Regionalidade

Cadê a inteligência que se espera
de uma sociedade bombardeada?

DANIEL LIMA - 01/07/2010

Enquanto o Clube dos Prefeitos do Grande ABC segue desfiladeiro abaixo na patética busca de definir planejamento estratégico para a região, montando superestrutura de 25 grupos temáticos que enxugam o gelo de teorias e experiências sem correspondentes respostas práticas, o andar da carruagem dos acontecimentos é outro. Estamos de mal a pior. Perdemos a capacidade de interpretar os fatos que ocorrem no Grande ABC. No passado, havia forças que sabiam o que faziam, principalmente para tentar concentrar feixes de interpretações que pudessem lhes assegurar vantagens competitivas — mesmo que a custa da sociedade.


A incapacidade regional de entender o jogo da economia invade a todas as instâncias. Na mídia também. Os temários mais profundos são descartados. A polêmica entre a Volkswagen do Brasil e o setor de autopeças é prova disso. Certamente a maioria não sabe do que se trata. O que confirma a subalternidade da pauta regional a manipulações que visam a emburrecer a sociedade.


O assunto afeta diretamente os interesses do Grande ABC, mas não há vida prospectiva nos canais institucionais. Nossas instâncias associativas empresariais, principalmente, estão entregues às baratas. Ficam no ramerrame de prestação de serviços burocráticos ou em eventos de cunho comercial. Não enxergam a floresta de complicações macroeconômicas e macrossociais. Movimentam-se como quem pisa em ovos. Interesses particulares balizam ações corporativas.


Muito mais importante no passado do que no presente, a indústria de autopeças do Grande ABC, sempre subordinada aos ditames das montadoras de veículos, está ameaçada pela Volkswagen do Brasil. Alguns jornais paulistanos deram a matéria que passou em branco nos veículos locais: a ameaça da Volkswagen substituir fornecedores de componentes automotivos nacionais por estrangeiros, sob a justificativa de que uma parte das empresas de capital brasileiro insiste em reajustar preços apesar de não se comprometer com a entrega de produtos de qualidade e cumprimento de prazos.


À parte as motivações dos contendores, convém breve recuo no tempo para lembrar um dos temas mais caros que mantive à frente da revista LivreMercado. Durante duas décadas acompanhamos o movimento de peças sociais e econômicas do Grande ABC como nenhum outro veículo de comunicação em qualquer área regional do País.


Cansamos de denunciar a escandalosa destruição de empresas industriais de base familiar na região. Obras da maluquice de uma abertura comercial e de guerras fiscais do governo Fernando Henrique Cardoso.


As autopeças de origem familiar no Grande ABC desapareceram do mapa. Foram destruídas por políticas que privilegiaram grandes corporações. Anteriormente, como espécie de preparação à debacle, empresas familiares foram bombardeadas por um sindicalismo que não distinguia capacidade de respostas às reivindicações trabalhistas. Grandes, médias e pequenas indústrias formavam o mesmo saco de gatos de exigências. Um circo de horrores.


O movimento destrutivo não se deu exclusivamente no Grande ABC, mas atingiu mais intensamente o Grande ABC por concentrar maior contingente de empreendedores para atender às montadoras de veículos.


Segundo os últimos dados do Sindipeças, entidade que representa o setor, a desnacionalização das empresas que atendem às montadoras chegou a números exorbitantes. Hoje, 71% das autopeças sediadas no Brasil pertencem ao capital estrangeiro. A ameaça da Volkswagen poderá elevar esse índice ainda mais.


Fosse o Clube dos Prefeitos entidade de fato cerebral, dessas instituições com estudos atualizados sobre o Grande ABC, teríamos um retrato automático da indústria de autopeças na região. A que tipo de empreendedor estaria entregue a indústria de autopeças da região? Quantas empresas familiares se salvaram da borrasca fernandohenriquista?


Nada disso, infelizmente, está na pauta da rarefeita institucionalidade do Grande ABC. O rebaixamento intelectual é acintosamente humilhante. Entregou-se a pauta regional a bandoleiros políticos que não fazem outra coisa senão exporem, sem a menor cerimônia, objetivos pessoais e grupais. O noticiário político poderia ser adaptado às fofocas de zonas de meretrício. Fulanizaram os pontos sobre os quais deveriam convergir inquietações da sociedade.


No Grande ABC destes tempos de mediocridade total, vale muito mais a pena se a alma for pequena.


Sugiro aos leitores, para poupá-los de texto mais extenso, que utilizem o mecanismo de busca deste site. Escrevam “autopeças” e vejam o quanto de acervo temos para justificar a indignação destes dias.


Infelizmente, o passado do melhor jornalismo que o Grande ABC já produziu ao longo da história transformou-se em pesadelo para quem imaginava que o futuro não seria um compromisso tácito com a dissimulação e o descaso de quem está no comando político e social de 2,6 milhões de habitantes.


Mergulhamos, lamentavelmente, na mais ofensiva, insidiosa, tosca e sofrível trajetória institucional do Grande ABC.


Perdemos a capacidade mínima de gerenciar informações e de estabelecer reações, mesmo que, como nos anos 1990, tocadas por interesses enviesados.


A desarrumação geral da casa é consequência do passado de licenciosidades éticas e de individualismos insuperáveis.


Imaginem então o que teremos no futuro desse presente, se o futuro do passado é o que temos despudoradamente que enfrentar a cada dia nesse território de oportunistas?


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