Regionalidade

Regionalidade em retalhos é a
Faixa de Gaza do Grande ABC

DANIEL LIMA - 18/06/2010

Acompanhem alguns trechos de uma entrevista que vem a seguir. Leiam com atenção, porque vou fazer uma analogia com o que vivi e vivo no Grande ABC, tendo como contraponto principalmente a postura do Diário do Grande ABC ao longo dos tempos. Acompanhem:


bullet_quadrado Há algo que é muito pior que a censura: a autocensura, pois na autocensura nunca há resistência. Se houvesse censura por parte do governo, haveria resistência, mas o que existe é autocensura. Trata-se de uma tirania de opções. A tirania daqueles que querem agradar aos leitores, a tirania de vender jornais e a tirania de não querer importunar os leitores com coisas que eles não querem ler. Muitos jornalistas e muitos jornais em Israel esqueceram, ou nunca souberam, qual é o papel do jornalista. Não é apenas o de agradar aos leitores. Portanto, neste sentido, penso que se um dia um historiador pesquisar os arquivos e ler a mídia israelense, por exemplo, sobre a ocupação como um todo, ele não irá compreender. Ele não irá compreender o que aconteceu aqui porque verá que um cachorro — um cachorro israelense — que foi morto em Cast Lead ocupa matéria da primeira página do jornal mais popular de Israel, enquanto precisamente no mesmo dia a notícia sobre a morte de dezenas de palestinos ocupa duas linhas da página 16. E isso é sistemático: a mídia israelense desumaniza e demoniza os palestinos e ao fazê-lo se transforma no maior colaborador com a ocupação.


Estas declarações fazem parte da entrevista que o peruano Mario Vagas Llosa fez com Gideon Levy, republicada outro dia no site Observatório da Imprensa, endereço obrigatório para quem quer entender o papel dos jornalistas. Gideon é, segundo narra Vargas Llosa, um jornalista engajado e, em seus artigos, reportagens e colunas expõe suas opiniões — normalmente críticas às autoridades e ao governo de Israel — com clareza, honestidade, talento e coragem. Gideon Levy é o que os reducionistas chamam de controvertido jornalista judeu israelense, membro da direção do jornal Ha´aretz. Já atuou como conselheiro de Shimon Peres. Foi correspondente de guerra em Saravejo, durante a Guerra dos Balcãs. É crítico feroz da política do governo de Israel em relação aos territórios ocupados.


O entrevistador, escritor de fama mundial, inicia o questionamento com incisiva provocação ao israelense Gideon Levy: “Você acha que apesar de suas opiniões serem em geral contra o atual status quo, ainda assim você pode se expressar livremente, enquanto jornalista, em Israel?”.


Querem saber o que respondeu o jornalista?


bullet_quadrado Com certeza que sim. Não quero cometer exageros porque o fato de me poder manifestar livremente deveria ser uma questão de princípio. Não deveria ser uma coisa do outro mundo porque nós reivindicamos ser uma democracia. Mas deve se reconhecer que, no que me diz respeito, penso que a liberdade de expressão é total para quase todos os cidadãos judeus. Muitas vezes, costumo explicar, aqui como no exterior, que a minha voz também é importante para mostrar que existem vozes alternativas em Israel. E que, enfim, os israelenses não têm uma voz unívoca, única, e que após toda essa conversa de eu provocar danos a Isarael, o que é muito comum no país — o grande inimigo do povo –, esquecem-se de uma coisa: que um dia de bombardeio pesado em Gaza causa muito mais prejuízos do que todos os Gideon Levys juntos. Mas, sim, sinto-me à vontade para escrever e para expressar qualquer coisa que aconteça.


Os leitores mais recentes de meus textos, e os mais antigos de memória curta, hão de perguntar: mas o que tem a ver a situação no Oriente Médio, a posição daquele jornalista, e o Grande ABC? Simples, simples e simples: guardadas as devidas proporções e contextos, sei o que passei durante muitos anos nestas plagas por manter o jornalismo a salvo de trambicagens editoriais de edulcoração da pílula da regionalidade em seus vários aspectos. Ainda hoje pago caro o preço da independência e do que alguns chamam de coragem, o que de fato não passa de obrigação cumprida.


Tivemos e continuamos a exibir no Grande ABC muitas faixas de Gaza nas quais centralizamos baterias de análises e de críticas, para desgosto de manipuladores de opinião tanto da mídia quanto também de poderes públicos municipais e estaduais. Não é por outra razão, de colocar as coisas nos devidos lugares para marinheiros de primeira viagem, ou para tripulantes de muitas embarcações, que estamos recuperando a cada dia um novo pedaço dos arquivos da revista LivreMercado.


Costumo dizer que temos história para mostrar às gerações futuras. Não imaginam os leitores quantos obstáculos enfrentamos para manter uma publicação por tanto tempo. Eram guerras de guerrilhas internas, de colocar o guizo da responsabilidade e do profissionalismo no pescoço de amadores juramentados do Departamento Comercial, e externas, de enfrentar os que se atribuíam poderes de decidir o futuro de cada um de nós.


Fico pensando com meus botões quantos jornalistas em atividade no Grande ABC podem de fato reunir tudo o que produziu ao longo da carreira e deixar de legado à avaliação das gerações atuais e futuras? Não há nada pior que a constatação de que o tempo passou e absolutamente nada, ou quase nada, de revolucionário no bom sentido do termo foram eles capazes de realizar.


Vale sempre a pena não se entregar às vantagens circunstanciais que, o tempo provará, se tornarão de fato desventuras e pesadelos. Pelo menos para quem é jornalista de fato, não relações públicas, que é outro departamento.


O mais lamentável mesmo não é o que se passa com os jornalistas, muitos dos quais sem a menor possibilidade de exercer de fato a profissão com independência e determinação. O mais triste é continuar acompanhando o despautério com que é tratado o jornalismo no Grande ABC por gente que se aboletou no comando da mídia regional e simplesmente a transformou numa colcha de retalhos de interesses que passam a léguas de distância de uma agenda mínima de construção da regionalidade que jamais tivemos, mas chegamos a sonhar que tínhamos entre outras razões porque fizemos de um desejo chamado “Grande ABC” um bicho-de-sete-cabeças.


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