional — As facilidades logísticas criadas pela conclusão do trecho sul do Rodoanel requerem também o início de obras do Ferroanel pelo tramo sul, completando assim a ligação direta da Região Metropolitana de São Paulo, do Porto de Santos e do Grande ABC ao Interior do Estado e aos aeroportos metropolitanos.
Breve avaliação — O Ferroanel está entrando no triângulo das bermudas da burocracia federal, com perspectivas de mergulhar nas profundezas do esquecimento ou de adiamentos renitentes. Injunções políticas e sobretudo econômicas ameaçam congelar o projeto para o qual o Grande ABC também jamais se preparou com estudos que explicitassem benefícios que a obra geraria. Seria melhor priorizar desdobramentos dos impactos do viário interno do Grande ABC com a chegada do trecho sul do Rodoanel. A perspectiva de santificação da competitividade fecha os olhos ao contraditório de limitações logísticas locais.
5. Pré-sal e Gás da Bacia de Santos — No Planejamento estratégico e operacionais das estatais federais envolvidas com o assunto, assegurar a participação ativa do Grande ABC na exploração e desenvolvimento dos insumos e produtos.
Breve avaliação — Também nesse caso o Grande ABC não sabe o que exatamente poderia contar na esteira dos investimentos na Bacia de Santos. Quais setores poderiam de fato beneficiar-se das medidas? Há compatibilidade entre o perfil industrial e de serviços oferecidos no Grande ABC e a demanda da Baixada Santista que a própria Baixada Santista não supriria numa concorrência visceral entre aqueles municípios?
6. Porto Seco. Viabilização da abertura de novos Portos Secos no País (e na região), hoje na pauta do Congresso Nacional.
Breve avaliação — Esse é outro nó político e econômico muito distante da geografia regional.
7. Sistema Regional de Saúde — Aumento dos valores de repasse das verbas do SUS para reforma e recuperação funcional do Hospital Radamés Nardini.
Breve avaliação — Uma solicitação pontual que não comove sequer o governador José Serra, muito mais próximo do caos instalado.
8. Trem-bala — Incluir a região no processo de produção, assimilando também novas tecnologias.
Breve avaliação — Fica difícil imaginar como o governo federal vai interferir em favor do Grande ABC quando se sabe que o trajeto da obra cortará porções do Estado de competitividade muito mais elevada por conta de série de mudanças no cromossomo da economia paulista. A concessão da obra à iniciativa privada reduz fortemente a possibilidade de tratamento privilegiado que ameace o limite da viabilidade do negócio.
9. Universidade Federal do ABC — Implantação de um novo campus em Mauá, atendendo à reivindicação e à vocação do Município.
Breve avaliação — A Universidade Federal do Grande ABC não tem qualquer intimidade com os pressupostos de desenvolvimento econômico regional. O distanciamento do empresariado tem matriz ideológica que se espalha na prática de cursos divorciados de vocações regionais. A maioria dos alunos da unidade de Santo André, única em atividades, não guarda qualquer compromisso com o território regional. Os campi prometidos para São Bernardo e Mauá agravariam o divórcio e acentuariam a prova de que em vez de “do” Grande ABC, a UFABC é “no” Grande ABC.
10. Copa do Mundo de Futebol de 2014 — Incentivar as potencialidades da região para torná-la subsede da Copa do Mundo em 2014, destacando também seu potencial turístico, com consequente qualificação da mão-de-obra local para receber os visitantes.
Breve avaliação — A extravagância dispensa avaliação. Competir com a Capital do Estado é desprezar a lógica de investimentos nas áreas mais diretamente relacionadas com a maior festa do futebol.
11. Implementação do Plano Nacional de Habitação — O Grande ABC tem considerável déficit de moradias e por isso requer que atendam a população com a regularização, reabilitação e construção de novas moradias.
Breve avaliação — Nada diferente de outras áreas metropolitanas. Falta uma proposta regional baseada em um coquetel de informações, dados e áreas de prováveis investimentos.
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26/11/2024 Clube dos Prefeitos perde para Câmara Regional